A Obrigatoriedade do Regime de Sepação de bens para os septuagenários

Por Tatiana Batista Gomes | 12/05/2016 | Direito

1 INTRODUÇÃO 

A obrigatoriedade do regime de separação de bens determinada pela lei aos idosos foi estabelecida com uma finalidade protetora, contudo na prática não se mostra dessa forma.

Para abordar o tema proposto, tem-se que analisar vários pontos.

O primeiro deles é o casamento.

Portanto, se estudará a evolução histórica do casamento; o conceito; os regimes de bens permitidos pela legislação brasileira, tanto sob a vigência do Código Civil de 1916 quanto no atual; e, por fim, a imposição do regime de separação, especialmente aos idosos.

O segundo ponto é a proteção dedicada aos idosos no atual ordenamento jurídico brasileiro, iniciando-se pela analise dos princípios que melhores se aplicam aos idosos; a proteção legal aos idosos; as políticas públicas destinadas a eles; e as falhas na proteção ao idoso, especialmente no que diz respeito ao direito sucessório.

Ainda se estudará o direito sucessório brasileiro. A sucessão legítima, principalmente os herdeiros necessário, ou seja, descendentes, ascendentes e cônjuge; e também a sucessão testamentária.

Neste ponto, também será feita uma comparação entre a sucessão do cônjuge e do companheiro, apontando as semelhanças e diferenças entre elas.

Para finalizar, importante se faz o estudo de jurisprudências sobre o assunto, especialmente quanto à relativização da imposição normativa do regime de separação obrigatória.

Ao fim da pesquisa, pretende-se mostrar como a imposição legal fere os direitos dos idosos e contribuir para que haja uma mudança legal de forma a garantir que o princípio da igualdade seja-lhes melhor aplicado.

 


2. CASAMENTO

2.1 ESCORÇO HISTÓRICA

O objeto desta pesquisa é o regime de separação obrigatória imposto aos casamentos de pessoas maiores de sessenta anos, contudo, para adentrar a esse tema necessário se faz, preliminarmente, analisar o instituto jurídico do casamento, a começar pelo seu histórico.

Majoritariamente, a doutrina inicia a análise histórica do casamento a partir de Roma (apesar de haver matrimonio antes desse período), pois além de ser a origem do direito civil, ali o casamento se encontrava organizado (Monteiro, 2007).

O casamento em Roma se dividia em três espécies: confarreatio, coemptio e usus (Pereira, 2010).

A primeira espécie era o casamento de cunho religioso da classe patrícia, celebrado com pompa, no qual a mulher saia da autoridade do pai e passava para a autoridade do marido (Pereira, 2010).

O segundo tipo de casamento romano era considerado civil, e se apresenta pela venda da mulher ao marido (Venosa, 2010).

Já o usus muito se aproxima do concubinato, visto que consideravam-se casados o homem e mulher que coabitassem pelo período de um ano. O matrimonio só não seria considerado se a coabitação fosse interrompida por três noites consecutivas dentro desse período (Venosa, 2010).

Essa interrupção existiu para garantir a mulher o direito de herança da família do pai, visto que uma vez casada, a mulher rompia qualquer tipo de relação com a família paterna (Venosa, 2010).

Em meados do século XVI a Igreja Católica estabeleceu, no Concílio de Trento, o casamento como um dos sacramentos, e a partir daí até o momento em que houve o rompimento entre igreja e Estado, o casamento passou a ser religioso em grande parte do mundo (Pereira, 2010).

Inicialmente, homem e mulher podiam se receber como marido e mulher, sem a intervenção de ninguém, mas com o passar do tempo a Igreja passou a exigir que o casamento se realizasse na presença de um Ministro religioso para ser válido, evitando, assim os casamentos clandestinos (Pereira, 2010).

No Brasil colônia o casamento era exclusivamente Católico (religioso), visto que essa era a religião oficial do país (Monteiro, 2007).

Contudo, devido ao aumento populacional, principalmente a chegada de imigrantes com diferentes crenças, em 1861 passou-se a admitir o casamento civil, além do religioso que já existia (Pereira, 2010).

Com a proclamação da república e a separação entre Igreja e Estado, o casamento passou a ser civil (Pereira, 2010).

Atualmente, o casamento no Brasil é civil, mas celebra-se paralelamente como religioso, podendo ser concedido efeitos civis ao casamento religioso.

2.2 CONCEITO DE CASAMENTO

O Código Civil (CC) prevê e regulamenta o casamento, porém, deixou de conceitua-lo, dando margem à doutrina estabelecer conceitos diversos, baseados em diferentes considerações, variando de doutrinador para doutrinador.

Como ato solene, detém-se, obviamente, na solenidade do ato, sendo conceituado por Laffayete, (apud Pereira, 2010, p. 64) como “ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida”.

Segundo Venosa (2010), assim como o testamento, o casamento é o ato mais solene do ordenamento brasileiro, revestido pela lei de formalidades essenciais que garantem sua validade e o diferencia dos demais contratos.

Na concepção de Beviláqua (apud Pereira, 2010, p. 64), o matrimônio:

 

É um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por ele suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer.

 

Como contrato, necessário se faz a declaração da vontade afirmativa dos nubentes para que possa produzir efeitos.

Pereira (2010, p. 70) declara ser um “contrato de direito de família” tendo em vista sua natureza especial a qual não envolve apenas aspectos patrimoniais, mas por ser de uma profundidade maior, devido às relações que se estabelecem a partir dele.

Além disso, apesar da livre manifestação de vontade ser indispensável, o casamento se regula a partir de normas imperativas e de ordem pública, ou seja, são superiores aos ajustes existentes entre as partes, que não podem modificar o estabelecido na lei (Monteiro. 2007).

Venosa (2010) diferencia casamento-ato e casamento-estado. Enquanto este se equipara a uma instituição, aquele é um negócio jurídico.

Admite-se a natureza contratual (negócio jurídico) enquanto gera uma nova situação jurídica. Assim, tem-se que é ato pessoal e solene, puro e simples, e, portanto, inadmissível termo ou condição.

Como instituição, o casamento reflete uma situação jurídica, considerando-se os direitos e obrigações fixados em lei que regulamentam a união dos cônjuges, organizando a família, base da sociedade (Constituição Federal – CF, artigo 226).

Já sob uma perspectiva mais legalista, Guillermo Borda, (apud Venosa, 2010, p. 25) define objetivamente casamento como “a união do homem e da mulher para o estabelecimento de uma plena comunidade de vida”, visão esta que em muito se aproxima do estabelecido pelo CC: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges” (CC, artigo 1511).

Vale ressaltar que a legislação se limita a estabelecer a ‘comunhão plena de vida’ como finalidade do casamento, como visto no artigo mencionado acima, não havendo outras particularidades ali expostas que ajudem a estabelecer um conceito mais completo de casamento.

Para Monteiro (2007, p. 22) isso não á um problema, pois ele declara que “a ajuda mutua, esta sim, sempre foi e será não só a finalidade, mas também efeito jurídico do casamento”, a fim de atingir o bem comum.

As definições mais clássicas colocam como finalidade principal do casamento a concepção de filhos e sua criação, além da vida em comum. Contudo, devido às mudanças sociais, atualmente vem crescendo o número de casais que não têm filhos, por opção ou por questões fisiológicas.

Tradicionalmente o conceito trazia a ideia de indissolubilidade do vínculo conjugal, que, por causa das mutações sociais, não existe mais na maioria dos países. No Brasil admite-se a dissolução do casamento pelo divórcio (CF, artigo 226, § 6º).

Antes de se avançar no tema, importante se faz uma observação sobre um aspecto da definição dada pela doutrina majoritária, qual seja a diversidade de sexo para o casamento.

Segundo a legislação brasileira (CC, artigo 1514), o casamento ocorre entre homem e mulher, não sendo admitido (pela legislação) o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Sabe-se que há movimentos sociais para a aceitação da união homossexual, o que já foi objeto de análise pela jurisprudência (RE 687432 AgR, por exemplo), entretanto, ainda não houve alteração legal, e, portanto, não será analisado, visto não ser parte do tema aqui proposto.

2.3 REGIMES DE COMUNHÃO

Como já visto acima, o conceito de casamento dado pela doutrina está relacionado à ‘comunhão de vida’ entre os cônjuges e não essencialmente às relações econômicas.

Contudo, difícil de se conceber uma plena comunhão de vida sem se falar nas relações econômicas que, necessariamente, venham a existir entre os cônjuges.

Os regimes de bens existem para regulamentar essas relações econômicas entre os cônjuges, tanto durante a constância do casamento quanto no momento de sua dissolução.

A doutrina (Venosa e Pereira, por exemplo) entende não ser possível a existência de um casamento sem um regime de bens, sendo uma condição de subsistência e, ao mesmo tempo, consequência jurídica do matrimônio.

Assim, tem-se que, regime de bens, nas palavras de Monteiro (2007, p. 183) “é o complexo de normas que disciplinam as relações econômicas entre marido e mulher, durante o casamento”.

Para Venosa, o termo correto seria “regimes patrimoniais do casamento” (2010, p. 322), pois se refere à propriedade e administração de bens anteriores e posteriores ao casamento, mas a expressão “regime de bens”, por ser mais comum, e, consequentemente, mais conhecida, cumpre o papel a que se destina.

Pereira (2010, p. 189) eleva o regime de bens ao status de princípio regulamentador das relações patrimoniais conjugais, que se desdobrarão “no direito sucessório, nos regimes matrimoniais e nas doações recíprocas”.

Em regra, o regime de bens pode ser escolhido livremente pelos cônjuges, que podem, inclusive, optar por mesclar os regimes existentes, desde que se faça por escritura pública, caso a escolha não seja pelo regime legal. Mas, há casos excepcionais, e taxativos, nos quais os nubentes se submeterão ao regime imposto por lei, sendo nulas as convenções em contrário (Venosa, 2010).

A depender do regime escolhido pelos cônjuges, as consequências podem ser a união total ou parcial do patrimônio, ou ainda, a total incomunicabilidade entre os bens de um e outro.

Uma inovação trazida pelo CC de 2002 é a possibilidade de mudança de regime de bens, visto que anteriormente isso era proibido.

Sobre a alteração, assim declara o CC, artigo 1639, § 2o: É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Como visto, o código não determinou prazo mínimo para a permanência no regime escolhido prioritariamente, ou delimitou em quais casos a alteração será permitida, se limitando a estabelecer dois requisitos: o requerimento de ambos os cônjuges e a autorização judicial.

Pereira (2010, p. 193) declara que a decisão judicial, neste caso, não será “simplesmente homologatória, exigindo efetiva fundamentação”, além da impossibilidade do requerimento unilateral por um dos cônjuges.

Analisado esses primeiros aspectos gerais do regime de bens, passa-se a verificar um a um os regimes existentes no ordenamento brasileiro.

O CC elenca quatro tipos de regimes de bens: comunhão parcial; comunhão universal; separação; ou participação final nos aquestos.

O regime mais comum e adotado como legal é o da comunhão parcial. Nesse sentido, disciplina o CC, artigo 1640: Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial.

O ordenamento brasileiro adota esse regime como o legal desde 1977, com a edição da Lei do Divórcio (Lei 6515/77), que alterou o então código civil vigente (de 1916), dando a seguinte redação ao artigo 258: “Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime de comunhão parcial”.

