A objectividade científica em Gaston Bachelard

Por Roberto caetano alfredo | 15/05/2017 | Filosofia

                                UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

                                           Faculdade de Filosofia 

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, debruçar-se-á em torno da objectividade científica em Bachelard. Ele visa fundamentalmente compreender, a maneira pela qual a ciência contemporânea objetiva-se, segundo Bachelard. Igualmente, pretende aludir no diz respeito a nova linguagem na investigação científica proposta por Bachelard. Todavia, a importância desse trabalho prende-se no facto de que, o tema em causa vislumbra, a nova proposta de investigação no campo científico ou epistemológico contemporâneo colocado em questão por Bachelard, tal como, pretende contribuir directamente para os estudos e mudanças de estratégias no campo de investigação filosófica, os quais auxiliarão na fixação do conhecimento e, assim, aprimorar a instrução para o bom senso.

Tendo como investigação a objectividade científica em Bachelard, podemos levantar a seguinte problemática: Será possível caracterizar uma objectividade positiva na epistemologia de Bachelard que possa responder os novos desafios da ciência contemporânea? Ora, assim sendo a fundamentação teórica baseia-se na obra de Gaston Bachelard, o novo espirito científico, onde o autor discute a problemática da roptura epistemológica nas ciências, daqui o autor enfatiza uma nova maneira de desenvolver-se a ciência diferentemente das épocas antecedentes; e na obra de Gustavo Bertoche, onde o autor faz uma análise concisa e minuciosa acerca da objectividade científica em Bachelard, mostrando que a objectividade cientifica em Bachelard desenvolve-se dentro do novo paradigma cientifico. 

Assim sendo, para a realização deste trabalho, foi usada como metodologia, a bibliográfica e a hermenêutica, apoiada na leitura, análise e interpretação de textos com base numa fundamentação teórica consistente, objectivando a identificar linhas de orientação da pesquisa. E o trabalho tem a seguinte estrutura básica: Primeiro, vai ocupar-se na definição da Objectividade, em seguida vai apontar o substancialismo no contexto da roptura epistemológica, seguir-se-á a matemática como fundamento da objectividade da ciência, depois disso apresentará a validade e a possibilidade do conhecimento científico objetivo, e por último, abordará a cerca da razão e objectividade científica do conhecimento na contemporaneidade.  

1. A objectividade científica em Gaston Bachelard

1.1. Objectividade

De acordo Japiassú e Marconde (2001: 142), em um sentido epistemológico, objectividade é a tentativa de constituir uma ciência que se afaste da sensibilidade e da subjectividade, baseando suas conclusões em observações controladas, verificações, medidas e em experimentos, cuja validade seja garantida pela possibilidade de reproduzi-los e testá-los. Entretanto na epistemologia essa objectividade, é sempre relativa às condições de realização desses experimentos e verificações, sem ter pretensão a um conhecimento absoluto ou definitivo. 

Assim sendo, de acordo com Aranha e Martins (2005: 142) a objectividade científica representa a cautela dos cientistas para que não haja erro, devido à pressão dos leigos que anseiam por soluções rápidas. Pois, a ciência aspira pela objectividade ao tentar superar as condições subjectivas, marcadas pela nossa sensibilidade. São objetivas porque “a ciência é uma instituição social em que as actividades de cada cientista, como membro de uma comunidade intelectual, estão sujeita a crítica dos demais.” (cf. Ibidem: 2005:172).

Contudo, a objectividade indica que o conhecimento possui justificação submetida à prova e compreendida por todos. Embora Popper (2006: 136) defende que teorias científicas nunca são inteiramente justificáveis ou verificáveis apesar de serem inter-subjectivamente suscetíveis de prova.

 

1.2. A roptura com o substancialismo

Segundo Bertoche (2002: 6), define o substancialismo como sendo, uma atitude que conhece o mundo a partir da suposição de que as coisas são delimitadas (individualmente e em suas características qualitativas e relacionais). Assim sendo, o substancialismo é entendido como qualquer doutrina que aceita a existência de uma ou múltiplas realidades permanentes e essenciais, as substâncias, que consistem no que há de eterno e fundamental no devir e contingência dos seres naturais, e “a objectividade significa a roptura entre o conhecimento comum e o conhecimento científico, ainda é a diferença fundamental existente entre as representações do saber vulgar e as representações matemáticas do conhecimento nas ciências contemporâneas.” (Bachelard 2002: 65). 

