A OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E O DIREITO DE VIZINHANÇA
Por MARCO ANTONIO RIBEIRO LOUREIRO | 05/06/2015 | DireitoA OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER E O DIREITO DE VIZINHANÇA
Marco Antonio Ribeiro Loureiro
Resumo: Neste ensaio apresentamos um breve relato sobre a obrigação de não fazer e os problemas relacionados com o direito de vizinhança. Intrinsecamente relacionados, fazem parte de nosso cotidiano, e será balizadora de ações previstas Código Civil brasileiro. Tema dos mais importantes para a compreensão do direito de vizinhança que ultrapassa as fronteiras da lei para a excelência no convívio social.
Palavras chaves: RESPEITO; ORDEM; CONVIVÊNCIA.
Sumário: 1 Introdução. 2 Obrigação de não fazer. 3 Direito de Vizinhança. 3.1 Natureza jurídica do Direito de Vizinhança 3.2 Convenções de Condomínio 3.3 Uso e abuso de propriedade. 3.4 Condomínio Nocivo. 4 Perturbação Sonora 5 Jurisprudência 6 Conclusão. 7 Referências bibliográficas.
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Acadêmicos do Curso de Direito da Faculdade de Minas – FAMINAS-BH. Artigo apresentado como requisito do Trabalho Interdisciplinar Supervisionado e sob orientação da professora Mestre Égina Pereira, referente ao Terceiro período.
1 Introdução
O presente estudo que abordaremos basea-se no Código Civil Brasileiro, e em seu conteúdo denominado “Direitos de vizinhança”, compreendidos nos artigos 1.277 até 1.281 do mesmo. Ao estudarmos o Código Civil, o tratamento específico dado a alguns pontos, cujas questões podem causar certo espanto àqueles que se iniciam nos caminhos do Direito, eis que não é comum tratar-se de questões aparentemente venais e simples em dispositivos legais expressos.
Nosso referencial teórico se baseia na obra de Silvio de Salvo Venosa e a partir da mesma iremos discorrer sobre o direito obrigacional.
Ledo engano pensar-se que se houve em exagero o legislador e bem o sabem aqueles que operam diariamente o Direito e aqueles que já se viram envoltos em uma lide envolvendo questões de vizinhança.
Por detrás de questões aparentemente simples como: -Distância de janelas, escoamento de águas,sonoridade excessiva (nosso tema central) escondem-se verdadeiros tormentos a retirarem do indivíduo um dos bens mais preciosos da modernidade: a tranqüilidade e o livre uso de seus bens. Procuraremos lançar algumas bases necessárias para a boa compreensão das premissas fundamentais da espécie jurídica.
Como tem sido sua relação com a sua vizinhança? O que você tem enfrentado com o barulho e o som alto dos seus vizinhos?
É nesse diapasão que pretendemos elucidar e quebrar paradigmas a respeito das relações de vizinhança, as questões obrigacionais dos condomínios e seus conflitos referente ao excesso de som ,barulho excessivo.
Amplamente propagado no Brasil e que consideramos uma lenda, dando conta de que o cidadão tem o direito de fazer barulho até às 22h:00.
Ledo engano. Na verdade, o excesso de ruído que causam danos a outrem dentro e fora dos condomínios, a qualquer hora do dia, especialmente em zona residencial, constitui abuso do direito e, portanto, ato ilícito que pretendemos elucidar no trabalho que se segue.Na maioria das vezes incomodado com o barulho de vizinhos, as pessoas incomodadas buscam a autoridade policial a fim de lavrar um ”boletim de ocorrência” e que na maioria dos casos não consegue sob a alegação de que existe um horário máximo para baixar a altura do som emitido pelos aparelhos ,mais um mito , a assertiva da Polícia, igualmente, não procede. É possível, sim, lavrar um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), com base no art. 42, III, da Lei nº 3.688 (a chamada "Lei das Contravenções Penais"), ainda que não haja o aparelho que mede os decibéis, mesmo porque a prova referente ao nível de ruído terá um momento próprio para ser produzida e detalharemos no decurso do trabalho. A rigor, estaremos demonstrando através desse nosso trabalho que qualquer cidadão depois de extintas todas as possibilidades, antes de qualquer procedimento judicial, terá que notificar, extrajudicialmente, para que cesse o barulho excessivo. Não surtindo efeitos, daí sim se pode pensar em ajuizamento de ação. Diante dessa alegação estaremos tratando não de um processo por perturbação do sossego, mas estaremos aprofundando a Obrigação de Não-Fazer, verificando quais as ferramentas no processo necessárias para que o Estado-Juiz possa impor à sua vizinha (a ré) o dever de não ouvir o som acima de um determinado limite, ou que ou que apresente alternativa para diminuição do som via mecanismo de isolamento acústico que instale revestimento acústico hábil a evitar o barulho, daí a obrigação antes de não fazer passaria a ser a obrigação de Fazer.