Até 1977 o regime legal era o da comunhão universal. Já o código civil de 2002 seguiu a linha já estabelecida pela lei do divórcio, e manteve a comunhão parcial como regime legal, portanto, caso não haja manifestação expressa (por escritura pública) dos nubentes em optar por outro regime, este será o adotado, ainda que tacitamente, para reger as relações patrimoniais do casal (Venosa, 2010).

Na comunhão parcial, os bens pertencentes a cada um dos cônjuges antes do casamento permanecem em sua exclusiva propriedade, sendo de propriedade comum aqueles adquiridos a título oneroso após o casamento. “Ou seja, entram no patrimônio do casal os acréscimos advindos da vida em comum” (Pereira, 2007, p. 224).

Assim dispõe o CC, artigo 1658: “No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento”.

Para Monteiro (2007, p.210), “trata-se de um regime misto, formado em parte pelo da comunhão universal e em parte pelo da separação”. Nesse sentido, assim define Pereira (2010, p. 220): “caracteriza-se pela comunhão de determinados bens e valores, e pela exclusão de outros”.

Venosa (2010, p. 326) expressa sua preferência por esse regime ao declarar:

 

O melhor regime, o que mais atende às situações sociais, não somente nesta hipótese de imposição legal, mas também nas demais, é o da comunhão parcial. É de curial justiça que os bens adquiridos pelo esforço comum de ambos os cônjuges pertençam a ambos.

 

Já no regime de comunhão universal ocorre, em regra, a união, ou comunicação de todo o patrimônio dos cônjuges, tanto anterior quanto posterior ao casamento, independente de terem ambos colaborado ou não para a aquisição do bem.

Pereira (2010, p. 230) afirma que tornam-se “os cônjuges meeiros em todos os bens do casal, mesmo que somente um deles os haja trazido e adquirido”.

Como já dito, esse era o regime legal estipulado pelo código civil de 1916 (artigo 258 Não havendo convenção, ou sendo nula, vigorará, quanto aos bens, entre os cônjuges, o regime da comunhão universal), até a alteração dada pela lei do divórcio.

Contudo, essa comunicação não é absoluta. A lei traz, no artigo 1668, alguns bens excluídos da comunicação patrimonial. Esse “bens incomunicáveis, são ditados pelo caráter personalíssimo dos efeitos em questão, ou representam natural decorrência de sua própria índole” (Monteiro, 2007, p. 198)

Monteiro (2007, p. 198) afirma que essa espécie de regime de bens se equipara a sociedade, mas com regras típicas. Segundo ele:

Como sociedade, a comunhão conjugal acarreta forçosamente a comunicação de todos os bens presentes e futuros, assim como das dívidas. Não é só o ativo dos cônjuges que se comunica, também o passivo. A comunicação opera-se igualmente no bom e no mau, no certo e no duvidoso.

Completamente oposto a esse regime, o de separação de bens importa em total isolamento entre o patrimônio do homem e da mulher. Não se comunicam os bens posteriores ao casamento e muito menos os anteriores.

Cada consorte tem a propriedade e administração exclusiva dos seus bens, não dependendo da autorização do outro para dispor deles.

Contudo, na vigência do código de 1916, deveria estar expresso, além da escolha pelo regime de separação, que os bens adquiridos após o casamento não se comunicariam, pois caso contrário, haveria comunicação entre eles.

Este é o teor do artigo 259 (CC de 1916) que assim determina: “embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”.

Segundo Venosa (2010, p. 347) “Esse regime isola totalmente o patrimônio dos cônjuges e não se coaduna perfeitamente com as finalidades da união pelo casamento”.

Monteiro (2007, p. 215) resume este regime como: “a cada um o que é seu, aí esta a fórmula individualista, que bem sintetiza o aludido regime matrimonial”.

É instituído tanto mediante convenção entre os cônjuges por pacto antenupcial, quanto por imposição legal em determinados casos.

Se advém de convenção entre os nubentes não há muita discussão a respeito, visto que a própria lei dá essa liberdade de escolha, e se essa foi a opção adotada, o patrimônio de cada um será independente, a menos que haja alguma estipulação contrária no pacto antenupcial.

Já se decorrente de imposição legal, há algumas divergências legais, doutrinarias e jurisprudenciais.

O rol de hipóteses em que é obrigatório o regime de separação é taxativo, mesmo porque é princípio constitucional de que ninguém é obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei (CF, artigo 5º, II).

Assim, têm-se três hipóteses legais em que a separação de bens é obrigatória, quais sejam, aqueles que se casam sem observar as causas suspensivas para o casamento; os maiores de 70 anos; e quem dependa de suprimento judicial para se casar (CC, artigo 1641). Essa imposição ocorre, segundo Gonçalves (2009, p. 422):

Por ter havido contravenção a dispositivo legal que regula as causas suspensivas da celebração do casamento (...) (e para) proteger certas pessoas que, pela posição em que se encontram, poderiam ser vítimas de aventureiros interessados em seu patrimônio.

Esse entendimento de separação absoluta dos bens nas hipóteses legais tem sido relativizado à algum tempo com a evolução da doutrina e jurisprudência.

De acordo com a súmula 377 do STF, “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Assim, após serem superadas as discussões jurisprudências, ficou presumido o esforço comum dos cônjuges para a aquisição desses bens e, dessa forma, evita-se o enriquecimento ilícito de um dos consortes em detrimento do outro.

Por último, a participação final nos aquestos é um regime híbrido previsto no CC de 2002 e pouco utilizado no sistema brasileiro.

Nesse regime cada cônjuge possui a propriedade e administração exclusiva de seus bens durante o casamento, como na separação de bens, mas com a dissolução da sociedade conjugal, cada um tem direito a metade do que foi adquirido pelo outro, como na comunhão parcial.

É um regime muito criticado pela doutrina, devido a sua pouca aplicabilidade e por não se adequar a sociedade brasileira.

Segundo Venosa (2010, p. 342), “sua aplicabilidade maior (...) é para aqueles cônjuges que atuam em profissões diversas em economia desenvolvida e já possuem certo patrimônio ao casar-se ou a potencialidade profissional de fazê-lo posteriormente”. Para ele, esse regime não se adapta a sociedade brasileira.

Pereira (2010, p. 326) lembra que nesse regime, “no pacto antenupcial discriminam-se minuciosamente os haveres de cada um, os quais constituem os bens particulares dos cônjuges”.

Segundo este autor, a participação final nos aquestos “não oferece aos cônjuges maiores vantagens do que já oferecem os clássicos regimes (...) com as contribuições que ao longo do tempo lhes trouxe a jurisprudência” (Pereira, 2010, p. 235).

Para Monteiro (2007, p. 233) um benefício deste regime é que evita-se o condomínio, assim, “na dissolução da sociedade conjugal, não sendo possível a divisão cômoda, haverá a avaliação dos bens, para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário”.

2.4 IMPOSIÇÃO DO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA

Como visto acima, “o regime de separação obrigatória de bens é imposto por lei com finalidades diversas, a depender da hipótese retratada” (Monteiro, 2007, p. 217), contudo, o estudo aqui se limitará ao objeto desta pesquisa, ou seja, o matrimônio de maiores de pessoas maiores de 70 anos.

Antes de adentrar ao tema em si, cabe esclarecer que no CC de 1916, a idade de imposição desse regime patrimonial era de 60 anos para homens e 50 para mulheres. Com o CC de 2002 e o princípio constitucional da igualdade (CF, artigo 5º, I) a idade foi igualada para 60 anos para ambos os sexos e permaneceu até 2010 quando, através da lei 12344/10, essa idade foi alterada para 70 anos.

Majoritariamente, vem se entendendo que a imposição desse regime de bens para casamento de idosos é um atentado a liberdade individual, ferindo princípios constitucionais.

Além disso, seria, implicitamente, dizer que os idosos não possuem capacidade. Ora, as incapacidades civis (absolutas e relativas) estão previstas no CC, artigos 3º e 4º, e a capacidade para o casamento, prevista no artigo 1517, determina a idade de 16 anos.

Assim, se a idade avançada, por si só, não é, de forma alguma, causa que gere incapacidade, tanto para a vida civil quanto para o casamento, não seria justificável essa limitação legal.

Contudo, a justificativa para essa imposição é a proteção do patrimônio do idoso e de sua família a fim de evitar casamentos por motivos exclusivamente econômicos, pois com a idade avançada, é comum que as carências afetivas fiquem maiores e, consequentemente, a vulnerabilidade para relacionamentos interesseiros também aumente.

Venosa (2010, p. 326) lembra que “nessa fase da vida (...) o patrimônio de um ou de ambos os nubentes já está estabilizado”, objetivando a lei “afastar o incentivo patrimonial do casamento de uma pessoal jovem que se consorcia com alguém mais idoso”.

Para ele, não merece permanecer tal disposição legal, visto que a fortuna, ou, os bens do idoso seriam um atrativo a mais que incentivariam o casamento.

Da mesma forma, Pereira (2010, p. 198) entende que essa imposição para os idosos “longe de se constituir uma precaução (...) se constitui em verdadeira incoerência”, haja vista não apenas o idoso, mas qualquer um poder ser vítima de um relacionamento por interesse.

Gonçalves (2009, p. 423) entende que “referida restrição é incompatível com as cláusulas constitucionais de tutela da dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica e da intimidade”.

Apesar de esse posicionamento ser quase unânime, Monteiro (2007, p. 217) considera essa determinação uma prudência legislativa “com o intuito de pô-lo (o idoso) a salvo de qualquer propósito subalterno ou menos digno”.

Para ele, “não pode o direito de família aceitar que, se reconhecido os maiores atrativos de quem tem fortuna, um casamento seja realizado por meros interesses financeiros, em prejuízo do cônjuge idoso e seus familiares de sangue” (2007, p. 218).

Contudo, esse é um entendimento minoritário.

Um outro ponto contraditórios é que a lei se limitou a determinar o regime para os casamentos, mas nas uniões estáveis envolvendo idosos é omissa, ou melhor, estabelece apenas uma regra geral que elege a comunhão parcial como regime, independente da idade das pessoas.

Nesse caso, segundo a lei, o idoso que optasse pela união estável estaria sob o regime de comunhão parcial, enquanto o que optasse pelo casamento, necessariamente teria de adotar o regime imposto pela lei, gerando situações absurdas e desiguais, ferindo, inclusive, princípios constitucionais (CF, artigo 5º).

 

3. DIREITOS FUNDAMENTAIS

3.1 PRINCÍPIOS

Dos princípios norteadores dos direitos fundamentais, aqueles com maior aplicabilidade ao presente estudo são o da dignidade da pessoa humana, o da liberdade e o da igualdade.

O princípio da dignidade da pessoa humana é, sem dúvida, um dos mais importantes. É aquele em que se baseia toda a ordem jurídica do país, constituindo um dos fundamentos da república (CF, artigo 1º, III).

Segundo José Afonso da Silva (2010, p. 105), é o “valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem (...) referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais”.

Moraes (2208, p. 835) destaca que “o absoluto respeito aos direitos humanos fundamentais dos idosos, tanto em seu aspecto individual como comunitário (...) relaciona-se diretamente com a previsão constitucional de consagração da dignidade da pessoa humana”.

Nesse mesmo sentido, Freitas Junior (2011, p. 7) entende que “é o princípio básico do qual defluem os demais princípios”.

Sendo assim, esse princípio deve ser observado na aplicação de todos os direitos, especialmente em relação aos idosos, pois “constitui o princípio fundamental dos direitos dos idosos” (Freitas Junior, 2011, p. 6), conduzindo as ações sociais neste sentido.