A validade e a possibilidade do conhecimento científico objetivo

Na concepção bachelardiana, não é suficiente, livrar o espírito dos perigos da subjectividade: é necessário determinar o espírito, progressivamente, em abstrações cada vez mais apuradas, e assim eliminar erros cada vez mais finos. E o conhecimento objectivo só é válido quando aliada a um espírito pedagógico forte, é necessário que o espírito se invista de uma dúvida prévia que atinja tanto os factos quanto suas ligações, tanto a experiência quanto a lógica. Portanto, a objectividade científica é resultado do esforço para o afastamento do pensamento fenomenológico, do mundo das sensações. (Bachelard apud Bertoche; 2002: 53). 

No entanto, a busca de um conhecimento científico cada vez mais objectivo depende do afastamento dos interesses subjectivos, e, principalmente, da superação da sensibilidade substancialista que é fundamento da atitude comum do homem. A prova de exemplo Bachelard fala da psicanálise do conhecimento que é o esforço incessante de afastamento dos obstáculos epistemológicos, por retificações na linguagem e no pensamento, na busca pelo conhecimento cada vez mais objectivo.

Assim, para Bachelard (2006: 97), a atitude objectiva é resultado da história dos erros subjectivos, porque, não há verdade sem erro retificado; todos os obstáculos epistemológicos ao conhecimento objetivo têm carácter subjetivo. Deste modo Bachelard propõe em a Formação do Espírito Científico que conhecimento objectivo se constitua ao buscar, no interior das ciências, o reconhecimento e a ultrapassagem dos obstáculos epistemológicos de origem subjectiva que atrapalham o desenvolvimento das ciências. No entanto de acordo com Bachelard (2000) a objectividade deve ser fundada no comportamento do outro, aliás a objectividade acaba sujeitando o conhecimento do objecto ao controle de outrem, por isso mesmo, ele defende: 

A objectividade científica só é possível depois de termos rompido com o objecto imediato, de termos recusado a sedução da primeira escolha, de termos parado e contradito os pensamentos que nascem da primeira observação. Toda a objectividade, devidamente verificada, desmente o primeiro contacto com o objecto. Tem de começar por criticar tudo: a sensação, o senso comum, até a prática mais constante e a própria etimologia, porque o verbo, que é feito para cantar e seduzir, raramente vai de encontro ao pensamento. Em vez de se deslumbrar, o pensamento objectivo deve ironizar. Sem esta vigilância desconfiada, nunca alcançaremos uma atitude verdadeiramente objetiva. (cf. BACHELARD: 19976; 123). 

1.3. A razão e a objectividade científica do conhecimento

Segundo Bertoche apud Bachelard (2002: 59), a razão constrói, não simples relações entre dados, mas constrói realidades objetivas. A ciência é, portanto, produtora de realidades objectivas; a objectividade da ciência depende da forte interação entre matemática e representações. Assim, a razão objectiva para Bachelard seria, principalmente, a razão matemática. O fazer científico contemporâneo é um fazer sem verbo, em que uma objectivação matemática reforça o pensamento ao rejeitar a substância. A busca pela objectividade científica deve partir da razão, e seguir-se-á a linguagem. No dizer de Bachelard:

   A objectividade pertinente a ciência contemporânea é sempre aproximada, é sempre um esforço de objectivação, onde a razão e experiência não se dissociam. Na construção racional e aplicada, o ponto de partida é o pensamento (…) e a experiência vem confirmar e realizar. (…), A experiência deixa de ser o ponto de partida para a investigação científica e torna-se sua própria finalidade. Explicita-se, assim a plausibilidade da afirmação bachelardiana: a verdade nos leva ao real. (cf. BULCÃO apud BACHELARD; 2003: 92).

 

Portanto, para Bachelard a objectividade científica é construída, na medida que a ciência contemporânea afasta-se de um substancialismo presente na atitude comum e na ciência clássica, ele, considera obstáculos epistemológicos como sendo erros subjectivos que impedem o conhecimento objectivo, e Tais erros de acordo com Bachelard (1996) devem ser reconhecidos e afastados por uma psicanálise do conhecimento. Entretanto a objectividade científica em Bachelard, é um afastamento que causa ropturas epistemológicas com a ciência anterior e com o discurso comum, por meio do uso extensivo da matemática em lugar de representações visuais ou verbais. Ademais a objectividade das ciências contemporâneas, é uma objectividade matemática, e a matemática objectiva, é o objecto da ciência.

