A PAZ platónica de Moçambique

Por Eduardo Marcelo Fernando | 26/10/2020 | Sociedade

Permitam-me que comece a falar da paz, começando por Aristóteles que diz ser “…mais difícil organizar a paz do que ganhar a guerra. Mas os frutos da vitória serão perdidos se a paz não for organizada.” Do outro lado, percebemos que Paz! Paz! Poucas palavras são tão repetidas quanto esta em nossos dias, até a inclemência de guerras, guerras pela democracia, guerra de Nhamapaza, guerra da integração, guerra do DDR que pouco a pouco, ano após ano vai tendo lugar e que desta vez foi-se à Savane-Sofala-Moçambique, sem que a Assembleia da Republica, o Conselho de Ministro aprova-se a inserção social dos compatriotas “desarmados e deixados a sua sorte”! Guerra das revoluções para não pagar as chamadas dívidas não esclarecidas ou assombradas, as guerras dos sem rosto como um cidadão disse algures, agora com rosto! Chamados jihadistas e terroristas do gás e do petróleo que pecado ter riqueza igual! Que [...], e não sei mais outro nome a dar, discórdias políticas, violência urbana, desunião familiar, laboral, de inteligência e saber até a de atrocidades provocadas pelo acirramento de ódios étnicos, de vizinhança, de adultos e crianças e até entre alguns que por imperativo de ocasião e espaço se chamam colegas, amigos, abalaga, mundimua, hama, madoda, unculo, muna, mufana, enfim. Nunca se ambicionou tanto a paz. Nunca se violou tanto a paz. Que se diga!

O mundo de hoje, com tantos avanços na cibernética, nas comunicações, nas ciências, evoluiu bastante, fez invenções e admiráveis progressos, mas esqueceu-se de fabricar a paz. Para o nosso padroeiro, Bispo de Hipona Santo Agostinho: “a paz do corpo é a ordenada complexão de suas partes; a da alma irracional, a ordenada calma de suas apetências. A paz da alma racional é a ordenada harmonia entre o conhecimento e a acção. […]. A paz dos homens entre si, sua ordenada concórdia. A paz de casa é a ordenada concórdia entre os que nela mandam e os que obedecem; a paz da cidade, a ordenada concórdia entre governantes e governados. […] A paz de todas as coisas, a tranquilidade da ordem”.

 

 

  1. A paz para o cristão que acredita

Para o cristão, a paz representa muito mais do que a simples inexistência de luta armada. Ela “não é ausência de guerra, nem se reduz ao estabelecimento do equilíbrio entre as forças adversas, nem resulta duma dominação despótica”,  lembra o Concílio Vaticano II.

O grande inimigo, ao mesmo tempo meta do homem de nossa era, é um conjunto de coisas que, numa criação nova de palavras, dizemos ser a idolatria do egoísmo, onde o ter, o prazer e o poder são as vigas mestras que sustentam seu templo. Ter, prazer, e poder, não são coisas novas. Por elas o povo que marchava pelo deserto sofreu castigos, por elas muitos se perderam, por elas, até hoje, muita gente se corrompe, se vende e se prostitui, justamente porque pensa com essas três coisas: comprar a vida, possuir o mundo, fabricar a felicidade, conquistar a paz. Que ledo engano!

Em seu livro Jesus de Nazaré, o Papa Bento XVI ressalta que “a inimizade com Deus é o ponto de partida de toda corrupção do homem; superá-la é o pressuposto fundamental para a paz no mundo. Só o homem reconciliado com Deus pode estar reconciliado e em harmonia também consigo mesmo; e somente o homem reconciliado com Deus e consigo mesmo pode difundir paz em seu redor e em todo o mundo”.

Se os homens soubessem de onde lhes pode vir a paz…o ter força-nos cada dia ter mais, pois desencadeia uma ambição, gera uma sede, que só pode ser aplacada com ter mais, com conquistar mais coisas, entrando-se numa ferrenha competição que cega, que solta quaisquer freios de ética e de respeito. Quem busca ter nunca se sacia, mas sempre quer ter mais, para sobrepujar, para estabelecer confrontos e competições que não levam a nada, apenas atormentam, apenas tira o sono e afastam-nos dos verdadeiros e legítimos sentimentos humanos, como o amor, solidariedade e respeito.

  1. O manifestar do prazer

O prazer pode acontecer por diversas formas. Ora, é o prazer sensível das coisas da matéria, ora é o sexo buscando de forma indiscriminada e promíscua, que ao invés de acalmar, mais acende, mais excita, pois sua busca não é orientada pelos sentimentos, mas determinada tão-somente pelo instinto e, como tal, incontrolável pela razão e pelo bom senso. O prazer também ocorre pela lisonja, pela bajulação, pelos elogios que muitas vezes pagamos para ouvi-los. O prazer flui qual visgo pegajoso pela boca dos falsos amigos, dos interesseiros que nos dizem não a verdade, mas aquilo que nos deleita, que queremos ouvir, que alimenta nossa vaidade e reforça nosso “ego”.

  1. O poder humano

O poder é a terceira coluna do egoísmo. Os poderosos geralmente se colocam numa posição de resguardo e de precaução. Raras vezes o poder é usado como serviço, mas quase sempre como forma de dominação, como maneira de oprimir e impor ideais ilegítimos e ilícitos que visam à satisfação de pequenos grupos que ao poder ascenderam sem a mínima condição de gerá-lo, de mantê-lo e de canalizá-lo para um serviço em prol do bem comum. Por esta fraqueza se desesperam e perdem a paz.