2 Obrigação de não fazer
As obrigações de não fazer determinam que o devedor deixe de executar determinado ato em virtude de um contrato estabelecido entre as partes. É uma obrigação que se materializa na abstenção de um comportamento que poderia normalmente ser exercido se não houvesse o contrato entre as partes. Um exemplo seria o contrato de exclusividade de um jogador de futebol a uma determinada emissora de televisão; para garantir a exclusividade, sem o atleta assina um contrato em que se obriga a não conceder entrevista e deixar a vista a marca de seu patrocinador master a outra emissora. A obrigação de não fazer é, exatamente, se abster de conceder uma entrevista a outra emissora de televisão bem fazer aparecer as logos de seu patrocinador. Esse tipo de obrigação como todas as demais, pode sofrer o descumprimento por parte do devedor. Nesse caso, quando não há culpa do devedor, a obrigação se resolve, ou seja, o devedor restitui o valor pago, e a obrigação se extingue. Quando há culpa por parte do devedor, o credor pode exigir que o devedor desfaça o ato, ou determina que outro desfaça à custa do devedor, que ainda deverá ressarcir por perdas e danos.Em caso de urgência, o credor pode desfazer ou determinar que terceiro desfaça o ato, independente de autorização judicial, sendo posteriormente ressarcido pelos prejuízos sofridos. Essas regras estão presentes nos arts. 250 e 251 do CC/02. A todo o momento em nossa vida, por mais simples que seja a atividade do individuo, deparamos com diversos tipos de situações, as quais nos levam a questionar sobre vários aspectos baseados principalmente na convivência do individuoem sociedade. Aoquestionar-mos sobre alguns destes aspectos, somos levados há aprofundar um pouco mais sobre os direitos e as obrigações que são impostas aos indivíduos estabelecendo que estes cumpram normas que são observadas, analisadas e estabelecidas no dia-dia diante dos casos concretos. Estas normas são as chamadas normas jurídicas que buscam estruturar o direito e as obrigações ministradas aos cidadãos para melhor conviveremem sociedade. Emse tratando de Direito, de acordo com o autor Sílvio de Salvo Venosa, este é o ordenamento das relações sociais em que leva o homem a relacionar-se com outro homem, sendo que essa relação é jurídica, colocando-se dentro da realidade das relações humanas. Essa relação jurídica une duas ou mais pessoas e então podemos deduzir que daí surgem as chamadas obrigações, fazendo com que dois sujeitos se unem e um deles chamado devedor cumpra uma prestação em benefício de outro sujeito denominado credor, sendo o devedor o sujeito passivo e o credor o sujeito ativo, ou, seja o titular do crédito. As Obrigações se classificam em positivas e negativas, porém, a nossa pretensão é apresentar no meio acadêmico as questões relacionadas à Obrigação de não fazer que é uma obrigação negativa, na qual abdicamos direitos que possuímos de livre e espontânea vontade sendo também uma relação de direito pessoal, que vincula apenas o devedor que, por sua própria vontade, diminui sua liberdade, obrigando-se a abster-se de ato que, de outra forma, poderia realizar se não houvesse se obrigado. Baseando-se no artigo 250 do Código Civil a obrigação de não fazer é aquela que o devedor assume o compromisso de se abster de algum ato que poderia praticar livremente se não se tivesse obrigado para atender interesse público do credor ou de terceiro. Embora possa parecer estranha à primeira vista, às vezes a abstenção prometida pelo devedor torna-se impossível ou extremamente gravosa. O exemplo clássico é do devedor que se compromete a não levantar muro para não tolher a visão do vizinho, e vem a ser intimado pelo poder público a fazê-lo. Na dicção do Código Civil, extingue-se a obrigação. Se a impossibilidade de se abster, porém ocorreu por culpa do devedor, deve ele indenizar o credor. O artigo 251 do Código Civil esclarece que se o ato for praticado pelo devedor, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele (através de multa cominatória) que o desfaça sob pena de se desfazer a sua custa ressarcindo perdas e danos. Neste caso, temos como exemplo a seguinte situação: A se obriga a não levantar um muro, mas descumprindo a obrigação o levanta isso permite ao credor que obrigue o devedor a desfazer o muro sem prejuízo de perdas e danos. O parágrafo único do artigo 251 estabelece que em caso de urgência, o credor poderá desfazer ou mandar desfazer, independentemente de autorização judicial. Também a obrigação de não fazer pode surgir como simples dever de tolerância, como o não realizar atos que possam abster ou perturbar o direito de uma das partes ou de terceiros, como é o caso do locador que se compromete a não abster o uso pleno da coisa locada. Na realidade, nessa espécie de obrigação, o devedor compromete-se a não realizar algo que normalmente estando ausente a proibição, poderia fazer.
