A NECESSIDADE DE UMA SÓ RELIGIÃO

Por João Valente | 03/04/2010 | Religião

A NECESSIDADE DE UMA SÓ RELIGIÃO

O dilema de ninguém saber mais qual caminho seguir num mundo com tantas religiões quantas são as estrelas do céu

Estamos em um mundo plural, multifacetado e confuso. Se no meio científico a ambigüidade e a dúvida são a regra, no meio popular, então, nem é preciso apontar. Quase como uma rejeição própria da Lei de Murphy, a pós-modernidade vem proclamar a "Era da Incerteza" de Galbraith, e só quem a está assistindo, com a humildade e a atenção límpida de que falava Luiz Carlos Lisboa, consegue entender, em parte, a eclosão e a profusão de neuroses e distúrbios mentais na sociedade atual.

Com base nessa ambigüidade genérica, tratamos aqui apenas a questão religiosa do mundo. Ora, se a pluralidade negativa da dúvida, inoculada contra todas as áreas do conhecimento humano (como se o universo inteiro conspirasse contra a mente humana e dissesse "vocês não podem saber tudo"), deve ser vista como prejudicial ou desastrosa para a evolução da humanidade, o que não dizer da dúvida injetada dentro da consciência religiosa ou do espírito místico humano? Com efeito, o quão descomunal não será o dano causado ao Cristianismo pela avalanche de religiões, seitas e denominações "cristãs" da atualidade? Talvez poucos vejam até onde vai ou certamente nem os próprios "líderes" cristãos se dão conta do colossal prejuízo provocado pelo pluripartidarismo religioso, ou do pluridoutrinarismo, tal como na política uma profusão hiperbólica de partidos não é vista como boa pela maioria dos cientistas políticos. Entretanto, como a pluralidade também centuplicou as dúvidas, é oportuno registrar que muita gente boa defende a idéia de "quanto mais dúvida melhor", alegando que a dúvida é o único exercício mental livre dos efeitos colaterais da preguiça (embora haja preguiças mentais que se nutrem da manutenção eterna da dúvida, como forma de evitar o avanço).

Claro que a dúvida, até certo ponto, é muito boa, e nós que cremos em Cristo não podemos nos esquecer de que todo mistério é pai e filho da dúvida, vez que há dúvidas que criam mistérios e mistérios cuja existência depende das dúvidas que cria. Porém há uma certeza bastante segura na área religiosa: é que seria muito mais fácil distinguir qual a religião fundada por Cristo se houvesse apenas um único ramo de Cristianismo! Disto ninguém tem dúvida. E esta certeza pode "chamar" uma outra, cujo dilema discuto agora.

Todas as denominações e credos cristãos sabem, com absoluta certeza, que todos os seres humanos são pecadores, ou que ninguém é santo, independente da fórmula soteriológica adotada por cada credo para a salvação das almas. I.e, tanto os credos que defendem apenas a fé em Cristo como fórmula salvadora quanto aqueles que somam "fé + caridade", sabem que "pecador é pecador", e que ninguém pode se enganar com a malícia e com a corruptibilidade da natureza humana (pois nem mesmo Cristo se deixava enganar por ela – Jo 2,23-25).

Assim sendo ninguém deveria, a rigor e teoricamente falando, confiar em ninguém, porque, sendo pecadores, cada um sabe o quão enganosa pode ser a alma humana, sobretudo quando se sente ameaçada na luta pela sobrevivência. A própria Bíblia diz coisas terríveis a este respeito, tais como "maldito o homem que confia no homem"; "seja Deus verdadeiro e todo homem mentiroso"; e "não há um justo sequer" (Jeremias 17,5; Romanos 3,4 e 10).

Ora; pecador é pecador; nisto eu e você concordamos. E todo pecado é uma forma de falsidade. Logo, todo pecador tem algo de falso ou hipócrita dentro dele. I.e, um pecador não é flor que se cheire!: Enquanto subsistir o pecado, todas as relações humanas devem sempre pressupor que se mantenha uma pulga atrás da orelha, como fórmula mínima de segurança (claro que se você encontrar por aí algum santo, pode confiar cegamente nele! Mas lamento ser forçado a acreditar que uma pessoa assim só existe no Céu).

