A noiva de Alphonsus
Por Rafael Henrique de Matos | 31/08/2016 | LiteraturaPor Rafael Henrique de Matos
Introdução
Nascido em 1870 e tendo vivido até o ano de 1921, Afonso Henriques da Costa Guimaraens foi um poeta que desenvolveu seu trabalho no período compreendido entre 1880 e 1920, que é considerado como período Pré-Modernista. Esta classificação acaba por incitar uma impressão de ser este um período estéril em relação ao seu sucessor, o período Modernista, porém este é um período de florescente atividade literária na qual se insere o Simbolismo.
Tendo inicio com Baudelaire e posteriormente continuado com obras de Valéry, Verlaine e Mallarmé, este novo tipo de criação artística converteu a poesia numa atividade intelectual em vez de emocional[1]. A nova forma de produção e construção poética ia contra os preceitos das escolas Realista e Parnasiana, em que a construção de imagens se da objetivamente e o publico leitor tem base nas grandes massas. O anseio daqueles que hoje consideramos Simbolistas era apresentar a poesia em sua face subjetiva e sugestiva, completamente diferente das concepções correntes na época.
Os simbolistas não buscavam satisfazer desejos pré-existentes, mas conquistar e criar leitores que pudessem compreender esta nova sofisticação no modo de apresentar a poesia[2].
É nesse cenário que Alphonsus irá desenvolver seu trabalho, partilhando com seus colegas essas características de subjetividade e sugestividade o poeta irá desenvolver poemas cheios de misticismo, espiritualidade e com influências de poetas franceses (como Verlaine) na composição de um lirismo próprio estruturado em torno de temáticas de morte e amor, com aspectos de musicalidade e estruturação formal.
Será através do poema Noiva, de Guimaraens, que iremos viajar tanto nos aspectos composicionais próprios do poeta quanto nas características da escola literária a qual este se liga.
A composição formal
Os poemas de Alphonsus possuem duas características distintas: de recuperação e de renovação.
- A) De Recuperação
O poema de número IV de Dona Mística é composto por treze estrofes, contendo cada uma quatro versos de rimas pares (os versos rimam entre si 1/3; 2/4, mas não com os de outras estrofes) e configuração alexandrina.
Isto nos evidencia alguns contatos evidentes entre parnasianos e simbolistas[3] . Assim como os poetas do parnaso os simbolistas primavam por versos e estrofes bem estruturados, não aderindo ainda aos versos livres como fizeram os modernos. Observemos uma passagem de Olavo Bilac:
Assim! Quero sentir sobre a minha cabeça...
O peso dessa noite embalsamada e espessa
Que suave calor, que volúpia divina
As carnes que me penetra e os nervos me domina![4]
Vemos aqui como também era da predileção dos parnasianos o uso do verso alexandrino e também como, de certa forma, havia um pouco de simbolista nos parnasianos (pela influência do poeta Baudelaire).
- B) De Renovação
Porém, completamente diferente dos poetas anteriores, o uso das palavras e a organização do texto não primava à apresentação ou descrição direta de um objeto. A poesia é escrita com uma carga subjetiva muito maior e assim o espaço da descrição é substituído pelo espaço da sugestão:
Noiva...minha talvez...pode bem ser que o sejas(...) (estrofe 1)
Parece que um hinal de suaves litanias (estrofe 8)
Acompanha tua voz (...)
Quero abraçar-te e nada abraço... (estrofe 13)
Observamos nos trechos acima como o poeta nunca aborda diretamente o objeto (talvez, parece, nada abraço), fazendo com que o leitor tenha que, de certo modo, decifrar a poesia. Nada lhe é dado de graça, e por isso podemos compreender o motivo pelo qual não foi Simbolismo recebido pelo entendimento (...) mas sim com hostilidades[5] .
Através desse recurso de sugestão a mística em torno do poema ganhava ares maiores, contribuindo assim na estruturação do objetivo simbolista: retirar o publico da comodidade que a ótica parnasiana havia estabelecido e inserir uma filosofia do inconsciente[6] que buscava o transcendental na descrição incomum dos fatos cotidianos.
Além disso, Alphonsus buscava também, através da manipulação dos versos alexandrinos e rimas, a implantação de um ritmo musical no poema. Também fazia uso de aliterações e assonâncias para tal fim, como nos trechos: Há tanto tempo que te espero (estrofe 3), olhar de eterna aurora (estrofe 4), vindo de novo (estrofe 4).
A temática e estrutura: Alphonsus como um poeta único
Anteriormente pudemos observar as características que faziam de Alphonsus um poeta simbolista e também um pouco parnasiano. Porém suas influências não o limaram de sua particularidade. Suas experiências pessoais deram a ele uma carga de inspiração na formulação de suas poesias, principalmente a morte de sua noiva e prima Constança.
Os espaços místicos e religiosos que tem grande presença em seus poemas se misturam as temáticas de amor e morte provenientes de sua vida privada.