3 O Direito de vizinhança
Em se tratando de direito de vizinhança, por mais amplo que seja seu âmbito, existem restrições e limitações fundadas em interesses de ordem pública e de ordem privada. Onde mostraremos no presente trabalho parte dessas restrições seguindo o texto da legislação vigente, o Código Civil de 2002, dentre elas as regras de condomínio.
É muito importante sabermos que direitos de vizinhança são direitos de convivência, que tem por objetivo harmonizar a vida em sociedade e o bem estar entre vizinhos. Caso estes direitos sofram algum tipo de violação, tais como os incômodos provocados por ruídos inconvenientes, ou seja, o excesso de barulho provocado pelas crianças que brincam nos corredores de um prédio, por exemplo. Mesmo que não haja intenção de incomodar ou prejudicar o bem-estar dos condôminos existem regras para impor limites e restrições para este tipo de situação. O Art. 1277 do Código Civil de 2002 garante aos vizinhos o direito de:
“... fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde...”
Isto quer dizer que quando sentirmos prejudicados com o excesso de barulho provocado pela vizinhança a nossa legislação nos assegura o direito de pedi-los para que hajam de forma mais tolerável.
Caso não ocorra uma solução amigável apenas com o pedido formal de cessação do barulho, a parte que for lesada poderá acionar os meios judiciais para solucionar o problema, onde, o remédio processual será a ação de obrigação de fazer ou não fazer com cominação de multa para o vizinho que exceda os limites toleráveis.
O que poderia agravar esta situação em perdas e danos seria a má-fé do infrator, neste caso o mal vizinho. Sobre este problema aduz Caio Mário da Silva Pereira:
“Dentro, porém, das fronteiras do lícito acontece também que o proprietário de um fundo sofre restrições ao seu direito dominial em prol da harmonia que deve presidir as relações de vizinhança, admitindo um dos confrontantes, ou sendo compelido a reconhecer no proprietário vizinho faculdades ou atributos que se não alicerçam no procedimento do sujeito passivo, mas se exercitam em benefício da paz social.”
No direito de vizinhança, é que vemos na prática a limitação do direito de propriedade, pois o direito de um proprietário acaba quando começa o direito de um outro proprietário.Segundo Silvio Rodrigues (1981, p. 114) direitos de vizinhança
“...são as limitações impostas pela lei às prerrogativas individuais e com o escopo de conciliar interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao domínio e de modo a regular a convivência”.
Fica claro que o interesse coletivo inerente ao condomínio prevalece sobre o direito da propriedade individual, como a boa convivência e a conciliação dos interesses desses proprietários. Existe também o dever jurídico que cada proprietário tem para com o outro, são os deveres de vizinhança, ou seja, as limitações do direito de propriedade.
Outro que conceitua o direito de vizinhança é San Tiago Dantas (1981, p. 249):
São os direitos que têm o proprietário de um imóvel a que os proprietários dos imóveis vizinhos satisfaçam, em seu favor, determinados deveres jurídicos, os deveres de vizinhança, expressão que tem grande força persuasiva, por isso que, como quer Lacerda de Almeida, serve também para extremar os deveres de vizinhança das servidões.