Ora; sendo cada um de nós "um enrolão assumido ou um enrolão em potencial", a pregação religiosa, que tem como centro a conversão das almas, não deveria jamais propor nada além do objetivo precípuo da pregação, a saber, a conversão da alma. Porquanto se a pregação incluir a exigência de qualquer outro tipo de mudança – que possa opacificar, obscurecer, complicar, comprometer (com compromissos outros) – ou promover qualquer desvio da atenção do pecador do objetivo principal da mensagem, a "enrolação interior" ou subconsciente do pecador irá despertá-lo de imediato, para que ele responda negativamente ao apelo, já que o seu pecado oculto apenas deseja a pseudoliberdade de viver sem qualquer compromisso ou responsabilidade que confronte a sua soberania ou desentronize a sua vontade. Sentiu o drama?

Bem. Isto tudo significa que se uma alma for a uma igreja e esta fizer uma pregação de salvação que inclua uma mudança que vá além da conversão da alma, ou que inclua, p.ex., uma mudança DE RELIGIÃO, o ouvinte-pecador não irá mudar jamais, ou melhor, não atenderá ao desejo de Deus, que é a mudança interior de seu coração, e, em nome da mudança de religião – que às vezes fere até os brios religiosos dele e de sua família – dará a desculpa esfarrapada de que a tal mensagem estava errada porque era apenas proselitismo e nada mais! Se a pregação incluir também outras mudanças, como mudança de hábitos (bebidas, fumo, etc.), tudo isto só atrapalhará a visão do foco principal e criará um pretexto para afugentar a alma desejada por Deus.

Ora; como Deus deseja "apenas" a conversão do coração, uma mudança tão brusca que a Bíblia comparou a trocar um coração de pedra por um de carne, quando uma igreja faz a pregação e deixa escapulir a idéia de que era preciso uma mudança também noutras áreas (principalmente uma mudança de religião), a desonestidade predominante no interior das almas grita e diz que tal mudança é impossível, sendo tal grito, na maioria das vezes, uma grande mentira, pois o que aquela alma não queria mesmo era mudar de vida, e não de religião! É somente uma desculpa furada, desviando o foco da negação para algo exterior, isto é, uma outra igreja, embora o apelo pretendia atingir a alma para a mudança salvadora, a mudança de vida.

Isto levanta um terrível dilema. A saber: o mundo precisaria ter apenas uma única igreja cristã para que a pregação fosse bem clara e endereçada exclusivamente para a mudança interior, sem jamais deixar dúvida quanto a outras exigências. Porém é justamente aqui que o nó se aperta em três pontas. Vejamos:

Primeira. Como todos são pecadores, todos são, teoricamente, enrolões. Isto inclui também os religiosos e, infelizmente, as lideranças religiosas. Até mesmo o leitor e este autor estão incluídos nesta denúncia, e se nós não tivermos vergonha na cara, tudo isso será literalmente um "sermão aos peixes" (Rm 10,16). Este texto só seria útil a olhos santos.

Segunda. A salvação de uma alma depende também de uma mudança de conduta moral. Seum enrolão perguntar se esta mudança moral pode ser evitada, o que o pregador deveria responder para não afugentar aquela alma?... Temo que seja impossível evitar a fuga, e que a Palavra de Deus seja, em sua essência, desagradável e contrária às "liberdades" humanas. Deve-se pregar falando de "liberdade com responsabilidade" (Mt 5,48).

Terceira. E se houver uma igreja única? Este drama se encerra com ela? Bem. Com exceção da mudança moral, uma igreja única evitaria a desculpa esfarrapada da mudança de religião, a qual é dada, p.ex., para protestantes quando pregam uma saída da igreja católica. Contudo, existiria uma igreja que possa reivindicar a prerrogativa de merecer o posto único? Novamente o nó se aperta. Vamos analisar isto. Para merecer tal prerrogativa, esta igreja única teria que ter/ser:

1 – Não apenas a mais antiga de todas, mas ter surgido da contemporaneidade de Jesus;

2 – Estar espiritual e literalmente afinada com a Palavra de Deus;

3 – Contemplar todas as possibilidades hermenêuticas favoráveis aos mistérios e certezas abrangidos ou permitidos pelos textos sagrados, o que exigiria, talvez, que ela tivesse um governo democrático, único capaz de "ouvir bem" os contrários...