Exemplo dessa aplicação se dá no direito à vida, que constitui não apenas o direito de estar e permanecer vivo, mas de ter uma vida digna “garantindo-se as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno” (Lenza, 2010, p. 748).

Também pode ser observado no direito ao envelhecimento digno, considerado um direito social, que, segundo Braga (2011, p. 72) “deve ser garantido de todas as formas possíveis, desde a conscientização da população no que se refere às particularidades do envelhecimento até à defesa e educação social para o resgate das boas maneiras no trato com os idosos”.

Isso porque a dignidade da pessoa humana também deve ser observada nos direitos sociais. Assim esclarece Silva (2010, p. 105):

 

Não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual, ignorando-a quando se trata de garantir as bases de existência humana.

 

A liberdade pode ser encarada de várias formas. Liberdade de ir e vir, liberdade de pensamento, liberdade de escolha, etc.

Esse princípio é muito importante para os idosos, como sujeitos aptos e juridicamente capazes para todos os atos da vida civil.

Isso significa que eles podem exercer sua liberdade indo e permanecendo em qualquer lugar que desejarem; formando e expondo seu próprio pensamento, e consequentemente, respondendo por isso, assim como qualquer pessoa capaz; exercendo sua profissão de acordo com as regulamentações legais; enfim, decidindo os rumos de suas vidas como melhor lhes parecer.

A liberdade é a regra na sociedade brasileira, e, portanto, só pode ser restringida por lei, sendo que qualquer violação a liberdade das pessoas que não provenha de lei, elaborada conforme o procedimento previsto na CF, afronta esse princípio, isso significa que “a liberdade só pode ser condicionada por um sistema de legalidade legítima” (Silva, 2010, p. 236).

Ou seja, os limites da liberdade, não só dos idosos, mas também de todas as pessoas, são estabelecidos unicamente em lei.

Para os idosos isso vale muito, pois sua “decisão individual terá de ser repeitada” (Lenza, 2010, p. 751) sob pena de afronta não só a liberdade, mas a dignidade da pessoa humana.

Ainda nesta linha, a ofensa à liberdade individual afronta, ainda que indiretamente, a vida privada do idoso.

Vida privada no conceito de Silva (2010, p. 208) é o “conjunto de modo de ser e de viver (...) direito de o individuo viver sua própria vida”.

Ora, se o idoso é privado de sua liberdade de ir aonde quiser, pensar e se expressar como quiser e fazer o que quiser, direitos que lhe são garantidos como pessoa capaz, há afronta a sua liberdade e a sua vida privada.

As pessoas que cercam o idoso não podem desrespeitar a vontade dele, sob pena de o estarem privando de sua liberdade. Pelo contrário, sua vontade deve ser acatada.

Nesse sentido se posiciona Freitas Junior (2011, p.10), ao declarar:

A família, ademais, não tem autoridade para decidir os rumos que o idoso deve tomar em sua vida, sendo essa uma decisão pessoal do ancião. Imperiosa, pois, a obediência ao livre arbítrio do idoso, ou seja, o respeito ao seu direito de livre escolha, para conduzir sua vida da maneira que melhor atender às suas expectativas.

Doutrinariamente (Silva, Moraes e Lenza, por exemplo), vem se conceituando igualdade como sendo um tratamento igual dado a pessoas na mesma situação e um tratamento desigual dado a pessoas em situações diferentes, na medida de suas desigualdades.

Assim, igualdade não é tratar todos, indistintamente, da mesma forma, pois, se assim fosse, não seria um tratamento justo, visto que, apesar da igualdade formal e jurídica (CF, artigo 5º, caput), sabe-se que, sem dúvida alguma, não há igualdade material (real) entre todas as pessoas.

José Afonso da Silva (2010, p. 214) ensina que “a lei geral, abstrata e impessoal que incide em todos igualmente, levando em conta apenas a igualdade dos indivíduos e não a igualdade dos grupos acaba por gerar mais desigualdade e propiciar a injustiça”.

Diante disso, Moraes (2008, p. 36) explica claramente o sentido constitucional de igualdade:

Todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito.

Portanto, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (CF, artigo 5º, caput), mas, por meio de lei (e somente assim) pode-se destinar tratamento diferenciado a determinadas classes de pessoas que se encontram em situação de real desigualdade com as demais.

Lenza (2010, p. 753) esclarece que há violação a esse princípio a “legitima discriminação positiva, destituída de razoabilidade e proporcionalidade”.

Ou seja, a discriminação instituída por lei deve respeitar os limites da razoabilidade e proporcionalidade, não sendo permitido que a lei determine tratamento desigual arbitrariamente, pois, caso contrário, haverá desigualdade formal, e consequentemente, afronta à constituição.

Esse é o entendimento de Moraes (2008, p. 37), que declara que “normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal”.

É nesse ponto em que a determinação legal que impõe o regime de separação obrigatória de bens aos idosos fere a constituição.

Há leis instituindo tratamento diferenciado aos idosos de diversas formas, e várias delas têm seu fundamento em uma real situação de desigualdade, e, portanto, claramente constitucionais.

Exemplo disso é a prioridade de atendimento aos idosos em filas; vagas de estacionamento destinadas exclusivamente a eles; ou acentos em ônibus dedicados a eles. Enfim, há inúmeros exemplos que poderiam ser citados.

Contudo, a limitação na escolha do regime de bens não possui fundamento compatível com a real situação dos idosos. Pelo contrário, tal limitação diminui a capacidade do idoso, ainda que tácita e indiretamente, pelo simples fato de ter idade avançada e, portanto, nitidamente inconstitucional.

Moraes (2008, p. 37) declara que “toda situação de desigualdade (...) deve ser considerada não recepcionada, se não demonstra compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama”. Este é o caso da imposição de regime de separação obrigatória de bens aos idosos.

3.2 PROTEÇÃO AO IDOSO

Assim como todas as pessoas, os idosos têm direitos garantidos constitucionalmente e legalmente, contudo, devido a sua condição especial, a aplicação de alguns direitos a eles é dada de forma especial.

Primeiramente, cabe destacar que a lei estabelece o critério para determinar quem é idoso, ou seja, de acordo com a Lei 8842/94, artigo 2º: “considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade”.

O rol de direitos destinados aos idosos é imenso. Contém o direito à saúde, ao trabalho, à previdência social, ao acesso a cultura, e muito outros, portanto, se abordará aqui os mais relevantes, especialmente os relacionados a essa pesquisa.

Dentre os direitos, não há duvidas de que o mais importante é o direito à vida. Mesmo porque não há como exercer qualquer outro direito se não for garantido o direito à vida.

Moraes (2008, p. 35) declara que este “é o direito mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência de todos os demais direitos”.

O direito à vida não se limita ao direito de estar vivo, mas de ter uma vida digna. É uma decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, como já analisado acima.

Braga (2011, p. 62) declara que “o idoso tem direito de viver, preferencialmente, junto à família, que somada à sociedade e ao Estado têm o dever de ampará-lo, garantindo-lhe o direito à vida”.

Assim, tem-se que, para essa autora, é dever de todos, incluindo família, Estado e a sociedade em geral, garantir esse direito aos idosos, evitando qualquer violação a eles.

Nesse sentido é o entendimento de Moraes (2008, p. 834):

 

A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida, inclusive por meio de programas de amparo aos idosos.

 

Na aplicação aos idosos, esse direito sofre um desdobramento, ou seja, a proteção ao processo natural de envelhecimento, que, além de ser direito personalíssimo, é considerado um direito social.

Nesse sentido, Freitas Junior (2011, p.44) esclarece que:

 

Na condição de direito social, a proteção ao envelhecimento torna-se um direito indisponível, cabendo ao Estado a obrigação de efetivá-lo, mediante adoção de políticas públicas sociais, que garantam a plenitude de saúde e da própria vida do idoso durante referido processo natural.

 

Decorre deste direito a plena participação do idoso na cidadania e desenvolvimento social, o acesso à cultura e integração social, possibilitando que desfrute de todos os direitos que lhe são garantidos.

Isso porque a proteção ao envelhecimento é um direito que atinge toda a sociedade, não apenas aqueles que já se encontram na faixa etária de 60 anos ou mais.

O idoso tem direito ao respeito.

Esse direito “consubstancia-se na manutenção da integridade do idoso, seja sob o aspecto físico, psíquico ou moral, uma vez que essa integridade sofre vários ataques durante o período do envelhecimento” (Braga, 2011, p. 73).

Relaciona-se com o direito a inviolabilidade, ou seja, a proteção de sua identidade como um todo, tanto da imagem como de ideias, de seus bens como de suas crenças.

Sobre a proteção à imagem, Freitas Junior (2011) lembra que não é apenas um direito personalíssimo, mas também difuso. Para ele, a boa imagem dos idosos do Brasil, como um todo, deve ser preservada evitando-se “distorções” diante da sociedade.

Para este autor:

 

Qualquer atentado contra os pertences pessoais do idoso, ou contra seu direito de privacidade, ou, ainda, qualquer forma de perturbação física ou psíquica, ou ainda desrespeito a sua identidade, autonomia, valores, crenças ou ideias, acarretará em violação ao direito de respeito (Freitas Junior, 2011, p. 54)

 

Já o direito à liberdade, segundo Freitas Junior (2011, p. 45), “significa conceder ao idoso a possibilidade de atuar segundo seu livre arbítrio, ou seja, alcançar suas realizações pessoais da forma que lhe convier”.

O idoso é pessoa capaz, e, portanto, pode tomar suas decisões e agir segundo a sua vontade, desde que não haja vedação legal (CF, artigo 5º, II).

O ordenamento jurídico vigente não admite a idade avançada como condição exclusiva de incapacidade, logo, as decisões do idoso, como pessoa capaz, devem ser respeitadas, sendo inconstitucionais as limitações opostas à liberdade dos idosos e que confiram tratamento diferenciado observando unicamente a idade dessas pessoas.

Braga (2011, p 74) esclarece que, caso não haja comprovação de incapacidade mediante processo de interdição, “o idoso deve ter garantido e protegido seu direito de opção (...) deve ser visto como homem lúcido e suas escolhas devem ser respeitadas, como as de qualquer cidadão”,

Mesmo porque, caso haja limitação aos seus direitos, ocorrerá violação não apenas ao direito de liberdade, mas ao direito à igualdade (ser tratado nas mesmas condições dos demais) ambos com previsão constitucional (CF artigo 5º, caput, I e II).

O direito a liberdade é bastante amplo e está relacionado ao direito de ir e vir, de expressar suas opiniões, participar da vida em família, em comunidade e política, de dispor de seus bens como lhe aprouver (Freitas Junior, 2011).

Braga (2011, p. 71) define que:

 

O direito à liberdade significa que o idoso tem direito de continuar fazendo suas próprias escolhas como poder optar pelo tratamento de saúde que lhe for mais indicado (...) ou decidir sobre a forma de gastar seus recursos, ou ainda escolher com quem vai se relacionar ou onde vai morar.

 

Freitas Junior (2011, p. 47) lembra ainda que “o idoso (...) possui liberdade total para celebrar contratos comerciais como qualquer pessoa maior e capaz”.

Assim, não podem ser opostas limitações ao idoso que tenham por fundamento unicamente sua idade avançada, pois são claramente inconstitucionais e preconceituosas.