De acordo com Bertoche (2002: 60) a objectividade da ciência contemporânea não é a objectividade de um empirismo, de um realismo, de uma atitude ingênua; é uma objectividade racional, ou melhor: é uma objectividade cujo objecto é criado pelo pensamento matemático. O vector do conhecimento parte da razão ao fenômeno, e não do fenômeno à razão. Portanto a objectividade científica é construída pela coesão fenomenotécnica[1] entre a representação-pensamento e a representação-experiência. 

1.4. A matemática como fundamento da objectividadeda ciência

No entanto, segundo Bertoche (2002: 28) a validade epistemológica da assunção da matemática é o fundamento da objectividade. E a objectividade das ciências contemporâneas segundo Bachelard é uma objectividade matemática. Na epistemologia de Bachelard, o conhecimento objectivo das ciências contemporâneas é um conhecimento que não é, estritamente falando, é um conhecimento da linguagem: é um conhecimento fundamentado numa matemática indefectível. É por isso que Bachelard considera ilustrativa a noção de implicação na matemática. Ademais, de acordo com Bertoche (2002: 53), para Bachelard, a função matemática constitui-se como númeno na ciência contemporânea. Portanto, ele considera a matemática como fundamento do conhecimento, rejeitando radicalmente a atitude que considera a substância como fundamento do saber, é a mais essencial das características das ciências contemporâneas, isto porque a matemática é objectiva. 

Há na matemática mais que uma organização formal de esquemas (…). E de que eles provêm sempre de uma extensão, de um conhecimento adquirido no real e que, nas próprias matemáticas, a realidade manifesta-se na sua função essencial, a de fazer pensar. Um realismo matemático acaba, mais cedo ou mais tarde por dar corpo ao pensamento, dar-lhe permanência psicológica, desdobrar enfim a actividade espiritual fazendo aparecer ai como em todo o lado, o dualismo do subjectivo e do objectivo. (cf. BACHELARD; 2006: 7)

Portanto, As ciências contemporâneas rompem com o substancialismo, e suas construções não podem ser explicadas correctamente num discurso normal, mas apenas num discurso técnico-matemático, de acordo com Bertoche apud Bachelard (2002: 8), o saber comum é substancialista, isto significa: é um saber verbal, realista, empírico. O conhecimento científico é oposto: é matemático, abstracto e racionalista. O saber comum é fenoménico; o conhecimento científico é fenomenotécnico. E ele, considera que a substancialização pode entravar os futuros progressos do pensamento científico, e permite uma explicação decisiva, e isso faz-lhe o percurso teórico que obriga o espirito cientifico a criticar a sensação.

CONCLUSÃO 

Em virtude dos factos mencionados, percebemos que, a partir da epistemologia de Bachelard, a objectividade das ciências contemporâneas é uma objectividade matemática. Querendo referenciar que a objectividade em Bachelard não é mais alcançada pelo discurso que se pretende referir aos factos sem a utilização do juízo; a objectividade científica estrita só pode ser alcançada quando se constroem objectos científicos sobre os quais apenas a matemática pode operar directamente, sobre quais qualquer tentativa de observação sensível ou de discurso verbal.

Todavia, a objectividade é construída nas ciências contemporâneas segundo Bachelard com o afastamento de imagens substancialistas, isto é a objectividade das ciências contemporâneas é uma objectividade matemática. Neste caso a epistemologia de Bachelard defende que o conhecimento objectivo da ciência contemporânea é um conhecimento que não discursivo, é um conhecimento fundamentado numa conhecimento matemático experimental e construída pela coesão fenomenotécnica.

Contudo, é importante realçar que Bachelard apresenta uma roptura (não radical mas descontinua) distanciando-se do substancialismo a uma objectividade científica, da qual ajudará no progresso doravante de toda ciência, enfim, Bachelard propõe a linguagem matemática como um meio para uma melhor objectividade científica.

BIBLIOGRAFIA 

BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.

_____.A psicanalise do fogo. Rio de Janeiro, [s.n], 1994.

BERTOCHE, Gustavo. A objetividade da ciência na filosofia de Gaston Bachelard. Brasil, [s.n], 2002.

BULCÃO, Marly. Gaston Bachelard: corpo e matéria como fundamentos da imagética criadora. Rio de janeiro, Vozes, 2013.

POPPER, Karl R. A Lógica da pesquisa científica. 12. ed., São Paulo, Cultrix, 2006.

 publicado por: Roberto Caetano Alfredo