A objetividade e a Subjetividade nas Ciências Sociais
Por Amanda Noronha Fernandes | 26/11/2010 | FilosofiaNo texto "A "objetividade" do conhecimento nas ciências sociais", Weber compara as ciências sociais ? incluindo História e Economia- com as ciências da natureza no que tange à possibilidade de se fazer ciência objetiva. Ele não tem, segundo nota de Conh (apud Weber, 2006), a objetividade como algo dado: ela mesma está em questão (por isso aparece sempre entre aspas). Dentro desse questionamento, Weber se pergunta em que sentido há verdades objetivamente válidas nas ciências que se ocupam da vida cultural, que tem como objeto de estudo a ação humana.
Weber já inicia seu texto refutando a ideia de que a ciências possa (ou deva) produzir juízos de valor. Segundo Conh, a ciência,
"(...) de acordo com a posição que Weber defende, no mundo do conhecimento científico- e isso inclui o mundo humano- só (...)pode falar do que é, não do que deveria ser. O conhecimento só pode buscar apoio em fatos (os dados da realidade), nunca em valores (as qualidades em nomes das quais se avalia a realidade)." (CONH, GABRIEL apud Weber, 2006, p.8)
Por mais que nas ciências sociais sejam necessárias explicações de princípios de cunho prático, "certamente não poderá ser sua tarefa- e, de maneira geral, de nenhuma ciência empírica- determinar um denominador comum prático para nossos problemas na forma de ideias últimas e universalmente válidas." (Weber, Max, 1992, p. 112) A ciência é racional, pois indica as possibilidades objetivas. Cabe ao homem decidir o que fazer.
"A ação do cientista é racional com referência a um objetivo. O cientista se propõe a anunciar proposições factuais, relações de causalidade e interpretações compreensivas que sejam universalmente válidas." (Aron, 2002, p.466) Todavia, o juízo de valor não deve ser excluído da análise científica, contanto que não afete a validade do trabalho: uma verdade científica deve valer para qualquer pessoa- o que não significa que não se possa contestá-la, apenas que ela deve seguir uma lógica e um método. A divisão de Weber (2002) entre o homem de ação (político) e o cientista deve ficar clara: um pesquisador deve explicitar em que momento cessa a fala do pesquisador e inicia a fala do homem de vontade. "A validade universal da ciência exige que o cientista não a contamine (a investigação) com suas preferências estéticas ou políticas." (Aron, 2002, p. 467)
O que caracteriza um problema sócio-político é que não pode ser resolvido por considerações técnicas, pois faz parte de questões gerais da cultura, envolvendo diversas visões de mundo (o que dificulta que se chegue a um consenso). Os juízos de valor que determinam nossa ação são percebidos por nós como objetivamente válidos e por isso, cada indivíduo deseja fazer valer o seu modo de ver o mundo.
O caráter de fenômeno não é intrínseco ao objeto, ele depende do nosso interesse e define-se em conformidade com o significado cultural que atribuímos. Um problema científico é um problema porque nos interessa e nos é relevante conhecer. "O mero reconhecimento da existência de um problema científico está em estreita união "pessoal" com a respectiva e bem determinada vontade humana." (Weber, Max, 1992, p. 116) "A ação científica é, portanto uma combinação da ação racional em relação a um objetivo e da ação racional em relação a um valor." (Aron, 2002, p. 466)
As ciências sociais tem como objetivo organizar no pensamento o caos da sociedade. Mas não pode abrangê-la como um todo: aquilo que é geral acaba por ser também indeterminado. Há infinitas possibilidades de objetos e causas e, por isso, o cientista deve limitar a realidade que pretende estudar. Nas ciências sociais, quanto mais geral é a lei, menos valiosa e mais vazia de conteúdo ela é. Existe para cada um de nós uma escala diferente infinita de significações e é isso que determina o que será objeto de estudo. O cientista deve saber distinguir o que importa ser estudado, aquilo que se reveste de significado. Para Schutz, o sistema de relevância do cientista é irrelevante para seu empreendimento científico. "Seu estoque de conhecimento à mão é o corpo de sua ciência e ele tem de tomá-lo como pressuposto." (Schutz, 1985)
Para Schutz,"o problema particular das ciências sociais é desenvolver dispositivos metodológicos para alcançar o conhecimento objetivo e verificável de uma estrutura de significado subjetivo." (Schutz, 1985, p. 272)
Segundo ele, é o interesse à mão que motiva nosso pensar e estabelece problemas a serem solucionados. Schutz (1985) distingue o campo dos pressupostos em zonas de relevância em ordem decrescente, zonas estas que não são constantes (variam com o tempo) e nem homogêneas (em um dado momento, posso ter diferentes interesses). O problema científico já estabelecido determina o que é e o que não é relevante para sua solução e qualquer deslocamento do problema envolve modificação nas estruturas de relevância e nos construtos.