3.3 POLÍTICAS PÚBLICAS EM PROL DO IDOSO

O Estatuto do Idoso determina a criação de políticas públicas de atendimento ao idoso nos seguintes temos: artigo 46. “A política de atendimento ao idoso dar-se-á por meio do conjunto de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Essas políticas públicas em prol do idoso são fiscalizadas e controladas pelos Conselhos do Idoso, cuja principal função é “garantir o bem estar de todos os cidadãos idoso de determinada localidade” (Freitas Junior, 2011, p. 172).

A atuação dos Conselhos não se limita a fiscalização, podendo, eventualmente, em casos urgentes, aplicar certas medidas de proteção, desde que não haja restrição à liberdade do idoso (Freitas Junior, 2011).

Contudo, como já foi dito, essa não é a função primordial do Conselho, devendo ele:

 

Evitar agir como órgão inquisitivo (...) devendo se limitar a aplicar medidas de proteção em casos emergenciais. Nas situações ordinárias ou complexas, devem, apenas, registrar as ocorrências que envolverem pessoas idosas e levar ao conhecimento das autoridades competentes (...) para que estes adotem, nos limites de suas respectivas atribuições, as medidas legais cabíveis (Freitas Junior, 2011, p. 173).

 

Para Braga (2011) é necessário uma mudança de mentalidade da sociedade brasileira a fim de aperfeiçoar essas políticas públicas. Para ela, ao contrário do que acontece em países mais desenvolvidos, no Brasil falta tanto o respeito da sociedade para com seus idosos, quanto uma prestação estatal eficiente a eles.

Segundo ela o aumento de políticas públicas dedicadas aos idosos ocorre porque a sociedade envelhece. Nas suas palavras:

 

Uma sociedade que não tem velhos não se preocupa com eles. Mas, à medida que esta sociedade envelhece, passa a perceber que uma conduta precisa ser estipulada. Os cidadãos envelheceram, e mesmo assim continuam querendo exercer sua autonomia, no entanto a sociedade e até mesmo a própria família enxergam o outro como velho e não a si próprias (Braga, 2011, p. 46).

 

Esse é um dos motivos pelos quais o Estatuto do Idoso determina a toda a sociedade (família, comunidade, sociedade e Poder Público) assegurar os direitos dos idosos (artigo 3º).

Isso, segundo Freitas Junior (2011), não significa que todos, indistintamente, têm o dever jurídico de evitar, a qualquer custo, lesão aos direitos dos idosos. Para ele, somente:

 

No caso de o idoso que se encontre em iminente perigo (situação diversa de mero risco social), aí sim qualquer cidadão, mesmo aquele sem nenhum vínculo com o ancião, tem a obrigação de prestar o devido socorro e informar às autoridades (Freitas Junior, 2011, p. 159).

 

Então, são considerados ‘garantidores’ do idoso e, portanto, têm o dever legal de protegê-lo, somente aquelas pessoas que tenham vínculo familiar, contratual ou mesmo judicial com o idoso (Freitas Junior, 2011).

O Estatuto do Idoso elenca as seguintes políticas em prol do idoso:

Art. 47. São linhas de ação da política de atendimento:

I – políticas sociais básicas, previstas na Lei no 8.842, de 4 de janeiro de 1994;

II – políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que necessitarem;

III – serviços especiais de prevenção e atendimento às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;

IV – serviço de identificação e localização de parentes ou responsáveis por idosos abandonados em hospitais e instituições de longa permanência;

V – proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos dos idosos;

VI – mobilização da opinião pública no sentido da participação dos diversos segmentos da sociedade no atendimento do idoso.

A fim de dar mais efetividade a essas políticas, foi editada, além do Estatuto, uma lei específica (Lei 8842/94) sobre o assunto, com as seguintes diretrizes:

Art. 4º Constituem diretrizes da política nacional do idoso:

I - viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações;

II - participação do idoso, através de suas organizações representativas, na formulação, implementação e avaliação das políticas, planos, programas e projetos a serem desenvolvidos;

III - priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência;

IV - descentralização político-administrativa;

V - capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços;

VI - implementação de sistema de informações que permita a divulgação da política, dos serviços oferecidos, dos planos, programas e projetos em cada nível de governo;

VII - estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais do envelhecimento;

VIII - priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família;

IX - apoio a estudos e pesquisas sobre as questões relativas ao envelhecimento.

Alem das diretrizes apontadas pela lei, Braga (2011) elenca a autonomia do idoso como uma garantia que deve ser preservada, mesmo que, por vezes, família e Estado atuem contrariamente a ela, promovendo seu isolamento social ou internando-o em asilos.

Esse isolamento, que pode ser inconsciente ou até mesmo conscientemente tanto por parte da família quanto por parte do próprio idoso e gera uma baixa qualidade de vida. Braga (2011, p. 51) explica que:

Já ficou comprovado cientificamente que a melhor maneira de se conseguir aumentar a qualidade de vida do idoso é fazer com que ele fuja, ao máximo, da vida sedentária, comprovando também que o segredo da longevidade (...) é ser sociável, dinâmico, manter planos e sonhos.

 

Vida saudável para o idoso não se limita a ausência de doença. Ela se estende à “possibilidade de exercer atividades apesar de ter algumas restrições advindas, naturalmente, do envelhecimento” (Braga, 2011, p. 51).

Nesse sentido, a melhora na qualidade de vida pode ser proporcionada através de grupos de convivência de idosos, auxiliando no desenvolvimento da vida social (Braga, 2011).

Com o pensamento de proporcionar qualidade de vida aos anciãos brasileiros, o Estado vem reconhecendo às políticas públicas como suas obrigações, e não apenas favores (Braga, 2011).

3.4 FALHA NA PROTEÇÃO AO IDOSO NO DIREITO SUCESSÓRIO BRASILEIRO

Diante da nova ordem constitucional instituída em 1988, e a partir do estabelecimento de um Estado Democrático de Direito o legislador se preocupou em produzir diversas normas de proteção a classes, que na maioria das vezes se apresentam como hipossuficientes.

Dessa forma, surgiram o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, e várias outras leis com finalidades análogas.

Contudo, mesmo com toda essa preocupação em criar direitos, e não apenas isso, mas efetivá-los, há lacunas legais. Algumas devido a falta ou falha na proteção ou na aplicação da norma, outras devido a superproteção estabelecida pela lei, que feita para ser um benefício aos seus destinatários, se torna um fardo.

Aqui se encontra a imposição legal do regime de separação obrigatória no casamento de maiores de 70 anos, que apesar de ser anterior à CF de 1988, tem um caráter “protetivo”.

Cabe lembrar que até 2010 a idade era de 60 anos, e, na vigência do CC de 1916 era de 50 anos para mulheres e 60 para homens.

Essa norma foi estabelecida a fim de proteger os idosos, seus bens e sua família, “que, pela posição em que se encontram, poderiam ser vítimas de aventureiros interessados em seu patrimônio” (Gonçalves, 2009, p. 422).

A doutrina, majoritariamente, se posiciona contra essa imposição e tem esse entendimento bem sintetizado na declaração de Tânia da Silva Pereira, diretora do IBDFAM – RJ:

 

A norma significa uma afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da liberdade individual e da intimidade, embora revestida de uma proposta de proteção aos interesses patrimoniais do idoso e às expectativas dos futuros herdeiros (...) o objetivo da norma é evitar que a pessoa maior de 70 anos seja vítima de um casamento exclusivamente com interesse econômico (...) a proteção que a norma pretende realizar é válida, mas não pode ocorrer de maneira impositiva, adotando a idade como único parâmetro. (...) Qualquer restrição ao direito de escolher o regime de bens no casamento representa efetiva violação da autonomia da vontade dos idosos.

 

Guilherme Freire Falcão de Oliveira, professo da Universidade de Coimbra, informa que existe regra semelhante em Portugal e declara que “esta disposição revela uma concepção do envelhecimento (...) como fator que merece uma intervenção paternalista por parte do legislador e pouco consentânea com o atual entendimento dos direitos fundamentais e da capacidade”.

Tal imposição legal inferioriza, ainda que não expressamente, a capacidade dos idosos em geral, ferindo seu direito ao respeito, e, mais especificamente, a proteção à imagem de todos os idosos.

Como já foi mencionado, a proteção à imagem não se limita ao direito personalíssimo de cada um, “mas também ao direito difuso de todos os idosos do Brasil, de terem uma boa imagem junto a sociedade brasileira” (Freitas Junior, 2011, p. 53).

Ora, o Estado tem o dever de zelar pelo respeito aos idosos e proteger sua imagem perante a sociedade brasileira, mas permite que uma norma com um conteúdo que limite de tal forma a liberdade e a autonomia dessas pessoas ainda permaneça em seu ordenamento.

Pereira (2010, p.198), a respeito desse posicionamento legislativo, exprime muito bem sua opinião ao declarar que “longe de constituir uma precaução (...) se constitui em verdadeira incoerência”.

A contradição da norma se mostra ainda mais clara quando o idoso tem total liberdade para celebrar contratos comerciais, que podem ser de alto ou baixo risco para seu patrimônio, sem que haja qualquer limitação legal, mas não pode escolher seu regime de bens no matrimonio.

Ora, se a finalidade da norma é proteger o patrimônio, sabe-se que contratos comerciais de alto risco possuem potencialidade lesiva ao patrimônio muito maiores que o casamento.

A incongruência da lei está em respeitar a liberdade do idoso em fazer o mais arriscado para o seu patrimônio, mas a limita no menos arriscado.

Além disso, os idosos são completamente capazes de fazer suas escolhas até que se prove sua incapacidade em processo judicial de interdição. Tem-se, portanto, que a incapacidade de idosos é exceção e não regra.

O promotor de justiça, Oswaldo Peregrina, em matéria publicada pela revista do IBDFAM afirma corretamente que “o fato de a pessoa idosa estar em uma fase etária da vida mais avançada, não pode ser critério para se aferir sua capacidade civil”,

Assim, como sujeito capaz, em decorrência de seu direito à liberdade, o idoso tem o direito de decidir sobre a destinação de seu patrimônio e seus relacionamentos (Braga, 2011), sem que haja uma lei limitando essa liberdade que a própria CF lhe concede como direito fundamental.

Aliás, a doutrina majoritária concorda que a afronta a direitos fundamentais oposta por essa norma atinge a dignidade da pessoa humana, a liberdade individual, a intimidade e a igualdade (Gonçalves, 2009). É tratar o idoso de forma diferente em um aspecto em que ele é igual, e, portanto, inadmissível pela CF.

Outra incongruência da lei se refere ao direito à pensão por morte, pois é devido ao cônjuge e aos dependentes do idoso independentemente do regime de bens adotado no casamento, pois a lei não faz qualquer menção ou limitação sobre isso. Assim determina a Lei 8213/91:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente;

Ibrahim (2012, p. 666) declara que “a pensão por morte é beneficio direcionado aos dependentes do segurado, visando à manutenção da família, no caso da morte do responsável pelo seu sustento”.

Esclarece-se que, pelo princípio constitucional da igualdade, o beneficio da pensão por morte é devido tanto ao homem quanto à mulher, sem distinção (Ibrahim, 2012).

O autor ainda explica que “os filhos também são dependentes preferenciais e concorrem em igualdade de condições com o cônjuge ou companheiro” (Ibrahim, 2012, p. 667). Ou seja, além de ter direito à pensão por morte, independente do regime de bens, o cônjuge encontra-se em posição privilegiada, junto com os filhos, em relação aos demais dependentes.

