A MULHER NO BARROCO PORTUGUÊS

Por Juliana Treicha Toledo | 24/03/2011 | Literatura

PALAVRAS-CHAVE: Mulher, Amor, Barroco.
O Barroco iniciou-se em 1580, quando Camões morre e Portugal perde sua autonomia para a Coroa espanhola. No Barroco, os poemas, como lembra Douglas Tufano, apresenta características como: "o racional X o irracional, o carnal X o espiritual, a idealização X a concretização, o uso de recursos estilísticos e o surgimento do cultismo e conceptismo" (TUFANO, 1981, p. 124-125). A partir destas características, será analisada, a mulher nos poemas barrocos.
A mulher barroca é descrita nos poemas como alguém dual, incapaz de receber somente elogios, pois neste período passa-se a perceber o outro lado feminino, aquele que não é apenas positivo, mas também negativo, acabando-se, assim, com a concepção da figura do ser perfeito. É comum, ao Barroco, mostrar a dualidade ? os dois pólos opostos -, em que nada é tão positivo, nada é tão negativo, tudo tem os dois lados.
Sempre mostrada em termos de excelência, a mulher foi vista como um ser desejado pela beleza do seu corpo e cujos atributos superavam tudo quanto à natureza pudesse oferecer de belo. Se, por um lado, a mulher barroca foi apresentada como exemplo de beleza, paradoxalmente, ela tornou-se alvo, também, de críticas. Deste modo, salientaram-se algumas imperfeições e defeitos físicos, e alguns vícios repulsivos, como a ganância por dinheiro e a ambição desmedida. A licenciosidade de certas mulheres também não escapou ao reparo dos poetas.
O amor idealizado, de raízes cortesãs e trovadorescas, que atingiu grande expressão, desceu ao nível do carnal, capaz de levar à ruína o homem mais cauteloso. Este tipo de comportamento atingiu todas as camadas sociais e chegou mesmo a penetrar na vida conventual. Em suma, numa época de fortes tensões, a sociedade barroca caracterizou-se pela primazia concedida ao prazer dos sentidos e à realidade concreta, privilegiando acima de tudo o desfrutamento do momento presente. No entanto, o homem barroco estava consciente do caráter efêmero da beleza feminina, pois, para ele, a morte é a lei universal, em que nem sequer a mulher mais perfeita pode escapar.
Baseado nisto, este artigo tem por finalidade analisar os poemas "A uma crueldade formosa" e "A uma trança de cabelos negros", ambos de Jerônimo Baía, em relação a sua temática feminina, mostrando suas diferenças e semelhanças em como vêem a figura da mulher.
No poema "A uma crueldade formosa", o eu-lírico descreve a amada como sendo uma mulher bonita e cruel, em que começa elogiando seu físico, e conforme vai caracterizando seus sentimentos, os elogios vão decaindo, como pode ser visto a seguir: "A minha bela ingrata/ Cabelo de ouro tem, fronte de prata,/ De bronze o coração, de aço o peito" (v. 1-3). Neste trecho, fica claro que para o eu-lírico os sentimentos desta mulher são de menos valores do que o físico, pois, primeiro, ele diz que o cabelo dela é de ouro, depois o rosto de prata, ou seja, o cabelo (ouro) tem mais valor do que o rosto (prata). Depois, ele fala dos sentimentos dela, citando o coração de bronze e o peito de aço, na qual são metais de menores valores do que os metais citados para o corpo.
No poema "A uma trança de cabelos negros", a mulher amada, também, oscila entre o positivo e negativo, porém, diferentemente da mulher anterior, pois, a primeira, apresenta o sentimento negativo e o físico positivo, já a segunda, apresenta o sentimento positivo e o físico negativo, na qual é descrita como sendo negra, mas que tem uma beleza rara, conforme a seguir: "Luto por negra, por vistosa gala, / Nas cores noite, na beleza dia" (v. 3-4).
No segundo quarteto deste poema, o eu-lírico deixa explícito que o fato da amada ser negra é algo negativo, mas que, mesmo sendo negra, ele a ama por suas qualidades, independentemente, de sua cor. Nos versos "Negra, porém de amor na monarquia / Reinais senhora, não servis vassala" (v. 5-6), é dito que, mesmo esta mulher ser negra, para o "eu" ela é, metaforicamente, a rainha de seu coração e não uma simples vassala, devido a ser negra, escrava e pobre. Em "A uma crueldade formosa", o "eu" descreve a parte física da mulher amada como algo muito belo: moça de cabelos loiros, pele clara, olhos azuis, boca vermelha, porém seu coração, para a tristeza do eu-lírico, é algo ruim, devido a ser resistente aos sentimentos, pois como ele a ama, gostaria também de ser correspondido.
