A Objecção De Consciência
Por Manuel Fernando Sousa Gomes | 26/11/2007 | DireitoUniversidade Católica Portuguesa
Centro Regional do Porto (Pólo da Foz) - Faculdade de Direito
Manuel Fernando de Sousa Gomes
Porto/2007
Trabalho realizado por: Manuel Fernando de Sousa Gomes
Sobre Artigo: Cfr. Domingues Bernardes – A objecção de consciência como direito e como dever em Humanística e Teologia, 11/02 (1980), pág. 309-326
Recensão realizada para: Mundividência Cristã
«War will exist until that distant day when the conscientious objector enjoys the same reputation and prestige that the warrior does today»
(JOHN F. KENNEDY)
Recensão
Bernardo Domingues – A objecção de consciência como direito e como dever em Humanística e Teologia 1/3 (1980), pág. 309-326
I
Sobre o autor:
Nascido a 13 de Maio de 1931, Fr. Bernardo Gonçalves Domingues apresentou a sua tese de doutoramento «A pessoa entre o mundo e Deus», na faculdade de Filosofia da Universidade Pontifícia de S. Tomás em Roma. Prior do Convento de Cristo Rei empossado a 26-08-2005. Membro do Centro Provincial de Estudos. Examinador dos candidatos ao Noviciado. Membro eleito do Conselho Presbiteral da Diocese do Porto. Assistente Nacional e Diocesano da Associação dos Médicos Católicos. Assistente Diocesano da Associação Católica dos Enfermeiros e Profissionais da Saúde. Membro da Comissão de Ética do IPO – Porto e Clínicas de Nefrologia. Membro eleito do Conselho Científico do Instituto de Bioética – UCP; da Escola Superior de Enfermagem da Imaculada Conceição – Casa de Saúde da Boavista; da Escola Superior de Enfermagem de Santa Maria – Hospital de Santa Maria. Conselheiro Espiritual da Região Porto e de sete ENS. Assistente da Equipa de Formação I ENS. Assistente Regional e do Grupo dos Escuteiros de Portugal. Leitor e Mestre em Teologia. Doutorado em Filosofia e Diplomado em Psicopedagogia.
II
Pretende-se nesta Recensão, não só apresentar uma exposição clara e devidamente organizada do assunto, partindo das noções, críticas e conceitos, transmitidas pelo Autor, mas também, e devido à nobreza e actualidade do tema, acrescentar através da crítica, sem qualquer tipo de empirismo, eventual mais valia, dando total garantia de empenhamento na leitura e busca dos mais fundamentados elementos informativos, no sentido de uma exposição clara e fidedigna sobre o tema escolhido.
O trabalho escolhido e apresentado, versa sobre uma questão intemporal, enquanto direito natural e dever ético, observado pelo autor de uma forma teológico/científica, escalpelizando a enunciação clara do bem e do mal, do justo e do injusto, dos direitos e deveres de toda a Pessoa enquanto referência que dá força moral ao ofendido e enquanto dever acusador ao prevaricador obstinado.
São neste texto também referidos as recorrentes e actuais formas violadoras desses direitos tais como a usual corrida aos armamentos, as constantes guerras étnicas causadoras da morte de milhões de inocentes, e ainda da permanente manipulação atroz da consciência humana levada a cabo pela comunicação social, por fazedores de opinião sem escrúpulos que duma forma hábil e sem qualquer repugno atentam constante e persistentemente contra a dignidade humana.
Quanto aos aspectos mais insistidos no decorrer do texto, para além da definição do que é objecção de consciência e que nunca será demais atentar, são afloradas com insistência e veemência sobretudo a constante violação e atropelos dos direitos humanos e o constante apelo à ética e valores espirituais como forma de aperfeiçoar a natureza e assim estreitar o cunho e fidelidade aos princípios cristãos e ao Criador.
Os vários itens apostos no texto (dada a sua natureza e actualidade), encontram-se publicados noutras formas e até noutras versões disseminadas por todo o mundo. Este porém, revela uma coerência e unidade teológico/científica assinalável que ao longo dos seus seis capítulos (incluindo a introdução e conclusão), ilustram sobejamente a mensagem que o seu autor pretendeu esclarecer, desmistificar e sobretudo aconselhar todos aqueles que de uma forma ou de outra tiveram acesso ao texto ou sensíveis à sua problemática.
Vejamos então com um pouco mais de detalhe o que podemos encontrar em cada um deles
III
1. A introdução[1], é, uma espécie de intróito geral à temática «objecção de consciência» com uma linha de orientação que estrutura todo o texto numa clara amostragem da sua importância conjectural.
Pode dizer-se que, em certo sentido a linha argumentativa desta introdução desenvolve uma perspectiva antropológica paralela da dúvida metódica cartesiana, na medida em que procede a um esclarecimento e questionamento cépticos com o intuito de demonstrar os elementos mínimos que o próprio céptico não pode enjeitar enunciando clara e eficazmente o nascimento, os quês e os porquês do surgimento e sustentação da objecção de consciência «como uma luta por formas alternativas de vida»[2].
2. O segundo capítulo[3], exibe clara e eficazmente a definição do conceito bem como o esforço que tem vindo a tornar-se mais consistente nos últimos anos sobre a responsabilização na busca da verdade e prática de justiça insistindo na realização do projecto humano, que de tão esquecido pesa negativamente em inúmeros debates filosóficos, científicos e teológicos das últimas décadas e que conforme o autor «donde segue a necessidade da busca aturada para informar, formar e aferir a consciência pessoal»[4].