Sob outro aspecto, a imposição do regime de separação de bens também pode implicar em enriquecimento ilícito, na medida em que os bens de um dos cônjuges não serão compartilhados com o outro (segundo o texto legal), mesmo que adquiridos pelo esforço comum, decorrente da vida em comum gerada através do casamento.

Nesse sentido, a súmula n. 377 do STF veio para relativizar essa imposição legal, ao declarar que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”, presumindo-se o esforço comum.

Ou seja, a súmula do STF “transformou” o regime de separação obrigatória em comunhão parcial.

Esse entendimento foi firmado desde 1964, época da publicação da súmula, e mesmo assim, o legislador persistiu no erro em 2002 ao editar o “novo Código Civil” e, novamente, impor essa regra.

Enfim, sabe-se que a edição da súmula não é exatamente o que os idosos, assim como qualquer pessoa capaz, desejam (liberdade de escolha), mas já é uma evolução, tendo em vista a total separação patrimonial imposta na lei.

A mitigação da liberdade continua a existir, não permitindo que o idoso exerça seu livre arbítrio do modo que lhe aprouver para alcançar seus objetivos, especialmente no casamento, mas já se vê uma evolução, ainda que pequena, neste sentido.

 

4. DIREITO DAS SUCESSÕES

4.1 CONCEITO DE SUCESSÃO

O conceito de sucessão pode ser dado de duas formas, ou seja, em sentido amplo e em senti do estrito.

Em sentido amplo, nada mais é do que o “ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens” (Gonçalves, 2010, p. 10), passando a exercer sobre a coisa os direitos que lhe pertenciam total ou parcialmente.

Para Diniz, “a ideia de sucessão gira em torno da permanência de uma relação jurídica, que subsiste apesar da mudança dos respectivos titulares” (2010, p. 11).

Já no direito das sucessões, aplica-se um conceito mais restrito, isto é, designa “tão somente a transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei, ou em virtude de testamento” (Monteiro, 2008, p. 1). Segundo Gonçalves (2010) essa transferência é tanto dos bens (ativo) quanto das dívidas (passivo) do de cujus.

Monteiro (2008) entende que o direito de sucessão é uma decorrência do direito de propriedade. Pare ele:

 

Propriedade que se extinga com a morte do respectivo titular e não se transmita a um sucessor não é propriedade, porém, mero usufruto (...). A propriedade não existiria se não fosse perpétua, e a perpetuidade do domínio descansa precisamente na sua transmissibilidade post mortem (2008, p. 8)

 

Pereira (2010) explica que a sucessão é aberta com a morte, e, neste mesmo momento, passam-se os bens do de cujus aos seus sucessores, desde que estes estejam vivos.

Gonçalves (2010, p. 69) aponta que “no direito sucessório vigora o princípio de que todas as pessoas tem legitimidade para suceder, exceto aquelas excluídas da sucessão”.

A exclusão se dá por indignidade ou deserção. O rol de pessoas excluídas está no artigo 1814 do CC:

Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

4.2 SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA

A sucessão pode ser dividida em legítima e testamentária.

A sucessão legítima “é a deferida por determinação legal” (Diniz, 2010, p. 103), e independe da vontade do autor da herança. Segundo Pereira (2010), seu fundamento é a vontade da lei.

Para Monteiro (2008, p. 108), legítima é “a porção de bens que a lei reserva ao herdeiro necessário”.

Gonçalves (2010) esclarece que essa porção de bens reservada aos herdeiros necessários equivale à metade dos bens do autor da herança ou à metade da meação, dependendo do regime de bens em que era casado.

Para calcular-se a legítima, explica Monteiro (2008), deve se abater as dívidas do de cujus e as despesas com o funeral. Excluído o passivo, a legítima corresponde à metade do que sobrar, levando em consideração todos os bens existentes no momento da abertura da sucessão e aqueles sujeitos à colação.

Monteiro (2008, p. 111) ainda esclarece que:

A legítima é intocável e indisponível; do ponto de vista quantitativo, não pode ser desfalcada em detrimento dos herdeiros necessários. Mas pode o testador designar os bens que a comporão. Tem validade e há de obedecer-se na partilha, cláusula testamentária que contenha indicação dos bens que devam constituir a legítima dos herdeiros.

Isso significa que, apesar de não ser legalmente possível diminuir a quota dos herdeiros legítimos (50% da herança), pode o autor da herança determinar quais os bens que serão destinados a cada um deles.

Assim, “o patrimônio líquido é dividido em duas metades, correspondendo, uma delas, à legítima, e a outra, à quota disponível” (Gonçalves, 2010, p. 206). A quota disponível não precisa, necessariamente, ser herdada por um herdeiro legítimo, podendo o de cujus deixar, por testamento, a outras pessoas, quem quer que seja.

Dessa forma:

Na ausência de manifestação de vontade do falecido, seus bens são transmitidos a quem o legislador indica como herdeiros. Até se poderia chamar a sucessão legítima de um testamento tácito, pois ao deixar o de cujus de dispor sobre seus bens significa que concorda que seu patrimônio passe às pessoas enumeradas pela lei. Com efeito, quando o titular de um patrimônio opta por não testar, o que ele faz é atribuir plena legitimidade sucessória às pessoas indicadas pelo legislador (Dias, 2008, p. 106).

 

Da mesma forma, o autor da herança, se optar por testar, não precisar dispor de toda a quota disponível em testamento, pois “prevalece a sucessão legítima quando inexiste testamento (válido) (...). Também com referência aos bens não incluídos no testamento são chamados a suceder os herdeiros legítimos” (Dias, 2008, p. 107).

Segundo Gonçalves (2010, p. 208), “só aos descendentes, ascendentes e cônjuge é assegurado o direito à legítima”, isso porque eles são considerados pela lei como herdeiros necessários (CC, artigo 1845).

Para Monteiro (2008, p. 108) “não se pode privar da legítima o herdeiro necessário (...) este é o herdeiro forçado, imposto obrigatoriamente pela lei. Ex lege o herdeiro necessário não pode ser excluído ou arredado pelo testador”.

Mesmo que o de cujus tenha deixado bens em testamento para herdeiro necessário, este não será privado da sua quota da legítima (Gonçalves, 2010).

Mas, segundo Dias (2008, p. 208) “os herdeiros, ainda que necessários, não são obrigados a permanecerem com a herança. Podem renunciar a ela”. Assim, essa é a única forma do herdeiro necessário não ter parte na herança, além das hipóteses de indignidade ou deserção (CC, artigo 1814), já citadas.

O rol de herdeiros necessários segue uma “hierarquia”, ou seja, se houverem herdeiros de primeira classe, excluem-se os demais. Essa preferência decorre do grau de afetividade do de cujus com os herdeiros, por isso, segundo Pereira (2010), fica dispensado o testamento.

Esse rol de herdeiros separados hierarquicamente é denominado pela lei de ordem de vocação hereditária. Segundo o CC, artigo 1829, são legítimos para suceder o de cujus, em primeiro lugar os seus descendentes, seguidos pelos ascendentes, cônjuge e colaterais, respectiva e sucessivamente.

A sucessão se dá “em linha reta, também chamada de direta, quando as pessoas descendem uma da outra (...) o parentesco se denomina em linha colateral (...) quando os parentes são ligados a um tronco comum, sem descenderem um do outro” (Pereira, 2010, p. 72).

A lei dá preferência aos herdeiros em linha reta, por isso os colaterais não fazem parte do rol de herdeiros necessários, isto é, não tem direito à legítima. Neste sentido, Gonçalves (2010, p. 205) esclarece que “todo herdeiro necessário é legítimo, mas nem todo herdeiro legítimo é necessário”.

Como já foi mencionado, há uma preferência na ordem de vocação hereditária, que é dividida em classes (descendentes, ascendentes, cônjuge e colaterais).

A existência de pessoas integrantes das primeiras classes exclui as demais, mas não apenas isso, “dentro da mesma classe, os mais próximos excluem os mais remotos” (Pereira, 2010, p. 76).

Isso significa que, em regra, a existência de parentes em primeiro grau, exclui da herança os parentes de graus superiores, ou mais distantes. Por exemplo, a existência de filho exclui os netos da herança, exceto no caso do direito de representação, que será explicado mais abaixo.

As classes de herdeiros necessários serão melhores explicadas nos tópicos seguintes, cabendo, a princípio, apenas a análise de linhas gerais, passando agora ao estudo do testamento.

Como pode-se deduzir do nome, “sucessão testamentária é a transmissão da herança por meio de testamento” (Dias, 2008, p. 108), e tem como justificativa “a destinação de bens e valores a qualquer pessoa” (p. 317)

No ordenamento jurídico brasileiro, a liberdade de testar é, em regra, limitada, pois “a legítima constitui um freio ao poder de dispor por ato de última vontade” (Monteiro, 2008, p. 11), sendo ilimitada somente nos casos em que há ausência de qualquer herdeiro necessário.

Isso significa que “a existência somente de herdeiros (...) colaterais até quarto grau, não impede que o testador disponha de todos os seus bens” (Dias, 2008, p. 108), pois, apesar de serem herdeiros legítimos, os colaterais não são herdeiros necessários, sendo desnecessário, para tanto, qualquer justificativa.

Assim, segundo Diniz (2010), o testamento esta sujeito a dois princípios, quais sejam, o da autonomia da vontade e o da supremacia da ordem pública.

O primeiro, obviamente, diz respeito à liberdade de testar, enquanto o segundo restringe essa liberdade. A conjugação de ambos permite tanto a proteção dos interesses do de cujus e quanto dos da família (Diniz, 2010).

Assim, com a quota disponível, o testador pode favorecer qualquer pessoa, física ou jurídica, mesmo que ainda não tenha nascido. Além disso, não precisa repeitar a hierarquia dada pela lei, pois “a ordem de vocação hereditária só existe na sucessão legítima. Na sucessão testamentaria não” (Dias, 2008, p. 128).

Segundo Monteiro (2008, p. 124):

 

Testamento é o negocio jurídico unilateral e gratuito, de natureza solene, essencialmente revogável, pelo qual alguém dispõe dos bens para depois de sua morte, ou determina a própria vontade sobre a situação dos filhos e outros atos de última vontade, que não poderão, porém, influir na legítima dos herdeiros necessários.

 

Para Diniz (2010, p. 179), o testamento serve para “dispor de parte de seu patrimônio ou da totalidade, na falta de herdeiros necessários; instituir herdeiro ou distribuir os bens em legados; gravar os bens de cláusulas restritivas, mesmo quanto à legítima; possibilitar a substituição do favorecido”.

O entendimento desses dois autores é semelhante, na medida em que nenhum deles limita o testamento à mera disposição de bens, podendo haver também declarações sobre coisas diversas, como a situação dos filhos, com lembra Monteiro (2008).

Os efeitos do testamento são produzidos após a morte do testador, quando deverá ser apresentado em juízo, registrado e cumprido. Somente a partir dessa data é que poderá ser discutida sua validade (Monteiro, 2008).

Contudo, não é porque alguém foi contemplado por testamento que receberá alguma coisa, pois “os herdeiro só recebem o que lhes deixou o testador se existirem bens depois de pagas as dívidas do espólio e estiver garantida a legítima dos herdeiros necessários” (Dias, 2008, p. 108).

Nesse sentido, completa Pereira (2010, p. 20) que “sucedem os herdeiros legítimos nos bens que ultrapassarem a parte considerada indisponível por lei, porque constitui ela reserva dos herdeiros necessários”.