Alguns doutrinadores como Maria Helena Diniz (1981, p. 165) classifica o direito de vizinhança em três partes:
“restrição ao direito de propriedade quanto à intensidade de seu exercício, regulando o seu uso nocivo”, essa é a limitação mais comum e ampla, é a limitação que impõe limites ao uso nocivo da propriedade, que deve ser usada somente conforme os bons costumes da sociedade; “limitações legais ao condomínio similares às servidões”, as servidões estão presentes em vários aspectos nas propriedades, como as passagens forçadas e águas, e por último “restrições oriundas das relações de contiguidade entre dois imóveis”, orienta sobre o estado físico da propriedade, como o direito de construir, os limites existentes entre dois prédios, existindo sempre o uso do bom senso na hora de construir, para que não aconteça invasão de propriedade vizinha.
Acontecem certos conflitos de vizinhança, quando o proprietário exagera no seu direito de propriedade e faz com que esse exagero repercuta nocivamente na propriedade vizinha, quando acontecem esses conflitos, a teoria da propriedade entra em crise, pois praticamente ela deixa de existir, pois o causador do conflito não está exercendo plenamente seu direito de usar, gozar e dispor da propriedade, e o proprietário lesado, não está também tendo sua segurança e seu direito sendo respeitados, sendo preciso uma exigência social para impor limites recíprocos a esses proprietários.
3.1 Natureza Jurídica do Direto de vizinhança
A natureza jurídica dos direitos de vizinhança são os mesmos das obrigações propter rem, onde estas obrigações aderem à coisa acompanhando-a.
O direito de vizinhança tem a mesma natureza, qualquer pessoa que compra uma casa ou um apartamento, tem que respeitar os direitos de vizinhança.
3.2 Convenções de condomínios e legalidade das limitações
As convenções de condomínio foram criadas para regulamentar o convívio entre os condôminos, para evitar discriminação entre as pessoas e protecionismo entre elas. Essas normas já existem há muito tempo na forma de lei, que é expressa para todos. Acontece, que hoje em dia, devido ao aumento da população e o aparecimento de inúmeros prédios condominiais, as pessoas sentiram a necessidade de criar uma norma entre elas, os condôminos, para regulamentar todo o funcionamento do condomínio, mesmo para aqueles que não são proprietários, que sejam apenas inquilinos, mas estão também sujeitos a essa convenção.
Lembrando sempre que essa convenção deverá estar em sintonia com as leis, que por mais que essa convenção seja um acordo particular entre as partes, a lei impõe obediência pelo princípio da supremacia da ordem pública sobre as deliberações privadas
A natureza jurídica da convenção é apenas normativa, não possui caráter de contrato, ela é apenas institucional. Vale ressaltar que a convenção não está vinculada apenas aos condôminos que participaram da fundação da convenção, e sim a todos aqueles que por ventura forem entrar no condomínio posteriormente.
Segundo o Código Civil em seu artigo 1.333, para que um condomínio possa existir, ele deve ter a convenção constitutiva e deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis para que seja regulamentada, mas a Súmula 260 do STJ diz que o registro já não se faz mais obrigado, apenas que a convenção produza efeito sobre terceiros.
Todo o funcionamento do condomínio deverá conter na convenção, mas existem normas básicas e fundamentais que o Código Civil obriga que tenha, como é o caso de: discriminação e individualização das unidades e das partes comuns, a forma de administração, sanções, regimento interno, finalidade ou destinação da unidade e outras. Todas as pessoas ligadas ao responsável pela unidade autônoma também estão sujeitos à convenção, como os empregados, familiares e amigos, assim também como os inquilinos.
As sanções são impostas quando alguém descumpre alguma norma da convenção ou do regulamento interno, e cabe justamente a esses dois dispositivos indicar qual será essa sanção, que na maioria das vezes é de multa pecuniária. Se na convenção a multa estiver com um valor diferente do regulamento interno, é da convenção que deverá ser observada a multa, pois a convenção é a lei maior na hierarquia das normas reguladoras do condomínio. Se mesmo com a sanção das multas o condômino ou quem tiver diretamente ligado a ele, ainda continuar desobedecendo as normas, o responsável pelo condomínio deverá procurar as medidas judiciais cabíveis para resolver o conflito.
O Código Civil em vários artigos indica o quorum exigido para que se possa deliberar sobre os mais diversos assuntos, como por exemplo a quota de dois terços dos titulares das frações ideais para a constituição do condomínio; obras úteis deverão ter a maioria dos condôminos; três quartos para deliberação sobre a imposição de multas. Fora esses quoruns exigidos, a convenção poderá fixar outros quoruns para debater sobre outros assuntos, desde que sejam razoáveis e não prejudique os interesses e não viole o direito dos condôminos.