Noiva...minha talvez...pode ser bem o sejas.
Não me disseste ao certo o dia em que voltavas
O céu é claro como o teto das igrejas:
Vens de lá com certeza(...)
Acima temos a primeira estrofe do poema. Podemos perceber já nestes quatro versos a junção de todos os elementos composicionais de Alphonsus: a noiva (como retrato de amor e morte), a igreja (espaço religioso) e o céu (espaço místico). Durante todo o poema encontraremos mais exemplos destes espaços:
- Religiosos: manto, hinal, litanias, túnica nupcial, do altar.
- Místicos: eterna aurora, o sol era morto, de um astro, corpo de neve.
Outro aspecto distintivo do poeta é sue trato com as palavras, o idioma em suas mãos é um instrumento dócil, fino e riquíssimo[7] , ou seja, o uso de formas arcaicas em suas composições (ou até mesmo em seu próprio nome) vem como ferramenta adicional na construção de suas características poéticas, no reforço a este universo de mistificação da poesia:
O peristilo arcual da tua boca se move (...) (estrofe 7)
Parece um hinal de suaves litanias (...) (estrofe 8)
A estrutura de Noiva
Composto por treze estrofes alexandrinas o poema parece se dividir em três momentos: o espaço do abstrato (estrofes 1 a 7), o espaço da materialização (estrofes 8 a 12) e o choque entre as duas realidades levando à uma conclusão final (estrofe 13).
- A) o abstrato:
Durante as estrofes de um a sete a presença e imagem da noiva faz parte do mundo imaginário:
E bem se vê que algum excelso vulto branco (...) (estrofe 2)
Vejo-te a imagem tão destacada no fundo
Deste meu sonho (...) (estrofe 5)
(...) o ar impalpável pisas. (estrofe 6)
Predominam aqui imagens relacionadas ao imaterial e impalpável quando o poeta se refere à imagem da noiva, ao espírito da noiva.
- B) A materialização
Então, a partir da oitava estrofe, temos uma reviravolta: as imagens associadas à noiva transmutam ao caráter físico.
Parece que um hinal de suaves litanias
Acompanha a tua voz nas palavras que soltas (...) de olhar azul tu voltas. (estrofe 8) Vens de grinalda branca (...) (estrofe 10)
Agora o Eu lírico não presencia apenas sinais, ele consegue realmente descrever a noiva, vê-la e ouvi-la.
- C) O choque entre realidades
Mas, na décima terceira estrofe, o sonho do poeta se desfaz. O confronto entre os dois mundos (abstrato e material) o conduz a uma triste conclusão: a impossibilidade de contato com a pessoa amada, pois esta não passa de um sonho. Presenciamos aqui o choque entre o amor objetivo e o amor pelo sobrenatural, uma característica do paradoxal Alphonsus, místico e realista ao mesmo tempo[8].
Quero abraçar-te e nada abraço...O que me assombra
É que te vejo e não te encontro com os meus braços
Morta, beijei-te um dia: hoje tu és uma sombra
Exilada no céu para seguir-me os passos.
Além de uma conclusão final sobre as angústias do poeta em relação às memórias de sua amada e seu remanescente amor que persiste, podemos tirar dessa última estrofe uma sugestão do que se trataria uma poesia simbolista: algo que não podemos abraçar (depreender a partir de conclusões objetivas) e que se encontra exilada e vigilante (além do gosto popular, mas a procura de leitores que a apreciem).
Conclusão
Analisando um pouco da obra de Alphonsus Guimaraens e refletindo sobre as características simbolistas podemos perceber como realmente o período Pré-Moderno foi palco de grandes renovações e de modernidade.
Através da analise do poema Noiva podemos perceber como a modernidade já começava a se instaurar na literatura brasileira, não apenas os modernistas de 1922 romperam com estruturas estáticas com ajuda das vanguardas européias. Os simbolistas também estavam conectados aos acontecimentos além mar e promoveram uma ruptura no conforto que era proporcionado pelo Parnasianismo.
Devemos assim buscar refletir sobre o real espaço que o Simbolismo (e até Parnasianismo) ocupa na literatura brasileira, não apenas como “preenchedora” de um período de preparação, mas como agente de mudanças enquanto participante de um conflito e ruptura literários na conformação e afirmação de novos conceitos, de conceitos modernos.
Bibliografia consultada
- Poesia completa – Alphonsus de Guimaraens (organização Alphonsus de Guimaraens filho)
- Antologia da poesia simbolista e decadente brasileira – prefacio de Francine Ricieri
- Paráfrase de Baudelaire – Olavo Bilac
Referências
[1] Ricieri, pg.18
[2] Ricieri, pg.22
[3] Ricieri, pg.28
[4] Paráfrase de Baudelaire, Olavo Bilac
[5] Alphonsus Guimaraens , pg.15
[6] Alphonsus Guimaraens , pg.16
[7] Alphonsus Guimaraens , pg.19
[8] Alphonsus Guimaraens , pg.24