Isso ocorre por que “a porção disponível é fixa, invariável” (Monteiro, 2008, p. 10).

Ressalta-se que mesmo que um herdeiro necessário seja contemplado, por testamento, com parte ou a totalidade da quota disponível, ainda assim terá direito a legítima, podendo coexistirem os dois tipos de sucessão (Diniz, 2010).

Também importante lembrar que a meação do cônjuge ou companheiro não se confunde e nem faz parte da herança. São coisas distintas, como se verificará mais adiante (Dias, 2008).

4.3 SUCESSÃO DOS DESCENDENTES E DOS ASCENDENTES

Tanto descendentes como ascendentes são considerados pelo Código Civil herdeiros necessário, e, como visto anteriormente, isso implica que, necessariamente, eles terão parte na herança.

Os descendentes fazem parte da primeira classe sucessível, podendo, no entanto, concorrer com o cônjuge (Monteiro, 2008).

Somente não haverá concorrência com o cônjuge se o regime de bens do casamento for o da comunhão universal, da separação obrigatória ou da comunhão parcial se o autor da herança não deixou bens particulares, hipóteses em que os descendentes herdam todos os bens (Monteiro, 2008).

Em outras palavras, “a concorrência do cônjuge com descendentes do de cujus fica na dependência do regime matrimonial de bens” (Diniz, 2010, p. 116).

A escolha da lei em colocar os descendentes na primeira classe sucessível tem, segundo Gonçalves (2010, p. 163), “duplo fundamento: a continuidade da vida humana e a vontade presumida do autor da herança”.

Esse também é o entendimento de Monteiro (2008, p. 89) ao declarar que “a lei prefere os descendentes aos ascendentes por óbvias razões de continuidade da vida humana, a qual deve se alicerçar sobre energias novas e vigorosas”.

No mesmo sentido é o posicionamento de Dias (2008, p.127):

 

Presunção de afeto que as pessoas normalmente têm em relação aos seus familiares. Por isso os descendentes são convocados antes dos ascendentes e os últimos a serem chamados são os colaterais. O critério da afetividade presumida inclui o cônjuge e o companheiro. Assim, a lei institui uma ordem de prioridade na escolha de quem vai assumir a herança.

 

Assim, “a vocação de descendentes afasta a de ascendentes (...) a vocação preferencial dos descendentes independe do grau de parentesco” (Pereira, 2010, p. 103).

Isso significa que havendo descendentes, sejam eles de qualquer grau (filhos, netos, bisnetos, e assim por diante) exclui-se a segunda classe (de ascendentes). A sucessão dos descendentes é sucessiva e infinita, segundo Dias (2008).

Os descendentes são “herdeiros por excelência (...) adquirindo os bens por direito próprio (...) excluindo os demais de outras classes” (Diniz, 2010, p. 109).

Contudo, Gonçalves (2010, p. 163) ensina que “são contemplados, genericamente, todos os descendentes (...), porém os mais próximos em grau excluem os mais remotos, salvo os chamados por direito de representação”.

Diante disso, Diniz (2010, p. 109) explica que “os filhos serão chamados à sucessão (...) recebendo cada um (...) quota igual da herança (...) excluindo os demais descendentes”.

Dias (2008, p. 128) esclarece que “todos que se encontram no mesmo grau de parentesco com o de cujus recebem partes iguais. Herdam por direito próprio”.

Já os demais descendentes, segundo Pereira (2010, p. 104):

 

Sucedem por cabeça ou por estirpe, conforme se acharem ou não no mesmo grau (...). Descendentes mais distantes em grau podem, por direito de representação (...) ser simultaneamente chamados à herança do ascendente comum em concorrência com outros descendentes de grau mais próximo.

 

Desse modo, a sucessão pode se dar por cabeça ou por estirpe, a depender da igualdade ou não do grau de parentesco com o autor da herança.

Se todos os descendentes se encontram no mesmo grau de parentesco com o de cujus, “cada um deles recebe quota igual; nessa divisão consiste a sucessão por cabeça (...) assim acontece porque a força do direito hereditário de cada um é igual, dada a mesma distância que os separa do autor da herança” (Monteiro, 2008, p.89).

Contudo, o ordenamento prevê o direito de representação (somente na linha descendente), em que “os descendentes do herdeiro pré-morto são convocados no lugar do pai” (Dias, 2008, p. 129).

Nesse caso, a “diversidade de grau impõe a sucessão por estirpe (...). Os filhos sucedem per capita e os netos in stirpe” (Monteiro, 2008, p. 89).

Na sucessão por estirpe “os quinhões dos herdeiros se calculam dividindo-se o monte-mor pelo número de linhagens do de cujus” (Diniz, 2010, p. 111), e a parte que caberia ao filho pré-morto é dividida entre seus descendentes, que o representam.

Vale ressaltar que o direito de representação só existe no caso de filho (entenda-se descendente) pré-morto. Uma vez que “na hipótese de renúncia não há direito de representação, pois o renunciante é tido como não herdeiro” (Dias, 2008, p. 129).

Assim, tem-se que havendo representantes da primeira classe sucessível, excluem-se as demais, contudo, “não havendo herdeiros da classe descendente, são chamados à sucessão os ascendentes (...) em concorrência com o cônjuge, agora sem qualquer distinção quanto ao regime de bens em que era casado” (Monteiro, 2008, p. 93).

Quanto a concorrência com o cônjuge, Pereira (2010, p. 107) é muito claro ao afirmar que “é irrelevante o regime de bens do casal: à falta de descendentes sucessíveis, o cônjuge do de cujus concorrerá sempre com os ascendentes”.

Da mesma forma como ocorre com os descendentes, “entre os ascendentes também não há limite de grau, mas os mais próximos excluem os mais remotos” (Dias, 2008, p. 130).

Caso haja distinção de linhas, a herança se divide em metade para a linha materna e metade para a paterna, desde que sejam de mesmo grau (Pereira, 2010).

Isso porque, segundo Monteiro (2008, p. 94), “a herança não se transmite ao casal (pai e mãe), mas a cada um dos genitores, que recebe sua quota por direito próprio”.

Gonçalves (2010, p. 179) esclarece que “se apenas um está vivo, recebe a totalidade da herança, ainda que estejam vivos os pais do genitor (avós do de cujus)”.

Isso porque “entre os ascendentes não há direito de representação” (Diniz, 2010, p. 116).

4.4 SUCESSÃO DO CONJUGE E DO CONVIVENTE

Na ausência de descendentes e ascendentes sucessíveis, representantes das duas primeiras classes, o cônjuge é chamado a tomar a totalidade da herança, pois corresponde, sozinho, a terceira classe de herdeiros necessários (CC, artigo 1838).

Porém, antes de adentrar-se na sucessão do cônjuge propriamente dita, importante esclarecer a concorrência existente entre ele e os descendentes e ascendentes.

Segundo Dias (2008) a concorrência entre esses herdeiros é uma quebra ao princípio da preferência dos herdeiros mais próximos.

Como já foi dito, a concorrência do cônjuge com os descendentes depende do regime de bens do casamento (Diniz, 2010).

Por isso, caso o regime de bens seja o da comunhão total, separação obrigatória ou comunhão parcial, sem que haja bens particulares do de cujus não haverá concorrência com o cônjuge, de acordo com o CC, artigo 1829, I.

A lei estabelece “uma quota mínima em beneficio do cônjuge” (Pereira, 2010, p. 105) de um quarto da herança, caso os descendentes sejam comuns entre ele e o autor da herança. Essa regra está no artigo 1832 do CC.

Gonçalves (2010, p. 175) entende que essa “reserva deve ser feita apenas sobre os bens particulares, excluindo-se a meação”.

Por outro lado, caso os descendentes sejam unicamente do de cujus, cada herdeiro (cônjuge e descendentes) receberá quota igual, mesmo que corresponda a menos de um quarto da herança, pois neste caso, não terá direito a quota mínima (Gonçalves, 2010).

No caso de herdeiros comuns e não comuns, a doutrina ainda não é unânime, mas entende-se, majoritariamente, que os quinhões serão iguais, sem reserva mínima ao cônjuge, tendo em vista preservar o princípio da igualdade, especialmente dos filhos (Pereira, 2010).

Já a concorrência com os ascendentes independe do regime de bens do casamento (CC, artigo 1829, II).

Além disso, se concorrer com ambos os ascendentes em primeiro grau “terá direito a um terço da herança, mas se concorrer com só um ascendente (em primeiro grau) (...) ou se maior for aquele grau, por concorrer com avô ou bisavô do de cujus, caber-lhe-á metade do acervo hereditário” (Diniz, 2010, p 119).

Não havendo herdeiros de primeira ou segunda classe, “será deferia a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente” (Monteiro, 2008, p. 98).

Neste caso, ele é considerado, nas palavras de Diniz (2010, p. 121) “herdeiro necessário, único e universal”.

Para Gonçalves (2010) colocar o cônjuge como herdeiro necessário foi uma importante inovação do CC de 2002. Segundo ele, na vigência do CC de 1916:

Aos poucos (...) o legislador foi admitindo exceções (...) possibilitando que o cônjuge supérstite fosse adquirindo, conforme o regime matrimonial de bens, alguns direitos, como o direito real de habitação e o usufruto vidual, em concorrência com os herdeiros das classes anteriores, aos quais era deferido o domínio dos bens deixados pelo falecido (Gonçalves, 2010, p. 160).

Isso é considerado um avanço porque no código antigo, o cônjuge só era chamado à sucessão somente após os colaterais em décimo grau, ocupando a quarta classe na ordem sucessória, enquanto que no código atual, ele ocupa a terceira classe e é considerado expressamente como herdeiro necessário (Pereira, 2010).

Assim, o que vigora atualmente é que:

Quando o cônjuge é chamado a suceder, assume a condição de herdeiro, independente do regime de bens do casamento. Assim, mesmo que vigore o regime de separação convencional ou obrigatória, não importa, é contemplado com a herança (Dias, 2008, p. 132)

Nesse mesmo sentido, Diniz (2010) resalta ainda que cláusulas de incomunicabilidade de eventual pacto antenupcial não interferem na sucessão do cônjuge.

A única interferência na sucessão do cônjuge é a subsistência do casamento até a data do falecimento do de cujus. Se estavam casados até essa data, preserva-se a característica de herdeiro (Dias, 2008).

Dessa forma, Gonçalves (2010, p. 182) entende que:

No regime do novo código civil, são requisitos para o cônjuge ter direito à herança, em resumo: a) que não esteja divorciado nem separado judicial ou administrativamente; b) que não esteja separado de fato há mais de dois anos do finado, ou c) que prove ter se tornado impossível a convivência, sem culpa sua, se estiver separado de fato há mais de dois anos do falecido.

Diniz (2010, p. 122) exige, como prova desses requisitos, “a escritura pública da separação extrajudicial, devidamente averbada, a homologação da separação judicial consensual e o trânsito em julgado da sentença, se litigiosa a separação”.

Importante destacar que o direito à herança não se confunde com a meação do cônjuge (Dias, 2008).

“À meação em regra, já tem o cônjuge direito em vida do outro, na vigência da sociedade conjugal” (Pereira, 2008, p. 119).

Enquanto a herança rege-se pelo direito das sucessões, a meação é regida pelo direito de família, pois esta decorre do condomínio resultante da vida em comum dos cônjuges. Os bens recebidos pela meação sempre pertenceram ao cônjuge sobrevivente (Diniz, 2010).