É sabido que a convenção não pode se sobrepor às leis existentes, mas em alguns casos a convenção chega ao limite entre o direito e os deveres dos condôminos, e pode ser um exemplo de violação do direito de propriedade, mais ainda do que os que já existem nas limitações do direito de propriedade.
Vários exemplos podem ser citados sobre a legalidade de algumas convenções condominiais, como é o caso da permanência de animais no condomínio. Grande parte dos condomínios brasileiros proíbe, mas iremos ver mais na frente que é possível sim a permanência de animais nos condomínios com algumas ressalvas, inclusive com algumas decisões do STJ sobre a permanência dos animais, mostrando mais uma vez a ilegalidade dessa norma nas convenções.
3.3 Uso abusivo da propriedade
O abuso do direito de propriedade não é só aquele que traz interferência a uma outra propriedade, e sim aquele que causa transtorno para os seus ocupantes, relacionado à segurança e à saúde, mas esses dois aspectos juntos fazem com que seja causado o prejuízo à segurança, ao sossego e à saúde.
Vale salientar que não importa se a propriedade está sendo usada normalmente conforme o Código Civil, o importante é lembrar que se ela causar perturbação inaceitável para seu vizinho, estará acontecendo o uso abusivo da propriedade. Um exemplo disso é uma propriedade que funciona uma academia, o seu uso é normal, está de acordo com as normas do Código Civil, mas ao mesmo tempo o som das músicas em volume excessivo causa transtornos para seu vizinho, isso se configura com um ato abusivo do direito de propriedade, portanto, não importa se o imóvel está tendo o seu uso normal ou anormal, o importante, como já foi dito, é verificar se a utilização daquela propriedade é prejudicial à saúde ou ao sossego dos que habitam.
O exercício do direito de se opor àqueles que por algum motivo exagera no uso de sua propriedade, não é apenas do proprietário, mas das pessoas que são possuidoras da propriedade, como o inquilino. Isso está claro no artigo 1.277 do Código Civil, que atribui proteção às pessoas que habitam o imóvel, tanto às pessoas que possuem o título permanente ou transitório, gratuito ou oneroso.
Também vale ressaltar que a vizinhança não depende da distância, por exemplo, de um prédio para o outro, não só é vizinho aquele imóvel em que é construído “parede com parede” com outro, e sim aquele que pode sofrer repercussão de atos existentes pelo mau uso da propriedade.
O Ministério Público através da Curadoria do Meio Ambiente também está inclusa no pólo ativo, assim como fundações e associações, por meio de ação civil pública.
Como acontece na legitimidade ativa, a passiva também está vinculada ao proprietário ou às pessoas que detêm a posse da propriedade, e que seja o causador da imissão abusiva. Observando mais uma vez que isso não só acontece com os imóveis contíguos ou confinantes, mas aqueles que mesmo localizados a certa distância sofrem com o abuso.
3.4 Condômino nocivo
A proximidade física das unidades autônomas dos condomínios, favorecem a existência de inúmeros conflitos. O termo “condômino nocivo” é usado para aquelas pessoas que possuem uma conduta nociva e não respeita o sossego e a paz condominial, são comportamentos anti-sociais e de descumprimento dos deveres previstos na lei e na convenção condominial. Para essas pessoas que geralmente não sabem viver em uma comunidade, mesmo que relativamente pequena, existe a multa de sanção, que corresponde a cinco vezes o valor da contribuição condominial, segundo o artigo 1.337, caput do Código Civil. Existe ainda a multa de até dez vezes do valor da contribuição para o condômino que voltar a cometer os mesmos atos de comportamento anti-social, indicado pelo artigo 1.337 parágrafo único.
A multa existente no parágrafo único do artigo 1.337, deverá estar prevista na convenção e a multa simples por falta, prevista no caput do referido artigo, deverá ser votada por pelo menos três quartos dos condôminos, tudo isso também vinculado ao direito de ampla defesa do condomínio infrator.