O domínio do trabalho científico tem por base conexões conceituais entre os problemas, a construção da "verdade" científica. "A objetividade só faz sentindo para os que compartilham a avaliação positiva da busca racional e sistemática que só a ciência permite." (Conh, Gabriel apud Weber, 2006, p. 12) O que garante a validade é que a análise da realidade não é arbitrária. "(...)Todos os modelos apropriadamente construídos das ciências- não apenas das ciências sociais- são racionais;" (Schutz, 1985, p. 275) Utiliza-se um método lógico, estabelecendo relações, imputando-se possibilidades objetivas de causa, tipificando-se. "A racionalidade resulta do respeito pelas regras da lógica e da pesquisa, respeito necessário para que os resultados alcançados sejam válidos." (Aron, 2002, p. 466)
Não é mau, segundo Aron (2002), que o cientista se interesse pelo objeto. Na verdade, para ele, o interesse das respostas depende amplamente do interesse das questões. Todavia, o cientista deve ser cuidadoso, distanciar-se do próprio interesse para encontrar uma resposta universalmente válida.
"As construções da teoria abstrata só na aparência são deduções (...) na realidade trata-se antes do caso especial de uma forma da construção de conceitos, próprios das ciências da cultura humana e, em certo grau, indispensáveis." (Weber, Max, 1992, p. 137) Trata-se, aqui, do tipo ideal.
O tipo ideal não é um fim, mas um meio para o conhecimento. É uma forma de ordenação do pensamento, construção de relações que parecem "objetivamente possíveis". Não diz o que o fenômeno é, mas se lhe atribui uma qualidade bem determinada com base na qual se pode formar uma hipótese. No tipo ideal, acentuam-se pontos de vista, valendo-se do conhecimento de certas regularidades da ação humana- associadas, principalmente, ao seu caráter racional- a fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Weber (1992) adverte que é necessário tomar cuidado para não se fazer avaliações pessoais. Tipos ideais não se manifestam na sua plena pureza ou o fazem apenas esporadicamente: trata-se de utopia.
Sobre tipificar, Schutz afirma que a própria nomeação de objetos é uma forma de tipificar, pois ao nomear, relacionamos o objeto, "através da sua tipicidade, a coisa já vivenciadas, de estrutura tipicamente semelhante." (Schutz, Alfred, 1985, p. 116) Achar que algo ou um evento é suficientemente relevante para merecer um nome separado é resultado do sistema de relevância predominante. As tipificações são transmitidas pelas gerações e a partir delas interpretamos o mundo.
"O objetivo e a preocupação de Weber é compreender o sentido que cada ator dá à própria conduta." (Aron, 2002, p. 464) Encontra-se aí, a subjetividade do indivíduo, que resulta em conhecimento objetivo ao compreendermos as causas da ação de vários indivíduos. A reconstrução analítica de elementos da realidade em termos típico ideais e a simulação das possibilidades objetivas envolvidas num acontecimento ou situação seriam os elementos principais que permitiriam a compreensão causal dos fenômenos sociais. O cientista reconstrói, em termos típicos, dimensões específicas da realidade, avalia, segundo as regras da experiência, como os agentes provavelmente agiriam diante dessas dimensões e compara os cursos de ação concretos com as previsões realizadas.
A finalidade do tipo ideal consiste em tomar consciência não do que é genérico, mas que é específico nos fenômenos culturais.
"Não há dúvida de que o ponto de partida do interesse pelas ciências sociais reside na configuração real e, portanto, individual da vida sócio-cultural que nos rodeia, quando queremos apreendê-la no seu contexto universal, nem por isso menos individual(... )" (Weber, Max, 1992, P. 125, 126)
Segundo Conh (apud Weber, 2006), a ciência, assim sendo, é o conhecimento daquilo que homens de certa sociedade, em certa época, reputam importante, que valha a pena ser conhecido. E o ponto de referência para selecionar o que vale a pena ser conhecido é aquilo que busca saber o próprio pesquisador. A força motriz da pesquisa é o valor, mas o conhecimento científico é objetivo nos resultados, que dependem do método utilizado. Isso significa que, sem referência a valores, não se pratica ciência.
Em suma, a objetividade é sim possível, mas não há ciências sociais sem pressupostos: o que motiva o cientista a fazer ciência é subjetivo- aquilo que é importante para ele naquele momento, naquela cultura. "A validade objetiva de todo saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação da realidade dada segundo categorias que são subjetivas." (Weber, Max, 1992, p. 152) Deve-se lembrar também que as ciências sociais se ocupam das ações dos indivíduos, que são, por sua vez, subjetivas. E por fim, deve-se destacar que a ciência pode nos oferecer conhecimento objetivo do que ocorre no mundo, mas não tem como dizer qual significado ele tem: essa tarefa cabe somente a nós.
Bibliografia:
Weber, Max. "A "objetividade" nas ciências sociais". Metodologia das Ciências Sociais. Campinas: Cortez, 1992. Tradução: Wernet, Augustin.
Weber, Max. A "objetividade" do conhecimento nas ciências sociais. São Paulo: Ática, 2006. Tradução: Cohn, Gabriel.
Weber, Max. Ciência e Política: duas vocações. 17ª edição. São Paulo: Cultrix, 2002.
Schutz, A. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
Aron, Reymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2002.