A novela da Brasil Foods

Por Alexsandro Rebello Bonatto | 23/05/2009 | Economia

A novela da fusão (ou venda) da Sadia e Perdigão deve se transformar numa novela de longa duração, mas de capítulos emocionantes.

Depois do grande lançamento da nova gigante brasileira, todos os olhos se voltam para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) do Ministério da Justiça.

Qual será a posição do Cade? A operação será tratada como a da Brahma/Antarctica ou Nestlé/Garoto?

Argumentos técnicos
Alguns sinais já foram dados. O que se espera é que de antemão o Cade desconsidere a estratégia da Sadia e da Perdigão de apresentar a criação da BR-Foods como uma campeã exportadora nacional.

O órgão antitruste vai se focar com maior rigor na possibilidade de competição no mercado doméstico e dará importância para as exportações da nova empresa apenas se elas comprovarem a capacidade de gerar ganhos de eficiência na produção realizada no Brasil.

O fato de a empresa alegar que compete com empresas estrangeiras num mercado global, como a Tyson Foods, a Bunge e a Cargill, deverá ser levado em conta apenas com relação aos efeitos dessa produção para os consumidores no Brasil. O mesmo vale para a capacidade de exportação e para a abertura de divisas pela nova empresa: será apurado o impacto dessa capacidade perante o mercado interno, em ganhos de inovação nas formas de produção e na geração de empregos, por exemplo.Ao seguir essa linha, o Cade pretende verificar tecnicamente as condições internas de competição nos diversos mercados de alimentos atingidos pela operação, como carnes e frangos industrializados, e não os argumentos nacionalistas de criação de uma nova companhia com a sigla "BR" em seu prefixo.

Porém, caso o Palácio do Planalto endosse a ideia de grande empresa brasileira no setor, serão maiores as pressões para a aprovação do negócio.

A visão de que o mercado doméstico deve ser protegido tem se consagrado como jurisprudência (entendimento consolidado) do Cade. Mesmo em megafusões que criaram campeãs nacionais, como a AmBev, o órgão antitruste focou-se no mercado interno, e não nas alegações de que se criava uma gigante brasileira para competir lá fora.

Especialistas em operações como essa lembram que no caso da Ambev falou-se muito na possibilidade de exportação do guaraná Antarctica, que seria um "sabor brasileiro" a ser vendido no exterior. No julgamento da compra de oito mineradoras pela Vale do Rio Doce, falou-se da necessidade de a companhia ser grande internamente para competir lá fora com outras gigantes do aço. E na compra da Garoto pela Nestlé, a última afirmou que pretendia utilizar as marcas da primeira para exportar o "chocolate brasileiro" para outros mercados.

Mas, em todos esses casos, o que pesou foram as condições no mercado interno.

Primeiro pronunciamento do Cade
O presidente do Cade alertou que a avaliação da BR Foods não será resumida apenas à qual será a participação de mercado resultante da fusão, mas itens como, inclusive, a participação nas exportações. A meta é verificar se a operação gerará tamanho poder econômico que possa vir a prejudicar os consumidores. Se isso ocorrer, serão avaliadas as restrições possíveis.

Badin lembrou de exemplos anteriores, como quando o Cade obrigou a Nestlé a desfazer a compra da Garoto. Citando hipotéticas restrições, o presidente da autarquia exemplificou com venda de ativos ou parte dos ativos ou repasse de marcas. E defendeu claramente a importância do Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação (Apro): – Visa a garantir que seja possível, caso o Cade posteriormente decida pela reprovação total ou parcial da operação, que os negócios sejam separados. Isso é feito comumente em todos os casos em que há razoáveis preocupações concorrenciais – disse Badin.

Badin lembrou ainda que a crise financeira não deve servir de justificativa para fusões empresariais que prejudiquem os consumidores, mesmo que isso signifique fortalecimento mundial da atuação dessas empresas. "Nem crise, nem globalização justificam sacrifício aos consumidores e a concorrência interna significa ganho de eficiência para as empresas também no mercado externo", afirmou Badin, sem citar diretamente a recém-anunciada fusão da Sadia e da Perdigão, que resultou na Brasil Foods (BRF) empresa que se tornará uma das maiores exportadoras brasileiras.
 
A BRF quer agir com rapidez
No dia 22 de maio, representantes da Sadia e da Perdigão apresentarão, informalmente, aos conselheiros do Cade o modelo da operação. De acordo com relatório da corretora Santander, as maiores concentrações resultantes da fusão ocorrem no mercado de massas prontas (quase 90%) e no segmento de pizzas semiprontas (70%).

Os executivos da nova empresa ainda deverão se reunir com representantes da SDE (Secretaria de Direito Econômico) e da Seae (Secretaria de Acompanhamento Econômico), que realizarão a instrução conjunta do processo de fusão. Formalmente, as companhias têm até o dia 9 de junho para registrar a operação no Cade  e nos demais órgãos reguladores. É comum que executivos de grandes empresas que se unem queiram esclarecer o conselho pessoalmente sobre as operações.

Em paralelo à pressa na apresentação dos documentos, a BRF já constituiu uma tropa de choque de especialistas para o embate no Cade. A Perdigão contratou o escritório Fontes, Tarso Ribeiro Advogados, do ex-ministro da Justiça e ex-titular da SDE Paulo de Tarso Ribeiro, que será assessorado pelo economista Jorge Fagundes, da UFRJ. Pela Sadia, foi destacada a advogada Barbara Rosenberg, do escritório Barbosa, Mussnich & Aragão, que será assessorada pela ex-presidente do Cade Elizabeth Farina, hoje sócia da Tendências Consultoria.
 
Fusão pode afetar cesta básica, dizem especialistas
A criação da BRF, na verdade a venda da Sadia à Perdigão, lembra em muitos aspectos a da AmBev, união de Brahma e Antarctica. Como naquele caso, haverá a junção de marcas muito populares, com inevitável concentração de mercado em certos produtos. Mas, para especialistas, agora há uma diferença essencial: em vez de cerveja, a BRF terá muito poder de influir nos preços e na oferta de produtos da cesta básica, como frango e carnes processadas.
 
Bibliografia
Jornal do Brasil de 22 de maio de 2009
Jornal Valor Econômico de 22 de maio de 2009
Jornal O Globo de 22 de maio de 2009
Jornal Folha de São Paulo de 22 de maio de 2009