Vários países como a Espanha, Alemanha, México e Argentina, admitem a exclusão do condômino faltoso e que reiteradamente não cumpre com os deveres a ele impostos na convenção ou na lei. Na Alemanha e México, a alienação é compulsória, ou seja, o condômino é obrigado a sair do imóvel, vendê-lo ou alugá-lo. Na Espanha e Argentina existe apenas a exclusão temporária do condômino infrator. No Brasil, essa opção de exclusão do agente infrator não está presente no ordenamento jurídico por falta de previsão legal e o que acontece na maioria dos casos é que, dependendo do poder econômico desse condômino, essas multas não terão efeito algum em seu comportamento, por serem relativamente baixas. Várias correntes doutrinárias são pacíficas em criar uma legislação, visando mudar essa situação e excluir o condômino nocivo.
Acontece então um debate muito interessante sobre os direitos fundamentais presentes no artigo 5º da Constituição Federal. O direito de propriedade tem o caráter de direito fundamental, no inciso XXII do referido artigo, mas, mesmo assim, não significa que esse direito seja ilimitado, mas segundo esse inciso, nunca que um proprietário poderia ser excluído de sua propriedade, respeitando o direito de propriedade, mas na contramão desse inciso, vem o inciso XXIII, que diz que a propriedade deverá atender a sua função social, e que o proprietário não caso estudado, não estaria cumprindo com a sua função social, pelo contrário, estaria trazendo conflito para o meio social e a coletividade possui o maior interesse sobre o individual.
Esse debate ainda está longe de acabar, até onde vai o direito de propriedade? Por que não excluir um condômino nocivo se ele não cumpre com sua função social? E o artigo 5º inciso XXII que diz que o direito de propriedade é um direito fundamental? São vários aspectos a serem debatidos, mas uma certeza está mais que certa, o coletivo sempre se sobreporá sobre o individual.
4 Perturbação sonora
Existem dois tipos de sons que podem causar perturbações para outras pessoas, o som humano, como por exemplo, o de gritarias e algazarras, o que é muito comum acontecer em festas ou casas de jogos, som humano também pode ser apresentado e transmitido através de aparelhos elétricos e eletrônicos, muito vistos em cultos religiosos, onde o barulho da cantoria às vezes exagera. O fato de esse som ser proveniente de uma profissão ou culto religioso, não impede a exclusão da nocividade que ele venha a cometer.
Existe também o som inumano que pode ser feito por instrumentos musicais, sinos, buzinas, ou de máquinas decorrentes de uma atividade industrial.
A propagação dessas perturbações podem ser feitas por dois meios, através da ação ou da omissão. Na ação acontece quando o próprio agente é o causador, como o ato de fazer uma batucada ou aumentar até o último volume do seu som. Na omissão o agente também é o responsável, mas por permitir por exemplo que seu cachorro passe todo o dia latindo, ou os sons que seus aparelhos domésticos emitem por estarem desregulados, ou sons extremamente altos que prejudiquem os vizinhos, assim também como a omissão de deixar seu filho brincando com um sino a noite inteira. Segundo J. Nascimento Franco (2001, p. 148):
A poluição sonora constitui grave infração dos deveres de vizinhança porque prejudica o sossego e a própria saúde das pessoas. Todos têm o direito de fazer, ou de não fazer, em sua casa o que bem entender, desde que não cause nenhuma intranquilidade ou dano a seu vizinho. Muitos supõem que o barulho deve ser coibido apenas depois das 22 horas. Trata-se de um engano, porque o incômodo aos vizinhos tem de ser evitado em qualquer hora do dia ou da noite e o barulho excessivo impede o trabalho nas horas úteis e o repouso no final do dia. Na medida em que lesa a paz e o sossego alheio, o barulho tem de ser coibido independentemente do horário em que é produzido.
Outro erro muito comum acontece relacionado às áreas industriais ou comerciais, em que as pessoas pensam que por se tratar dessas áreas, existe um ônus de arcar com a poluição sonora proveniente das indústrias e comércio. Essas empresas ou indústrias têm que se adequar à lei para diminuir a poluição sonora que venha a ser prejudicial às pessoas e o meio ambiente, como explica Gilberto Passos de Freitas (2002, p. 51):
Os ruídos e vibrações anormais, independentemente das atividades desenvolvidas, desde que molestos e prejudiciais à segurança, saúde e sossego dos vizinhos, devem ser reprimidos, mesmo nas chamadas ‘zonas industriais ou comerciais’, tais perturbações não podem ser tidas como ônus a que todos devem se sujeitar, devendo as fontes, que as geram, adequar-se às exigências da lei, razão pela qual o Poder Público tem elaborado leis e regulamentos para minimizar os efeitos da poluição sonora nociva ao indivíduo, à coletividade e ao meio ambiente.
