A obra de Raimundo Nina Rodrigues e sua influência no pensamento de Artur Ramos e na antropologia brasileira.

Por Henrique Francisco dos Santos | 28/08/2017 | História

Resumo

Este artigo tem como objetivo o estudo da obra de Nina Rodrigues (1862-1906), fazendo uma analise de sua obra, sua colaboração para o inicio do estudo da antropologia em solo Brasileiro e sua participação da chamada “Escola de Bahia”. Neste sentido, o estudo se remete ao personagem que, foi médico no estado da Bahia e fez estudo racial, até certo ponto racista, com auxilio da cranalogia, da medicina legal, etc.

Em sua teoria, organizou conceitos de uma crença em uma suposta inferioridade da raça negra. Com relação a estas ideias, o artigo também trata de opiniões de outro autor, Artur Ramos, sobre o trabalho desenvolvido por Raimundo Nina Rodrigues com mais algumas colaborações a respeito da psicanalise, entre outras questões.

Por fim, este seguinte artigo busca compreender os aspectos que levaram Nina Rodrigues a desenvolver tais conceitos sobre raça e inferioridade, além da opinião de Artur Ramos sobre sua obra e suas contribuições para o pleno desenvolvimento da antropologia.

Palavras – Chave

Nina Rodrigues, raça, superioridade, medicina legal, Artur Ramos.                                 Introdução

 

Um dos principais autores estudados neste artigo, isto é, Raimundo Nina Rodrigues, foi um médico legista, brasileiro, nascido no Maranhão, no final do século XIX. Porém, desenvolveu toda sua carreira, profissional como médico e como intelectual, na chamada Escola da Bahia.

O autor, influenciado por diversas correntes trazidas por sua influencia, Lambroso, fez uma série de artigos e obra com forte aspecto racista e eugenista.

Características estas que podemos elencar desde o darwinismo cultural, a cranologia como método, a partilha da África, o neocolonialismo, a unificação de Estados Nacionais na Europa, etc.

Cercado de toda esta teoria racista, Nina Rodrigues seria duramente criticado, após a metade do século, por outros intelectuais. O seu estudo sobre a diversidade racial e suas ramificações, seria considerado altamente racista e com fortes aspectos de desigualdade.

Como uma citação de um período histórico, em 1889, Nina Rodrigues chega a Salvador, na Faculdade de Medicina da Bahia, onde anos depois, seria nomeado professor de Medicina Legal, até antes de sua morte em 1906. É neste espaço, e com um estudo das características de miscigenação da população brasileira, desde o Império, e naquele instante, já em uma República, que Nina Rodrigues desenvolve suas teorias sobre a questão étnico-racial brasileira.

Uma das principais obras do autor e que merecem total atenção neste artigo diz respeito “As raças humanas e responsabilidade legal no Brasil”, de 1894.

Nesta obra, o autor elabora uma teoria que o país poderia criar duas legislações distintas entre raças, no aspecto jurídico. Há, neste sentido, uma clara ideia preconceituosa por parte do autor e uma opinião contra a miscigenação da sociedade brasileira. Além disso, baseado em ideias do darwinismo social, Nina Rodrigues elenca aspectos de violência e crime, como aspectos mais tendenciosos a raça negra.

Outro ponto a ser destacado, segundo o autor, é a noção de responsabilidade e disciplina, impostas pela Medicina Legal, sobre uma raça teoricamente menos evoluída.

Porém, não podemos deixar de lado a imensa colaboração do autor, em numero de obras, para questões antropológicas, a partir da primeira década do século XX no Brasil. Sua obra, principalmente nesta época, foi vasta. Além disso, seu nome não pode ser renegado como fonte de discussão e de contraponto de ideias para outros intelectuais e antropólogos.

O estudo do autor, principalmente na época de sua mais densa produção, se concentrou em inúmeros conceitos e temas, como: a antropologia física; a Medicina Legal e suas ramificações; estudo sobre criminalidade entre raças e uma pesquisa sobre a população negra que vivia no Estado da Bahia naquele período.

Apenas como dado introdutório, Nina Rodrigues, ao longo de seu vasto tempo de produção, dedicou-se a teorias de criminalidade racial, com uma analise de caso mais voltada a negros e mestiços, com aspectos de cranologia, analise de seus pensamentos como a psicologia e de sua historia de vida.

 

 

 

 

 

  1. Ligações entre criminalidade e raças

Como uma base deste contexto, o livro “Raças humanas e responsabilidade penal no Brasil”, de 1894, logrou inúmeros conceitos e questões na classe politica, intelectual e governante brasileira, no final do século XIX.