Por outro lado o autor nesta sua dissertação deixa implícito que a pessoa interveniente esteja em consciência obrigada a definir-se, «Respeitando as orientações do mais profundo do seu ser pessoal, reconhecendo e afirmando a própria identidade, deve ultrapassar o narcisismo, o egoísmo e abrir-se ao amor efectivo do outro e dos outros»[5], definindo alguns princípios aos quais o interveniente deverá obedecer e que ao serem violados deverão ser motivo de apelo aos direitos da pessoa conforme o art.º 18º da Declaração Universal dos direitos do Homem.
3. O terceiro capítulo[6], tem por base alguns elementos básicos que fundamentam o motivo no que se refere à pessoa e ao fundamento da sua consciência ética. Aqui Frei Bernardo Domingues numa perspectiva observadora, remete-nos a uma viagem intemporal, enunciando os conceitos desta visão ao tempo de Aristóteles, passando pela observação teológica medieval e arribando na hermenêutica antropocêntrica moderna, numa diligência de investigação sobre o valor absoluto do homem e os seus direitos à luz da análise ôntica e ética numa clara interpretação qualitativa e positivista do fenómeno.
Por outro lado, e em face dessa análise, remete-nos para um exercício de razão face às conjecturas da ignorância, para que esta nunca se imponha como força que não seja a própria força da razão devidamente sustentada na lógica da Lei Natural, criacional e a espiritual.
4. Sobre a observação no capítulo quatro[7], onde subjaz a postura dos profissionais de saúde perante a problemática da objecção de consciência, o Autor remete-nos mais uma vez para a construção e sustentação do processo de recomendação dos mais altos valores de consciência, de dignidade da Pessoa e sobretudo da aferição, de modo esclarecido e exigente dos critérios de verificação com que estes profissionais devem observar os casos de desumanidade das leis positivas ou da sua ausência e os riscos daí decorrentes alertando atempadamente a sua hierarquia para que daí não resultem situações injustas. De todo o modo Frei Bernardo Domingues esclarece desde logo que «…objecção de consciência, não é apenas um direito, é um dever grave para que a pessoa seja sempre a medida de todas as coisas»[8].
Parece-nos no entanto no que concerne a esta questão, que o Autor não a aborda no seu essencial com a devida profundidade, opinando de forma algo ambígua, porventura omitindo causas tão essenciais como a acentuada mutação cultural do povo português e a ilegitimidade moral do aborto pelo incumprimento do mandamento do Senhor: «Não matarás», bem como a exultação da firme e veemente posição da Igreja na continuação fiel à sua missão de anúncio do Evangelho da vida em toda a sua plenitude e na corresponde denúncia dos atentados contra a vida.
5. No quinto capítulo[9], Frei Bernardo Domingues, aborda e interpreta, o suporte legal disponível na Constituição da República Portuguesa quanto à objecção de consciência, e ataca com rara pertinência algumas lacunas aí existentes, no tocante a Direitos, Liberdades e Garantias, sem contudo, não prescindir de invocar implícitas indicações e formas de sensibilização da sociedade humana na posterior exclusão dessas lacunas.
IV
Não sendo um tema absolutamente original e de alguma forma limitado no tocante a referências bibliográficas, Frei Bernardo Domingues aborda de uma forma inteligente, generosa e numa perspectiva antropológica personalista uma questão enormemente complexa, tentando de uma forma pedagógica, criteriosa e clarividente na sua apresentação elaborada em vários capítulos, alertar um Universo que se deseja atento a questões do foro da essencialidade da Pessoa enquanto ser humano e vértice da Criação
Conclusão
No discorrer da interpretação da fonte utilizada para a concepção deste trabalho, já deixámos transparecer ainda que genericamente de forma implícita o nosso juízo.
Depois de «tanta água ter corrido por debaixo das pontes», talvez seja já tempo de renovar e inovar, embora necessariamente sustentando tal desiderato nas bases da ética, da moral, da dignidade da Pessoa humana e no respeito pelos Direitos, Liberdades e Garantias, sem o espectro da eliminação (nem sequer da subordinação).
O género de reflexão apresentada por Frei Bernardo Domingues é disso exemplo, modelo de uma via possível para essa plataforma de encontro. O que é saudável, e de saudar.
Porto, 03 de Maio de 2007
Manuel Fernando de Sousa Gomes
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[1] Vd. págs. 309 a 313. «A objecção de consciência como direito e como dever».
[2] Cfr. Clara Pinto Correia , em artigo «jornal»,Lisboa de 11/11/1980, p. VIII e IX
[3] Vd., pág. 313, «o que é objecção de consciência», em A objecção de consciência como direito e como dever.
[4] Cfr. § 2 pág. 315 de Bernardo Domingues em A objecção de consciência como direito e como dever.
[5] Cfr. § 4 pág. 315 de Bernardo Domingues em A objecção de consciência como direito e como dever.
[6] Vd., pág. 316, «valor moral e direito natural», em A objecção de consciência como direito e como dever.
[7] Vd., pág. 320. «Objecção de consciência dos profissionais de saúde», em A objecção de consciência como direito e como dever.
[8] Vd., pág. 320. § 2, «Objecção de consciência dos profissionais de saúde», em A objecção de consciência como direito e como dever.
[9] Vd., pág. 322. «A objecção de consciência na legislação aplicável em Portugal», em A objecção de consciência como direito e como dever.