Uma dúvida existe em relação ao limite e parâmetros do que é permitido ou não, ou o que é tolerado pelas pessoas. Se fosse deixar a cargo de todos essa aferição, muitos conflitos iriam surgir e deixariam a Justiça mais carregada do que ela já é. Por isso, através de normais legais, foram criados esses parâmetros para que se possa medir se tais emissões sonoras são ou não prejudiciais à população. A lei 6.938/1981, criou dois órgãos que competem nesse assunto: o SINAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) e o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente).
Através do CONAMA, foi criado a Resolução 1, de 8 de março de 1990, em seu inciso II, que indica os ruídos que são prejudiciais à saúde e que são aceitáveis, conforme a norma NBR 10.151 – Avaliação em Área Habitada visando o conforto da comunidade, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
5 Jurisprudências
Com vastas decisões apresentamos abaixo algumas importantes e sua
evolução na tábua do tempo.
Direito de vizinhança – Uso nocivo da propriedade – Multa – Igreja (culto religioso) – Ruído que supera o mínimo tolerável – Perturbação ao sossego do vizinho – Adoção de medida de controle – Admissibilidade. No direito de vizinhança, a perturbação ao sossego dos vizinhos com ruídos provenientes de cultos religiosos em níveis acima do mínimo tolerável, legalmente estabelecidos pela norma NBR – 10.151 do ABNT e Resolução CONAMA 01/90, enseja a adoção de medidas de controle dos mesmos sob pena de multa diária. (2º TACivSP – Ap. s/ Ver. 520.125-00/9 – 9ª Câm. – Rel. Juiz Kioitsi Chicuta – j. 20.05.1998, JTA (LEX) 173/498).
A jurisprudência citada, ainda que um pouco antiga, é importante porque é citado a Norma já mencionada e também a Resolução do CONAMA, que indica os níveis aceitáveis de ruídos.
Também vale ressaltar que mesmo se o agente infrator estiver praticando uma atividade legal, que em sua condição não atrapalharia qualquer pessoa, mas mesmo assim não impede que o mesmo seja autuado e esteja sujeito à multa diária como foi a questão, caso o ruído proveniente desse estabelecimento religioso afete o sossego dos vizinhos com sons que superam o aceitável segundo as Resoluções.
Direito de vizinhança – uso nocivo da propriedade – Perturbação do sossego – Excesso de barulho – Reconhecimento – Aplicação do artigo 554 do Código Civil – Direito de vizinhança – Condomínio que, diante dos ruídos advindos de bar e restaurante das proximidades, ingressa com ação para compelir os responsáveis a se absterem de elevar o som das músicas e das reuniões ali realizadas. Procedência da ação, impedindo a ré de funcionar após às 22 horas. Estabelecimentos desprovidos de sistema capaz de impedir ou minorar propagação de poluição sonora. Manutenção da ordem impeditiva até que a interessada providencie instalação de sistema adequado. (2º TACivSP – Ap. c/ Ver. 657.594-00/3 – 8ª Câm. – Rel. Juiz Kioitsi Chicuta – j. 22.05.2003).
Vários aspectos devem ser mencionados nessa jurisprudência, dentre elas o direito ao sossego dos vizinhos não importando a hora, na decisão ficou estabelecido a proibição de se elevar o som das músicas e das reuniões e a proibição de funcionar depois das 22 horas. Fica mais que claro a limitação do direito de propriedade, o seu proprietário não poderá gozar de seu imóvel da maneira que lhe convir, pois a decisão impede que seu estabelecimento comercial funcione após às 22 horas, fica claro também a adequação que todo proprietário tem que ter para que se possa extrair de sua propriedade o melhor benefício, sem prejudicar a vizinhança.
Em se tratando de estabelecimento comercial, pode ser dado uma alternativa de adequar a propriedade com isolamento acústico a fim de reter o som e não deixá-lo que se propague para os vizinhos, no caso da jurisprudência em questão, a ordem do não funcionamento depois das 22 horas ficou mantido até que a empresa providencie a instalação desse sistema acústico.
Direito de vizinhança – Condomínio – Poluição sonora. Manutenção pelo autor, em seu apartamento, de ave cujo canto é de tonalidade irritante. Caracterização de ruído excessivo anormal e insuportável. Proibição pela convenção do condomínio de animais irritantes. Cominatória procedente. Recurso desprovido. (1º TACivSP – Ap. 396.348-2 – 8ª Câm. – Rel. Toledo Silva – j. 21.12.1988 – v.u. – JTACSP-RT 117/43).