Estes três males, tão presentes na busca do homem de nosso século, são factores decisivos para a sua infelicidade, pois a felicidade é buscada longe quando está tão próxima, está ao alcance das mãos, nas coisas simples da vida e que dão a paz. O homem situa-se no centro dessa trilogia pagã de ter, poder e prazer nelas busca seu consolo e sua satisfação e, por serem grandezas sem valor real, deixam um vazio de frustração, num processo de ilegitimidade que precisa ser mantido pela força e pela multiplicação do mal, coisas que banem para longe a paz.

São Tomás de Aquino e a Paz

Nesse sentido, a explicação oferecida pelo Doutor Angélico mostra (São Tomás de Aquino) como uma falsa paz pode enganar o homem, se ele não goza da perfeita união com Deus: “Ninguém é privado da graça santificante a não ser em razão do pecado, razão pela qual o homem se afasta do verdadeiro fim e estabelece o fim em algo não verdadeiro. Assim sendo, seu apetite não adere principalmente ao verdadeiro bem final, mas a um bem aparente. Por esta razão, sem a graça santificante não pode haver verdadeira paz, mas somente uma paz aparente”.

Em sua Encíclica Ubi arcano, o Papa Pio XI valeu-se de uma fórmula em extremo acertada, a qual permanece até nossos dias como o paradigma a ser atingido não só pelos cristãos, mas por toda a humanidade: “A paz de Cristo no reino de Cristo”.

 

Jesus o Príncipe da PAZ

Jesus, no deserto, sofre tentações justamente na linha do ter, do poder e do prazer. As pedras transformadas em pão, coisa carente naquele deserto, significariam a necessidade do ter, saciada. Os anjos protegendo sua queda, não permitindo que ele se ferisse contra as pedras, representaria o prestígio, a distinção, a diferenciação gerada de vaidade de quem é servido, o prazer das mordomias. Quando, na Santa Ceia, o Senhor transmitiu os últimos ensinamentos aos Apóstolos, deu-nos como herança um dom precioso: “deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá” (Jo. 14, 27). Mais tarde, ao aparecer no Cenáculo e encontrar os discípulos amedrontados e pusilânimes, suas primeiras palavras foram: “A paz esteja convosco!” (Jo 20, 19). Ainda outras vezes falou Jesus sobre a paz, mas sempre com uma nota muito peculiar: a sua paz, e não outra qualquer.

A paz na Terra é consequência natural da paz com Deus, como deixou consignado o Beato João XXIII: “em última análise, só haverá paz na sociedade humana se essa estiver presente em cada um dos membros, se em cada um se instaurar a ordem querida por Deus. Assim interroga Santo Agostinho ao homem: “quer a tua alma vencer tuas paixões? Submeta-se a quem está no alto e vencerá o que está em baixo.”

Por último, para chegar ao poder sobre toda a terra, Jesus deveria adorar ao maligno. Fácil é agente constatar que nós, homens de hoje somos ainda tentados a essa adoração sinistra. Em busca de uma paz falsa, corremos atrás das coisas do mundo, sempre enganosas, sempre fugidias, sempre despidas de um valor, acendendo velas ao diabo, prestando cultos pagãos e celebrando macábros pactos com a morte, esquecidos de que a Vida está exactamente para o lado oposto. Dizemos com propriedade ser essa a paz de Cristo porque, antes d’Ele, o mundo vivia nas trevas do paganismo em que vigoravam atrocidades de todos os tipos, prevalecendo a máxima: homo homini lupus — o homem é lobo do homem. Por isso, Santo Efrém de Nisibi pôde afirmar que “no nascimento e na morte de Jesus de Nazaré, o Céu e a Terra se fundem num abraço de paz”.

Quando o “Príncipe da paz” é descrito em (Is 9, 5), que viera a este mundo para salvar, é recusado até pelos seus. Portador de divinas soluções para todas as desordens da humanidade, é desprezado por não dar assentimento ao pecado dominante nos corações orgulhosos de uma geração má e perversa. Quem somos nós? A nós, porém, filhos da Santa Igreja, a paz de Cristo não é um objectivo inalcançável, porque não está velado aos nossos olhos. Quem a pode comunicar. Embora tenha ascendido gloriosamente aos Céus, Ele está presente em seu Corpo Místico, a Santa Igreja Católica, defensora intrépida do direito, da vida, da justiça e da caridade. Ou ainda, como a qualificou o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira, “a depositária da Verdade, e Arca dos Sacramentos, inestimável obra-prima de Deus”. De onde nós aprendemos algumas e tantas lições sobre a paz.

Contudo, que a humanidade tenha, portanto, os olhos fixos na Igreja, em sua Igreja e ponha amorosamente em prática seus sapienciais ensinamentos, eis o meio seguro de extirpar todas as desordens, individuais e sociais, que campeiam pelo mundo afora e são causa das discórdias, guerras, violências e tantos outros males que afligem o mundo actual. À Santa Igreja se aplica com propriedade a profecia de Isaías: “Eis o que diz o Senhor: vou fazer a paz correr para ela como um rio” (Is 66, 12).

Lá está o amor, a luz, a esperança, e a PAZ.

Referencia Bibliográfica

CONCÍLIO VATICANO II. Gaudium et spes, n.78.

SANTO AGOSTINHO. A cidade de Deus. l.19, c.11.

SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q.29, a.2, ad.3.

SÃO TOMÁS DE AQUINO. Super Evangelium Ioannis, c.14, lect.7.

SANTO EFRÉM DE NISIBI. (2006). Citado em ODEN, Thomas C. (Ed.). La Biblia comentada por los padres de la Iglesia y otros autores de la época patrística. Evangelio según San Lucas. Madrid: Ciudad Nueva. v.III.

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Opus justitiæ pax. In: O Legionário. São Paulo. N.434. (5/1/1941).

 

  • Entre outras fontes.