A obra se da numa clara distinção de raças, no aspecto extremamente racista. Expoe uma visão de uma distinção do código penal unindo raças, já que o Brasil, desde 1882, aboliu a escravidão. É também uma critica ao sistema judiciário no Brasil até aquele período.

O que baseou esta visão racista do sistema jurídico e de uma desigualdade de raças tende a uma visão da medicina legal por Ambrósio, de teorias de eugenismo de Dalton e de fortes elementos do darwinismo social europeu que marcou o final do século XIX e o inicio do XX.

Em outro contexto, isto é, na obra “As raças humanas”, Nina Rodrigues expressa seu preconceito contra mestiços, índios e negros. A defesa de um sistema penal diferente para estas raças e uma classificação de “raça inferior”, elucidam muito bem tal visão.

No que se refere a violência e ao crime, Nina Rodrigues tomou como referencia Tarde e uma ideia de garantia de uma paz natural e de uma tranquilidade com uma certa homogeneidade de raças.

Tomando Tarde como influencia, Rodrigues fez uma série de comentários a respeito de uma educação pré determinada, a uma classificação e divisão territorial do solo brasileiro, com ampla separação de raças e de um individuo pensamento de acordo com um “cérebro social”.

Essa ideia fez Nina Rodrigues elaborar toda uma teoria de “enfraquecimento” da população brasileira e que, se mantivesse aspectos de miscigenação em nossa sociedade, o país estaria fadado ao fracasso.

Os métodos para se elaborar tal enbranquecimento de nossa população pode ser estendido até o Estado. A ordem, segundo os pressupostos de Rodrigues, era de não se fazer politicas sociais e outros direitos a mestiços e negros.

Nina Rodrigues, sob influencia de determinados autores europeus, incluindo Spencer, aponta para o tema da criminalidade e do sistema penal distinto entre raças sobre outros aspectos. O autor, atrelava o sistema penal e a legislação imposta, e esta diferente entre as raças, como uma ligação aos fatos inerentes a vida dos indivíduos e suas experiências, atuais ou já efetuadas. Em outras palavras, uma ação criminosa do individuo era motivada pelas experiências anteriores de sua vida e de um certo “padrão de desenvolvimento”. Por este motivo, e de forma extremamente preconceituosa, o autor defendia sistema penais distintos entre raças por constatar a raça branca superior a raça negra, e a primeira, segundo o autor, com um maior nível de desenvolvimento.

Além disso, os julgamentos de supostos crimes cometidos deveriam ser julgados nas características dos povos diferenciados na questão da lei vigente até então.

Outro termo fortemente preconceituoso de Nina Rodrigues sobre as raças negra e indígena era o termo “selvagem”, designado a estes povos. Como explicação, Rodrigues taxava sua maneira de viver, seus costumes e tradições muito diferentes dos povos ditos civilizados.

Trazendo mais dados sobre tal tema, que Rodrigues aborda de maneira completamente preconceituosa e influenciado por teorias de evolucionismo cultural, racistas de um darwinismo social acentuados, está o conceito do cometimento de crimes de supostas ‘raças inferiores” em relação a uma violência exacerbada.

Rodrigues, neste sentido, também cita aspecto de uma impulsividade de raças inferiores, caracterizadas por negros, índios e mestiços.

O autor, em outro aspecto de racismo e preconceito, elabora um conceito que atrela a criminalidade de pessoas com aspectos de degenerencia e com um suposto fator de crime por questões hereditárias entre mestiços.

 

  1. Os africanos no Brasil, principal obra de Nina, sua contextualização e influencia a Artur Ramos

 

A obra “Os africanos no Brasil”, principal obra de Nina Rodrigues, elaborada entre 1890 e 1905, passa pelas características racistas, cientificistas e nacionalistas já citadas no artigo, mas traz um importante papel na análise do papel do negro na história brasileira e de uma formação cultural e de uma miscigenação da população em nosso país.

O autor, faz uma análise desde um tratamento já preconceituoso das autoridades baianas com povos negros, indígenas e mestiços até aspectos culturais como a sua religião destes povos.

A analise do candomblé, em diversas partes do texto chama muito a atenção. Enquanto na África, tal religião possuía total respeito do Estado, da legislação e nos próprios costumes da população, no Brasil, com uma visão totalmente preconceituosa, era tratada como uma religião com aspectos ligados ao misticismo e a feitiçaria. Alem disso, a proteção de seus fieis e de sua pratica era totalmente negada e havia uma total sobreposição com religiões dominantes.