Já a herança depende do regime de bens estabelecido no casamento, como já foi mencionado acima (Dias, 2008).

Gonçalves (2010, p. 173) exemplifica bem essa diferença:

Se o casamento tiver sido celebrado no regime da comunhão parcial, deixando o falecido bens particulares, receberá o cônjuge a sua meação nos bens comuns adquiridos na constância do casamento e concorrerá com os descendentes apenas na partilha dos bens particulares. Se estes não existirem, receberá somente a sua meação nos aquestos.

Dias (2008) explica que no regime de separação obrigatória, a lei veda a meação, mas o STF alterou a interpretação permitindo que o cônjuge receba a metade dos bens adquiridos na constância do casamento.

A lei também garante ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação, ou seja, “de continuar na posse do bem que servia de residência à família, independentemente do regime de bens” (Dias, 2008, p. 132).

O CC atual o estabeleceu com algumas modificações, aumentando o direito do cônjuge supérstite.

Enquanto o CC de 1916 permitia o direito real de habitação somente pelo período em que perdurasse o estado de viuvez, o atual deixou de exigir esse requisito, podendo, agora, permanecer no imóvel que pertencia ao casal por toda a vida (Pereira, 2010).

Também no CC de 1916 o viúvo era contemplado pelo direito ao usufruto de parcela dos bens do casal, caso o regime não fosse o da comunhão universal. No ponto de vista de Diniz (2010, p. 142):

A reserva de usufruto em favor do cônjuge supérstite, além de não ser satisfatória a economia e a circulação da riqueza, retiraria daquele que tanto colaborou na formação do patrimônio familiar o direito de receber pelo óbito do outro a plena propriedade de sua parte da sociedade conjugal que se dissolveu.

Ele era conhecido como ‘usufruto vidual’ e deixou de existir com o CC de 2002, pois o cônjuge foi elevado à condição de herdeiro necessário (Monteiro, 2008).

O direito real de habitação é concedido ao cônjuge sobrevivente, “qualquer que seja o regime de bens” (Pereira, 2010, p. 133), mas ficam estabelecidas algumas condições para que seja exercido. Segundo o artigo 1831 do CC:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Tem-se, portanto, da interpretação do artigo que o imóvel deve ser o único com natureza residencial a ser inventariado. Além disso, o direito real de habitação não influencia em nada na participação na herança.

Gonçalves (2010, p. 185) completa que “se houver dois ou mais imóveis residenciais, não se pode falar em direito real de habitação”, isso porque “visa preservar as condições da vida do cônjuge sobrevivo, evitando que fique privado de sua moradia”.

Monteiro (2008, p. 98) explica que “cuida-se de direito personalíssimo e vitalício, devendo o beneficiário utilizar o bem exclusivamente como residência sua”.

Nesse sentido, Diniz (2010, p. 140) esclarece que “o imóvel tem, portanto, destinação especifica: servir de moradia ao viúvo, que nele deverá residir, a título gratuito (...) não podendo alugá-lo, nem cedê-lo em comodato”.

O CC se limitou a garantir esse direito ao cônjuge, omitindo-se quanto ao companheiro, contudo, a crítica doutrinária tem sido grande “por sujeitá-lo a uma eventual desocupação compulsória do imóvel onde vivia com o finado parceiro, na hipótese de não ter este adquirido bens durante a convivência, ou de tê-lo adquirido só a título gratuito” (Gonçalves, 2010, p. 189).

Sobre isso, o Conselho da Justiça Federal de 2002 aprovou o enunciado 117 com o seguinte teor: “O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei n. 9278/96, seja em razão da interpretação analógica do art. 1831, informado pelo art. 6º, caput, da CF/88”.

No mesmo sentido vem se manifestando a jurisprudência:

 

DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA. SITUAÇÃO JURÍDICA MAIS VANTAJOSA PARA O COMPANHEIRO QUE PARA O CÔNJUGE. EQUIPARAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL.

1.- O Código Civil de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada, conferia ao cônjuge sobrevivente  direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família, desde que casado sob o regime da comunhão universal de bens.

2.- A Lei nº 9.278/96 conferiu direito equivalente aos companheiros e o Código Civil de 2002 abandonou a postura  restritiva do anterior, estendendo o benefício a todos os cônjuges sobreviventes, independentemente do regime de bens do casamento.

3.- A Constituição Federal (artigo 226, § 3º) ao incumbir o legislador de criar uma moldura normativa isonômica entre a união estável e o casamento, conduz também o intérprete da norma a concluir pela derrogação parcial do § 2º do artigo 1.611 do Código Civil de 1916, de modo a equiparar a situação do cônjuge e do companheiro no que respeita ao direito real de habitação, em antecipação ao que foi finalmente reconhecido pelo Código Civil de 2002.

4.- Recurso Especial improvido.

(REsp 821660/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 17/06/2011)

 

Aliás, em relação à sucessão do companheiro, essa não é a única diferença, já que:

Somente a partir da ultima década do século XX é que o ordenamento jurídico brasileiro passou a cogitar, expressamente, de sua vocação hereditária, permitindo-lhe, em determinados casos, concorrer com descendentes ou ascendentes (...) mas o que se atribui ao companheiro, em tais hipóteses, era apenas um direito real limitado, incidente sobre fração da herança (Pereira, 2010, p. 102).

Atualmente, lei não considera o companheiro como herdeiro necessário, sendo considerado mero herdeiro facultativo, sem direito à legítima. Isso significa que “quem vive em união estável pode legar a totalidade de seu patrimônio”, segundo Dias (2008, p. 108).

Para Diniz (2010, p. 147) o companheiro é considerado herdeiro regular ou sui generis. Isso porque ele não consta na ordem de sucessão hereditária, mas tem direito apenas a “meação do falecido relativa aos bens adquiridos onerosamente na vigência do estado de convivência”.

Contudo, para Monteiro (2008, p. 99), “na sucessão do autor da herança, embora não incluído na vocação hereditária (...) tem direito a participação na herança”.

Esse é o teor do artigo 1790 do CC:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Esse é o único artigo de que trata da sucessão do cônjuge (Dias, 2008). E tem recebido inúmeras críticas doutrinárias, justamente por trazer tantas diferenças entre a sucessão do cônjuge e do companheiro.

Gonçalves (2010, p. 191), além de tudo o que se pode perceber da simples leitura do artigo, ainda declara que a lei “não beneficia o companheiro com quinhão na concorrência com os demais herdeiros nem o inclui no rol dos herdeiros necessários (...). E só é chamado a recolher a totalidade da herança na falta destes (herdeiros colaterais)”.

Assim, tem-se que o companheiro concorre com todos os parentes sucessíveis (Dias, 2008).

Na concorrência com os descendentes do de cujus, Pereira (2010, p. 107) assim explica:

Se houverem filhos comuns, faz-se a partilha por cabeça, tocando a estes e ao companheiro idênticas frações; se o companheiro concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que coube a um dos co-herdeiros.

Já no caso de não haver descendentes, “mas outros parentes sucessíveis, ascendentes ou colaterais, com eles concorrerá, recebendo um terço da herança” (Monteiro, 2008, p. 101).

Gonçalves (2010, p. 192) adverte que:

A concorrência se dará justamente nos bens a respeito dos quais o companheiro já é meeiro. Sendo assim, se o falecido não tiver adquirido nenhum bem na constância do casamento, ainda que tenha deixado valioso patrimônio formado anteriormente, o companheiro sobrevivente nada herdará, sejam quais forem os herdeiros eventualmente existentes.

Isso porque os bens anteriores à união estável, ou os adquiridos gratuitamente “serão inventariados e partilhados somente aos seus herdeiros na ordem da vocação hereditária” (Diniz, 2010, p. 149).

Dias (2008, p. 134) esclarece que “tanto o direito à meação como o direito de concorrência estão limitados aos bens adquiridos na constância da união estável”.

Mas, assim como ocorre com o cônjuge, o direito à meação não exclui eventual direito à herança, neste caso, contudo, somente a relativa ao patrimônio comum (Pereira, 2010).

Enfim, caso inexista parente sucessível, o companheiro terá direito a recolher a totalidade da herança, entenda-se, dos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável (Gonçalves, 2010).

No entanto, “por totalidade da herança deve-se entender a porção não testada (...). Havendo testamento, o que nele não estiver compreendido tocará ao companheiro” (Pereira, 2010, p. 143).

Assim como o casamento deve subsistir até a morte do autor da herança, aqui vale a mesma regra, ou seja, a união estável deve existir até a abertura da sucessão (Pereira, 2010).

Já no caso de concorrência entre cônjuge e companheiro, Gonçalves (2010, p. 198) dá a solução:

Deve a participação do companheiro ficar restrita aos bens adquiridos durante a união estável (...) enquanto o direito sucessório do cônjuge só alcançará os bens anteriores, adquiridos antes da data reconhecida como de inicio da união estável,

5 ANÁLISE CRÍTICA DE JULGADOS

A liberdade de escolher o regime de bens no casamento fica, em certos casos, limitada, pois, a lei determina o regime da separação obrigatória. É verdadeira imposição legal:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;

III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

Contudo, a evolução jurisprudencial veio relativizando esse entendimento, e culminou na edição da súmula n. 377 do STF: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Esse posicionamento pode ser considerado verdadeira inovação, e não apenas isso, mas um grande avanço. Principalmente em relação à imposição aos idosos.

Essa imposição legal é considerada “um absurdo e uma falta de conhecimento do direito do idoso” (Braga, 2011, p. 56).

Segundo Braga (2011, p. 58), “o idoso preserva os mesmos direitos que sempre exerceu e ainda adquire (...) outros específicos que lhe servem de suporte e estímulo à manutenção dos direitos que sempre lhe pertenceram”. Por isso, não pode ter sua capacidade e liberdade de escolha mitigada dessa forma.

Isso é considerado por Freitas (2011, p. 159) como discriminação. Assim ele se posiciona: “discriminação ocorre quando há violação ao princípio da igualdade; assim, sempre que o idoso receber tratamento diverso daquele dispensado aos demais, estaremos diante de uma atitude discriminatória”, o que é vedado pela Constituição.

Sendo assim, tem-se (bons) motivos para a relativização dessa regra legal.

Assim, desde a edição da súmula, as decisões jurisprudenciais tem se mantido dessa forma:

COMUNICAÇÃO DE AQUESTOS QUANDO O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS E OBRIGATORIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 377. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

(RE 82388, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 06/04/1976, DJ 08-07-1976 PP-05130 EMENT VOL-01027-09 PP-02658)

Esse foi um grande avanço a fim de minimizar a desigualdade criada pela lei, contudo, essa não foi a solução para todos os problemas referentes a essa matéria, e consequentemente, o judiciário teve que se manifestar, dando soluções às questões que se suscitaram.

A súmula diz respeito somente aos bens adquiridos na constância do matrimônio, e, portanto, bens anteriores não se comunicam. Assim entende o STF:

CIVIL. REGIME DE BENS NO CASAMENTO. NO REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS, NÃO SE COMUNICAM OS ADQUIRIDOS COM O PRODUTO DA VENDA DE BENS ANTERIORES AO CASAMENTO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 377.