Como se pode perceber, este poema mostra, na descrição da moça, a composição do branco e vermelho em suas várias modalidades e consistências, presentes na sua pintura, na qual representam a pureza e a sexualidade (a prata, a pérola, o alabastro, o jaspe e o rubi), e estas cores fazem parte da pintura da mulher barroca, junto com o preto, que, porém, não aparece neste madrigal. No entanto, no soneto "A uma trança de cabelos Negros", aparece, sim, a cor preto na pintura da mulher (o negro, a noite, a tristeza, a sombra, o luto), que representa o lado ruim da amada, e como no poema anterior, aparece também, o branco, na qual representam o lado bom (o dia, a alegria, a gala, a luz) e o vermelho, aqui, fica de fora. Com isto, conclui-se que em "A uma crueldade formosa", o eu-lírico utilizou o branco para mostrar o puro e o vermelho para o desejo carnal, e em "A uma trança de cabelos Negros", o eu-lírico utilizou o branco para, também, mostrar o puro e o preto para falar da mulher negra, porém não utilizou o vermelho, devido a não ter o desejo carnal.
No fim do poema "A uma crueldade formosa", o eu, como lembra MOISÉS (1994, p. 163), faz uma pergunta retórica ao Cupido, pois ao mesmo tempo em que pergunta, também afirma ao Cupido que ela é bonita tanto quanto cruel: "Que muito, pois, Cupido,/ Que tenha tal rigor tanta lindeza,/ As feições milagrosas,/ Para igualar desdéns a formosura,/ De preciosos metais, pedras preciosas,/ E de duros metais, de pedras duras?" (v. 12-17). A amada é bonita e preciosa no físico, assim como as pedras e os metais, apesar de que, também, é como as pedras e os metais em relação aos sentimentos ? dura, fria e cruel. Então, nos versos finais, é mostrado que esse conflito do eu-lírico será eterno, em que ele nunca poderá ter esperanças, pois sabe que a amada nunca irá mudar.
No poema "A uma trança de cabelos negros", nos dois últimos tercetos, o "eu" volta a repetir que a parte física da moça é negativo, sem valor, como fala neste trecho: "Negra, noite, tristeza, sombra, luto" (v. 11), mas, ao contrário do poema anterior, os sentimentos e o caráter da negra são: "Dia, gala, alegria, luz, senhora?" (v. 14), verso em que também é feito uma pergunta retórica, pois para o eu-lírico é impossível que alguém duvide da essência desta moça e que não se apaixone por ela, assim, como ele também se apaixonou. Diferente do outro poema, a condição da amada não traz conflito para esse eu-lírico, pois para ele o que vale são os sentimentos e a idealização do amor.
Por fim, pode-se concluir que, em ambos os poemas, por meio da descrição que o eu-lírico faz da amada, aparecem apenas determinadas partes do corpo feminino, aquelas permitidas pelo recato, porém as comparações que ele faz não são apenas elogios, o eu mostra, também, o lado negativo da mulher, ou seja, mostra a mulher barroca, aquela que apresenta os dois pólos opostos.
Em "A uma crueldade formosa", a mulher é apresentada como tendo o físico positivo e o sentimento negativo e isso traz muita tristeza para o eu-lírico, pois ele parte da filosofia do culto à beleza e à perfeição, na qual diz que quem é belo é também bom de coração, mas, para o sofrimento do eu, a amada é barroca, em que não condiz com a beleza igual à bondade. Isto faz com que o eu-lírico em alguns momentos seja irracional, pois como nos versos "Por quem choro e suspiro,/ Desfeito em cinza, em lágrimas desfeito" (v. 5-6), em que ele se mostra em conflito, melancólico e triste, em que seu desejo não é apenas o amor cortês, mas também, a união entre a alma e a carne, isto é, que o sexo traga uma felicidade espiritual e satisfação carnal. E, em "A uma trança de cabelos negros", a mulher é apresentada como tendo o físico negativo e o caráter positivo, e, isso, não é um problema para o eu-lírico, pois ele a ama, independente, de sua cor. O eu é racional diante dos sentimentos, devido ao seu amor ser, simplesmente, cortês, na qual existe apenas a idealização da amada.
E estas diferentes maneiras de ver a amada, são refletidas na pintura de cada uma, pois em "A uma crueldade formosa", há a composição do branco e vermelho em suas várias modalidades e consistências, na qual representam a pureza e a sexualidade. Porém, no poema "A uma trança de cabelos negros", é utilizado o branco e o preto, em que representam o lado bom e o lado ruim, comprovando assim, que nestes dois poemas, há diferenças e semelhanças na maneira de como é vista e desejada a mulher barroca.

REFERÊNCIAS
MOISES, Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. São Paulo: Cultrix, 1994.
TUFANO, Douglas. Estudos de literatura portuguesa. São Paulo: Moderna, 1981.
WIKIPÉDIA. Barroco. Disponível em www.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_barroca. Acesso em 10 out. 2009.