A diferença de tratamento entre o período da escravidão e do período estudado, isto é, já com a abolição feita, também é destacado. E, por mais incrível que parece, as autoridades locais faziam as mesmas atrocidades que outros personagens em outros tempos. A violência, a ignorância e a negligencia com uma legislação que proteja a população negra marcava as atitudes naquele tempo.

Porém, é indispensável reconhecer o caráter etnográfico.

A visão de Nina Rodrigues, já num contexto apresentado anteriormente, e numa intenção de propor políticas sociais e Estatais para separar e distanciar populações negras do convívio social brasileiro, e, neste sentido, propor um “enbranquecimento” da população brasileira, o autor fala em sua obra dos “últimos povos africanos no país”.

As políticas públicas para abastecer as populações mestiças, negras e indígenas no Brasil passa pela simples ideia de não propor política alguma. Segundo o autor, a mestiçagem da população brasileira, em um longo período de tempo, levaria a um fracasso do projeto de país e sua falência.

O caráter cientificista do autor, ao tentar impor uma teoria de supremacia de uma raça branca, em contraposição a raça mestiça e negra, com clara influência. E a antigas políticas de “enbranquecimento” de populações ocorridas em potencias europeias, já traz um forte aspecto polemico em sua obra. Em um caráter de coleta de dados e de formação de uma teoria etnográfica, nos deparamos com fortes relatos, ainda pautados pelo darwinismo social, de tentar provar a supremacia de uma raça sobre outra.

As influencias, já mencionadas, passam por Darwin, Lambroso, Heckel, entre outros. E, de forte influencia de Darwin estão a supremacia ariana em relação ao negro, passando por toda a obra “Os africanos no Brasil”. Somando-se a isso, temos um forte determinismo biológico e cultural para com os povos estudados.

Em relação a uma teoria de pratica de crimes e da relação de sua quantidade e aspecto mais violento as raças, Nina Rodrigues busca propor um entendimento sobre a psicologia ou o aspecto mental das raças negras e mestiças.

 

 

 

Porém, mesmo com um teor cientifico, acadêmico e de método aguçados, pelo autor pertencer a Escola da Bahia e ser um teórico, em “Africanos no Brasil”, o autor trata a questão do negro na sociedade brasileira com uma dramaticidade que chama muito a atenção.

O aspecto de uma teoria positivista está sempre presente, tanto na intercalação de narradores em toda a obra, tanto nos aspectos teóricos estudados.

O processo de distanciamento, teorias de supremacia racial inseridas em “Os africanos no Brasil”, passam por toda a obra. O que fica, é um claro e evidente apelo, marcados pelo racismo e preconceito, para as autoridades, de propor um longo processo para deixar os negros e mestiços a própria sorte, em um jovem Republica Brasileira, e os mesmos, neste contexto, se encontraram sem educação, sem uma reforma agraria que lhes forneça trabalho e sem apoio algum do Estado.

 

Os exemplos para criticar os aspectos culturais negros perpassam toda a obra. O não entendimento da religião, a suposta não assimilação de uma religião católica dominante, o preconceito com seu idioma, entre outros aspectos.

Mesmo a obra possuindo esta série de assuntos polêmicos e com certo aspecto racista, o trabalho teórico e enográfico de Nina Rodrigues inaugurou o tema da influência cultural negra na sociedade Brasileira e foi influencia.

A maior delas foi com o autor Artur Ramos. Em suas obras “O negro na evolução social brasileira” e “O negro brasileiro”. O autor, usando de certa psicanalise e abastecido fortemente pelos temas que Nina Rodrigues estudou, fez um importante avanço na história e na influência das populações negras em nossa cultura.

 

As influencias e semelhanças no trabalho dos dois autores passam pelos seguintes conceitos: um melhor tratado sobre a vinda da população negra para o Brasil, tendo como preocupação sua influência no território nacional; o profundo entendimento sobre a origem de toda a população negra que chegou ao Brasil no contexto do trabalho nos engenhos de açúcar e como “trabalhadores livres” com o fim da escravidão; a influencia de teorias darwinistas e racistas que levariaa uma supremacia de uma raça ariana ecaráter etnográfico da pesquisa, com a coleta de dados.

 

Porém, Artur Ramos, também descendente de um Escola da Bahia modificou certas ideias apontadas por Nina, um claro avanço na pesquisa etnográfica sobre a importância dos negros na construção social e cultural brasileira, desde seu período Colonial.

 

Seu estudo também passa por lenda e mitos e também por uma analise psicológicados negros inseridos na cultura brasileira recém ou anda não criada, até aqueles tempos.

 

As diferenças no pensamento dos dois autores passam pela ideia de distinção dos grupos africanos estudados. Nina, por um lado, dividiria tais populações pelo sudaneses, bantus e guineanos sudaneses. Em sua teoria, os sudaneses tinham aspectos superiores as outras populações.