O pior é que estas são prerrogativas que, se não existirem, precisamos inventá-las com urgência. Qual a opinião deste autor? Vou transmiti-la agora, mas o leitor não pode, em nenhum momento, se esquecer de que sou um pecador, e, portanto, nada impede que eu esteja enganado.

Acho que poderíamos começar de onde paramos. Ou seja, tentar aproveitar o que temos. Se a humanidade tentasse recriar tudo a partir de uma igreja nova, extinguindo todas as atuais, temo que os prejuízos seriam muito maiores. Quando alguém, mesmo um líder religioso extremamente respeitado (como um Papa, p.ex.), surgisse com a idéia de extinguir sua própria igreja para que os demais líderes também o fizessem (e admitindo que todos assim agissem), inúmeros problemas surgiriam. Senão vejamos:

1o) Quem renunciaria à sua opinião para criar uma igreja nova? (Digo isso porque há líderes religiosos cujas idéias são tão absurdas que eles simplesmente teriam que "trocar de cérebro", por assim dizer; então, será que eles reconheceriam os absurdos e acatariam tal idéia?);

2o) As almas leigas ou não-religiosas, na opinião de alguns, ou as almas perdidas, na opinião de outros, não iriam também reivindicar para si o direito de criar sua própria religião, já que são tão pecadoras quanto as almas religiosas? Ou pior, não teriam elas ainda melhor desculpa diante da extinção de todas as igrejas, e diriam: "ora, por que nós deveríamos nos filiar a uma igreja dessas, quando os seus próprios líderes não se entendem? E se as suas igrejas eram boas, por que foram extintas? Não seria a religião apenas um modismo humano e não-divino?", etc.

Como o leitor pode ver, o problema é muito mais complexo do que podemos imaginar. "Nós não temos governo; estamos num planeta desgovernado", já dizia um grande oráculo, referindo-se aos prejuízos espirituais da ausência de um comando divino no mundo. Porém, mesmo se um anjo fosse o líder, quem iria acreditar nele? Não são os anjos aqueles que mais tememos por seu histórico de Queda? Não deixou a própria Bíblia uma dúvida terrível sobre a liderança e a capacidade de disfarce dos anjos? (Leia 2 Co 11,14 e Gl 1,8). Quem se atreveria a confiar neles? Quem de nós poderia enxergar o coração de um anjo?

Por isso, minha opinião é que a única solução (embora também falha), antes que o próprio Deus retorne e aponte os seus eleitos, é aproveitar algo que já temos, a Igreja Católica. As razões são as seguintes:

1a) A IC é a mais antiga igreja cristã que o mundo conhece;

2a) A IC pode ter sido, de fato, fundada pelo próprio Cristo, se formos honestos para utilizar todas as suas leituras hermenêuticas confirmadas pela lógica;

3a) A IC convive bem com uma série de teologias não-autorizadas, embora esteja fincada sobre um governo único e não-democrático (é bom lembrar que tal governo segue o modelo de governo do próprio Reino de Jesus);

4a) A IC prega e sustenta o mistério como fonte primeira e última de todo o conhecimento humano, o que é indispensável para contra-atacar a desonestidade íntima de todos os pecadores, sobretudo de outros líderes religiosos;

5a) A IC propõe uma espiritualidade que, ao mesmo tempo, abrange a matéria e o espírito, e a um só tempo liberta e conduz pelo pulso todo pecador que quiser ser uma pessoa responsável.

6a) A IC tem um credo definido e um catecismo extenso para explicá-lo, bem como uma liderança única em matéria de fé, o que, embora limite muito a liberdade de pensamento, dá a segurança de contar com uma bússola, um norte espiritual, pelo qual todos caminham para o Alto.

Finalmente, o que o leitor acabou de ler é apenas a opinião deste autor, e se você estivesse, antecipadamente, sem qualquer intenção de mudança em sua vida, nós dois perdemos um tempo enorme. Mas se o leitor leu este artigo justamente porque já estava tocado por Deus, então isto pode significar uma ótima oportunidade para mudar o mundo a partir de você, como ensinam todas as religiões.

Prof. João Valente de Miranda.

(<eatjvs@gmail.com>).