Foi colocada essa jurisprudência, por mais antiga que seja, por causa da junção de dois temas , o da criação de animais em condomínios e a perturbação do sossego aos vizinhos. Nesse caso, mais relacionado com o som do que com o próprio animal, o som proveniente da ave é irritante e perturba toda a vizinhança. Não importa a convenção de condomínio, mesmo que ela aceite animais, mas tem que existir o bom senso de manter animais nas unidades autônomas que não prejudique o sossego e a saúde dos vizinhos.
Tutela antecipada – Direito de vizinhança – obrigação de não fazer – Interdição de heliporto – Zona residencial – Construção aprovada pela prefeitura municipal e pelo Departamento de Aviação Civil (DAC) – Irrelevância – Requisitos do art. 273 – Existência – Cabimento. Tratando-se de construção irregular, uma vez que edificada em desrespeito às normas legais constantes da Portaria n. 1141/GM5 (Ministério da Aeronáutica), vislumbram-se os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil de molde a reconhecer que a construção e utilização de heliporto constitui um abuso ao direito de propriedade violador do direito de vizinhança e justificador da concessão de tutela antecipatória. (2º TACivSP – AI 816.990-00/1 – 7ª Câm. – Rel. Juiz Paulo Ayrosa – j. 18.11.2003).
Mais um exemplo de restrição do direito de propriedade, dessa vez em relação à construção, a tutela antecipada acatou a justificativa de obra irregular, mesmo sendo aprovada pela prefeitura e pela DAC. Provavelmente, não foi observado o direito de vizinhança, o sossego das pessoas e a segurança.
Ficou comprovado no caso o abuso do direito de propriedade, em que o proprietário não pode fazer o que bem entender na sua propriedade, sempre se deve observar o princípio da boa vizinhança e da saúde das pessoas.
Direito de vizinhança.Condomínio Vertical, perturbação do sossego noturno. Barulho produzido por condicionador de ar,ausência de proibição na confins ou regimento da instalação de tal equipamento.Multa aplicada ao condomínio, impossibilidade.sentença mantida. É sabido que o condicionador de ar doméstico, quando ligado, produz barulho característico, e quando instalado em prédio de apartamentos, pode vir efetivamente a incomodar os vizinhos, em face da proximidade inerente a esse tipo de moradia. No entanto, qualquer decisão sobre a possibilidade ou não de uso de tal equipamento deve ser tomada pela maioria dos condôminos, em assembléia. Se não há, nem na Convenção, nem no Regimento Interno, qualquer dispositivo proibindo a instalação de condicionadores de ar nas unidades autônomas, não se pode impedir o condômino de instalá-lo, nem multá-lo em razão do barulho produzido pelo aparelho.(20050110476074ACJ, Relator JESUÍNO APARECIDO RISSATO, Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F., julgado em 22/02/2006, DJ 14/03/2006 p. 121)
6 Conclusão
Diante do exposto em nosso trabalho,vimos as diversas nuances abordadas no Direito Obrigacional de não fazer,nas relações de vizinhança e em particular em nosso caso concreto o condomínio,abordando as questões envolvendo a tranqüilidades, o excesso do som, as perturbações e o desfecho, quando não resolvidos no campo da política de boa vizinhança , entupindo nossos tribunais com as questões acima citadas.
No campo do saber, o senso comum nos conduz a práticas nocivas a outrem, onde o bem comum é colocado de lado pelo simples de fato de haver desrespeitos. Daí que nós operadores do direito no adestramento diário, nos colocamos nessa prática de apresentar a sociedade soluções para desenvolver a paz social.
7 Referências Bibliográficas.
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- Silva, Ovídio A. Baptista da, Procedimentos Especiais, Aide, 1ª ed., 1989.
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- Theodoro Júnior, Humberto; Curso de Direito Processual Civil, Forense, 20ª ed, 1999, V.III
- Wald, Arnoldo, Direito das Coisas, RT, 10 ed., 1995, v. III
- www.jurisway.com.br, site de pesquisa e seus diversos artigos jurídicos.
- Venosa,Silvio de Salvo,Direito Civil, 10ª edição,Direitos Reais,editora Atlas,São Paulo – SP.
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