(RE 93153, Relator(a):  Min. LEITAO DE ABREU, Segunda Turma, julgado em 02/10/1981, DJ 13-11-1981 PP-11415 EMENT VOL-01234-02 PP-00341 RTJ VOL-00100-01 PP-00362)

Da mesma forma os bens adquiridos por doação ou herança, pois não resultam do esforço comum:

No regime de separação legal de bens, não se comunicam aqueles havidos para um dos cônjuges, por doação ou herança. A Súmula 377 se aplica aos bens adquiridos pelo esforço comum dos cônjuges. RE não conhecido - Súmula 400 e 291.

(RE 91059, Relator(a):  Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 13/03/1981, DJ 22-04-1981 PP-13485 EMENT VOL-01208-01 PP-00269 RTJ VOL-00097-03 PP-01239)

O esforço comum exigido não se limita à colaboração financeira, bastando, para tanto a vida em comum:

1. Alemães casados pelo regime da separação de bens de acordo com a lei nacional de ambos, que se radicaram no Brasil após o casamento. Se o marido e a mulher se mantiveram sempre unidos e conjugaram esforços para levar a cabo a formação do patrimônio comum, ainda que a cooperação da esposa tenha sido limitada ao trabalho doméstico, tem ela indiscutivelmente o direito, até mesmo natural, de compartilhar daquele complexo de bens, como dispõe o art. 259 do Código Civil. Não importa que o marido e a mulher sejam estrangeiros e hajam celebrados o casamento pelo regime da separação de bens, nos termos da lei nacional de ambos, porque, no pormenor da comunhão dos aquestos, o importante e decisivo é o esforço comum e construtivo desenvolvido pelo casal no domicílio em que ele construiu ou formou o patrimônio pelo trabalho constante e conjugado do marido e da mulher. Trata-se de uma realidade que o direito positivo se limita a homologar, tão difícil e sua negação. 2. Recurso extraordinário provido, nos termos do verbete 377 da Súmula do STF.

(RE 78811, Relator(a):  Min. ANTONIO NEDER, Primeira Turma, julgado em 29/04/1975, DJ 06-06-1975 PP-03949 EMENT VOL-00988-01 PP-00234 RTJ VOL-00074-01 PP-00194)

Assim também vem se manifestando o STJ, a exemplo do AgRg no REsp 1008684/RJ, que, corretamente, dá mais valor à dignidade da pessoa humana do que a questões financeiras. Da ementa pode-se extrair o seguinte:

1. A partilha dos bens adquiridos na constância da sociedade conjugal, erigida sob a forma de separação legal de bens (art. 258, parágrafo único, I, do CC/1916), não exige a comprovação ou demonstração de comunhão de esforços na formação desse patrimônio, a qual é presumida, à luz do entendimento cristalizado na Súmula n. 377/STF. Precedentes do STJ.

2. A necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana e de outras garantias constitucionais de igual relevância vem mitigando a importância da análise estritamente financeira da contribuição de cada um dos cônjuges em ações desse jaez, a qual cede espaço à demonstração da existência de vida em comum e comunhão de esforços para o êxito pessoal e profissional dos consortes, o que evidentemente terá reflexos na formação do patrimônio do casal.

Sobre as doações ocorridas antes do casamento envolvendo idosos, o STF vem entendendo como tentativa de burlar a lei, e portanto, não permite negócios jurídicos dessa natureza:

CASAMENTO DE SEXAGENARIO. DOAÇÃO ANTE-NUPCIAL. OS EFEITOS DA OBRIGATORIA SEPARAÇÃO DE BENS NÃO PODEM SER CONTORNADOS MEDIANTE DOAÇÃO DE UM NUBENTE AO OUTRO EM ESCRITURA ESPECIAL QUE CORRESPONDA, NESSE PARTICULAR, AO PACTO ANTE-NUPCIAL PREVISTO NO ART. 312 DO CÓDIGO CIVIL.

(RE 76531, Relator(a):  Min. ALIOMAR BALEEIRO, Primeira Turma, julgado em 30/11/1973, DJ 02-01-1974 PP-00014 EMENT VOL-00934-05 PP-01699 RTJ VOL-00074-01 PP-00159)

Aparentemente contrário a esse entendimento, o STJ entende ser possível e legal a doação feita na constância do casamento:

DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO REALIZADA POR CÔNJUGE NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. DOADOR COM IDADE SUPERIOR A 60 ANOS. VALIDADE. PRECEDENTE.

1. São válidas as doações promovidas, na constância do casamento, por cônjuges que contraíram matrimônio pelo regime da separação legal de bens, por três motivos: "(i) o CC/16 não as veda, fazendo-o apenas com relação às doações antenupciais; (ii) o fundamento que justifica a restrição aos atos praticados por homens maiores de sessenta anos ou mulheres maiores que cinqüenta, presente à época em que promulgado o CC/16, não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção de tais restrições representam ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana; (iii) nenhuma restrição seria imposta pela lei às referidas doações caso o doador não tivesse se casado com a donatária, de modo que o Código Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio dos cônjuges, acaba fomentando a união estável em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226, §3º, da Constituição Federal." (REsp 471958/RS, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe de 18/02/2009).

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 194.325/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 01/04/2011)

 

Apesar da aparente contradição entre o entendimento dos Tribunais, a decisão do STJ é bastante razoável e acertada, e demonstra que suas decisões acompanham a evolução social.

Por fim, falta abordar o posicionamento jurisprudência a respeito da união estável entre idosos.

Cabe lembrar, como já foi dito anteriormente, que o CC não se manifestou sobre o regime de bens adotado em união estável entre idosos, se limitando a dar uma regra geral: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens” (CC, artigo 1725).

Assim, sob o prisma do princípio da igualdade, tem-se um conflito normativo, devido a igualdade de condições e situações em que se encontram idosos casados ou em união estável.

Nesse sentido, o STJ equiparou ambas as situações aplicando a regra da separação obrigatória:

 

DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916.

1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta.

2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula n.º 377 do STF.

3. Recurso especial provido.

(REsp 646.259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010)

 

Como já foi dito, o ideal seria a livre escolha do idoso em relação ao seu regime de bens, contudo, como isso ainda não ocorreu, não há como negar que as evoluções estabelecidas pela jurisprudência e doutrina representam um grande avanço sobre a questão.

 6 CONCLUSÃO

 

Com base em todo o estudo acima, tem-se no ordenamento jurídico brasileiro cinco espécies de regimes de bens para o casamento: a comunhão universal de bens, a comunhão parcial de bens, a separação convencional de bens, a participação final nos aquestos, e, o objeto deste trabalho, a separação obrigatória de bens.

Dentre esses regimes, pode-se estipular várias cláusulas de comunicabilidade ou incomunicabilidade de determinados bens por escritura pública, exceto no de separação obrigatória.

A lei determina a separação obrigatória com o fim de proteger as pessoas que se enquadrem em uma das hipóteses legais, contudo isso vem sendo uma afronta aos direitos fundamentais dos idosos.

Apesar de a lei e o Estado estarem começando a se preocupar mais com o bem estar do idoso e da garantia aos seus direitos, ainda há inúmeras falhas.

A que mais se destacou neste trabalho é justamente a imposição do regime de separação de bens no casamento.

Tal imposição fere, dentre outros, a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade, e a intimidade, além de, implicitamente diminuir a capacidade de decisão do idoso sobre sua própria vida.

Com a evolução jurisprudencial relativizou-se a ordem legal, “transformando” o regime de separação obrigatória em comunhão parcial, permitindo a comunhão dos bens adquiridos na constância do casamento e evitando o enriquecimento ilícito.

No entanto, apesar do avanço, ainda não se chegou ao ideal pretendido por aqueles que defendem os interesses dos idosos: o pleno exercício do direito de escolha.

 


7 BIBLIOGRAFIA

 

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Curso de Direito do Idoso. São Paulo: Atlas, 2011.

 

BRASIL, Código Civil, 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em set. 2013.

 

BRASIL, Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em ago. 2013.

 

BRASIL, Constituição, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em ago. 2013.

 

BRASIL, Lei 12344/2010. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12344.htm#art1>. Acesso em set. 2013.

 

BRASIL, Lei 6515/1977. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6515.htm>. Acesso em set. 2013.

BRASIL. Lei 8213/1991. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm>. Acesso em out. 2013.

BRASIL, Lei 8842/1994. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm>. Acesso em set. 2013.

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciado n. 117 de 2002. Disponível em: < http://daleth.cjf.jus.br/revista/enunciados/IJornada.pdf>. Acesso em out. 2013.

DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Civil Brasileiro, vol.5: direito de família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Civil Brasileiro, vol.6: direito das sucessões. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

FREITAS JUNIOR, Roberto Mendes de. Direitos e Garantias do Idoso: Doutrina, Jurisprudência de Legislação. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 6: direito de família. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 7: direito das sucessões. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

IBRAHIM. Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol.2: direito de família. 38ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol.6: direito das sucessões. 36ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

NEVARES, Ana Luiza Maia. A Tutela Sucessória do Cônjuge e do Companheiro na Legalidade Constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

O Desafio de Ser Idoso no Brasil. Revista IBDFAM. p.8-9. Ago. 2013.

OLIVEIRA, Guilherme Freire Falcão de. Os Idosos no Velho Continente. Revista IBDFAM. p.5-7. Ago. 2013.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol.6: direito das sucessões. 17ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol.5: direito de família. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010.

SILVA. José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010

STF. RE 76531, Relator(a):  Min. ALIOMAR BALEEIRO, Primeira Turma, julgado em 30/11/1973, DJ 02-01-1974 PP-00014 EMENT VOL-00934-05 PP-01699 RTJ VOL-00074-01 PP-00159. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2876531.NUME.+OU+76531.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/n4dxo5v>. Acesso em out. 2013.

STF. RE 78811, Relator(a):  Min. ANTONIO NEDER, Primeira Turma, julgado em 29/04/1975, DJ 06-06-1975 PP-03949 EMENT VOL-00988-01 PP-00234 RTJ VOL-00074-01 PP-00194. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2878811.NUME.+OU+78811.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kf4ugpm>. Acesso em out. 2013.

STF. RE 82388, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Segunda Turma, julgado em 06/04/1976, DJ 08-07-1976 PP-05130 EMENT VOL-01027-09 PP-02658. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2882388.NUME.+OU+82388.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/l3ec2qm>. Acesso em out. 2013.

STF. RE 91059, Relator(a):  Min. CORDEIRO GUERRA, Segunda Turma, julgado em 13/03/1981, DJ 22-04-1981 PP-13485 EMENT VOL-01208-01 PP-00269 RTJ VOL-00097-03 PP-01239. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2891059.NUME.+OU+91059.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/kqd2crx>. Acesso em out. 2013.

STF. RE 93153, Relator(a):  Min. LEITAO DE ABREU, Segunda Turma, julgado em 02/10/1981, DJ 13-11-1981 PP-11415 EMENT VOL-01234-02 PP-00341 RTJ VOL-00100-01 PP-00362. Disponível em:< http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%2893153.NUME.+OU+93153.ACMS.%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/k3vtk4p>. Acesso em out. 2013.

STF. Súmula n. 377, Sessão Plenária. Julgado em 03/04/1964. Publicado em 08/05/1964. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=377.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas>. Acesso em set. 2013.

STJ. AgRg no REsp 1008684/RJ, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 02/05/2012. Disponível em:< http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=1008684&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em out. 2013.

STJ. AgRg no REsp 194.325/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 01/04/2011. Disponível em:< http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=194325&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=2>. Acesso em out. 2013.

REsp 646.259/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010. Disponível em:< http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=646259&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO>. Acesso em out. 2013.

STJ. REsp 821660/DF, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 17/06/2011

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.