Ramos rompe com tal ideia, e já num grande avanço de caráter menos racista e preconceituoso, o autor nega diferenças raciais, mas sim, culturais. Aponta, a seguir, as seguintes teses básicas de seu pensamento: o conceito de raças negras em um caráter igualitário, uma suposta inferioridade do mestiço no país e uma responsabilidade diminuída e negros e mestiços.

Depois desta diferenciação, percebemos a principal contribuição de Ramos para a formação de uma teoria de estudo da população negra no Brasil. Seu aspecto cultural, e não só sua etnia ou raça, que merecia um melhor entendimento.

Seus hábitos, costumes, graus de afinidade com outras populações, religião e rituais que mereciam melhor atenção.

  1. Conclusão

Analisando a obra de Nina Rodrigues, principalmente com sua principal obra, “Os africanos no Brasil” e Artur Ramos, principalmente em “ O negro na evolução social brasileira”, deparamos com questões principais sobre a visão de historiadores, médicos e antropólogos sobre questões raciais na passagem do século XIX para o XX.

Neste período, o Mundo inteiro estava em grande transformação e incorporação de ideias e teorias. Fatos como a formação de Estados Nacionais, a Conferencia de Berlim, que marcaria a partilha da África e o Neocolonialismo e doutrinas racistas e preconceituosas, como o Darwinismo Social e  teorias de supremacia racial marcaram tal época.

No Brasil, o período estava incluso a transição do Império para a uma República e o fim da escravidão.

República esta, que instaurou um regime que abandonou os ex-escravos, agora “trabalhadores livres” e vendedores de sua força de trabalho, sem reforma agrária ou um aparato estatal que lhes garantisse os direitos civis, políticos e sociais básicos.

Neste contexto que Nina Rodrigues, principal figura da Escola da Bahia, começou a estudar a interferência, influencia e toda a sociedade mestiça e negra que vivia no Brasil.

Marcado pelo influência de Lambroso, filosofo italiano e nas ideias racistas, cientificistas, nacionalistas e de darwinismo social, o autor propôs teses que sugerem a violência, a criminalidade e aspectos de supremacia cultural e social da raça branca sobre a raça negra.

Estudando a inferioridade da raça negra, o autor sugere que crimes mais violentos teriam como explicação aspectos de raça e propõe até uma legislação penal distinta entre as raças.

Alem disso, propõe um processo de “enbranquecimento” da população brasileira, com uma forte intervenção do Estado em suas políticas. Tal processo de se daria pelo distanciamento das populações negras e mestiças das ditas arianas. O “enbranquecimento” se daria pelo fato de não se fazer política alguma com a população negra e a deixar a sua própria sorte.

Estas ideias propostas por Nina Rodrigues, tem forte influência de políticas públicas feitas pelos Estados Nacionais europeus, que fizeram o mesmo processo.

E, numa ideia que marca a passagem de Nina Rodrigues no estudo deste período está uma total descrença do desenvolvimento social e econômico brasileira em uma sociedade com miscigenação de raças e povos. O Brasil, segundo eles, estaria “fadado ao fracasso” se isso acontecesse.

Nina Rodrigues propõe uma teoria de inferioridade entre as raças negras e uma teoria de superioridade entre suas raças. Por outro lado, Artur Ramos, que recebeu muitas influencias do mesmo, parte para outras perspectivas e evoluiu, mesmo que pouco, na compreensão da grande contribuição da comunidade africana e negra na formação cultural brasileira.

Artur Ramos faz uma tese, usando de psicanalise e de relatos sobre os costumes, rituais e mitos da população negra, para estudar estes povos em uma visão mais cultural que seu antecessor.

Artur Ramos, não diferencia raças entre estes povos, mas sim, propõe uma distinção cultural entre todas as populações que habitavam o estado da Bahia, local principal de suas analises.

Enfim, o trabalho destes dois autores, mesmo marcados por teorias racistas e evolucionistas, surgiram como base de crítica para outras gerações.

As analises seguintes, feitas principalmente por Freyre e Florestan Fernandes, nas décadas de 1930 a 1950, marcaram outra visão sobre o papel fundamental da cultura negra na formação e desenvolvimento social e cultural brasileiro.

Referências bibliográficas

NINA RODRIGUES, Raymundo. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934.

NINA RODRIGUES, Raimundo. Os africanos no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932. 

RAMOS, Artur.  O negro na civilização brasileira. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1956.

RAMOS, Artur. O negro brasileiro: etnografia religiosa e psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934.