A mudança do perfil nutricional do brasileiro nas últimas décadas

Por Alice Meira Gomes Dórea | 10/08/2016 | Sociedade

RESUMO

Este artigo discute a mudança do perfil nutricional do brasileiro e a influência da publicidade, com destaque para a mídia televisiva, no que concerne ao consumo de produtos alimentícios de pouco valor nutricional e as consequências para a saúde. Com base nas comparações dos resultados dos últimos censos constata-se que a população brasileira vem aumentando de peso nas últimas décadas. A publicidade e o marketing de produtos alimentícios pouco saudáveis podem estar contribuindo para provocar mudanças importantes na dieta nutricional das pessoas e em longo prazo contribuir para o sobrepeso e obesidade na população. Verificou-se a necessidade de uma reforma na política de alimentação e nutrição com o objetivo de alterar o perfil nutricional da população para as próximas décadas.

INTRODUÇÃO

A prevalência de excesso de peso e obesidade na população infantil e adulta aumentou acentuadamente nas últimas décadas nos países desenvolvidos e naqueles em desenvolvimento, tornando-se uma epidemia mundial de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) (CABALLERO, 2007; PRENTICE, 2006; RODRIGUES, 2011).

Os dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostram que no Brasil, em 2009, uma em cada três crianças de 5 a 9 anos estava acima do peso recomendado pela OMS. Nos anos 1974-75 a obesidade atingia 6% dos meninos das famílias de maior renda, subindo para 23,6% em 2008-09. Na população masculina entre 10-19 anos de idade o excesso de peso passou de 3,7% entre 1974-75 para 21,7% entre 2008-09. Já na população feminina entre 10-19 anos o excesso de peso saltou de 7,6% para 19,4% de 1974-75 para 2008-09. Na população de homens adultos (de 20 anos ou mais) o excesso de peso saltou de 18,5% nos anos de 1974-75 para 50,1% em 2008-09. Já na população feminina adulta, o excesso de peso subiu de 28,7% em 1974-75 para 48% em 2008-09. O aumento da obesidade aumentou mais de 4 vezes na população masculina adulta, de 2,8% para 12,4% e mais de duas vezes na população feminina adulta, de 8% para 16,9% (IBGE, 2012).

PRINCIPAIS FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A MUDANÇA NO PERFIL DE PESO DA POPULAÇÃO

Os fatores considerados preponderantes para a mudança no perfil de peso da população não somente a brasileira, mas a mundial são: a globalização, que causa uma maior semelhança na dieta a nível global, com consumo predominante de alimentos industrializados com elevados teores calóricos (RODRIGUES, 2011); a urbanização, com consequente redução de espaços públicos para atividades físicas e aumento da violência, que gera insegurança e faz com que a população substitua as atividades físicas de lazer ao ar livre por atividades sedentárias em casa (ABBES et al., 2011); o pouco tempo para as refeições ou o excesso de atividades ligadas à jornada de trabalho, resulta na opção pelo fast-food (LOBSTEIN et al., 2004) que geralmente é um junk-food ou comida lixo, na tradução literal; as novas tecnologias que contribuem para o conforto e consequente inatividade, como por exemplo, maior utilização de veículo automotivo, escada rolante, elevador, controle remoto, televisão, microcomputador, vídeo game, entre outras.

A modernização aumentou o comércio de alimentos industrializados, e seu consumo é amplamente incentivado pela mídia, caindo no gosto da população devido seu sabor, comodidade e praticidade. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) no congresso World Nutrition Rio2012 considerado o maior do mundo em nutrição e políticas públicas afirmou que o aumento do consumo de produtos alimentícios industrializados é uma das principais causas do acelerado aumento do percentual de obesos no Brasil e no mundo (WORLD, 2012).

CONSEQUÊNCIAS DO EXCESSO DE PESO E OBESIDADE

O crescente aumento da obesidade na população brasileira nas últimas décadas é um fato preocupante, pois, além de ser considerado um grave problema de saúde pública, com aspectos negativos para a saúde da população, pode sobrecarregar o sistema público de saúde além de trazer consequências sociais e econômicas para o governo com a persistência da obesidade na vida adulta. Um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) revelou que o tratamento de doenças provocadas pelo excesso de peso e obesidade custam US$ 2,1 por ano aos cofres públicos (BAHIA et al., 2012).

Existem diversos estudos que mostram que o excesso de peso está associado a doenças crônico-degenerativas e consequentemente redução da qualidade de vida não apenas em função de problemas fisiológicos, mas também a problemas psicológicos devido à baixa autoestima. O excesso de peso e a obesidade estão relacionados a diversas doenças crônicas, tais como, hipertensão arterial, dislipidemia, diabetes, hipercolesterolemia, apneia do sono, doenças renais, esteatose hepática, problemas ortopédicos, hormonais, psicossociais e câncer, as quais sobrecarregam o sistema público de saúde (GRANDE et a.. 2009; NGUYEN et al., 2010; CHALMERS et al., 2006; REILLY et al., 2003; KELLER et al., 2012). No caso da obesidade infantil existe grande probabilidade de se tornarem adultos obesos (RODRIGUES, 2011).

INFLUÊNCIA DA PUBLICIDADE NOS HÁBITOS DO CONSUMIDOR

Estudos mostram que o papel da televisão é relevante não apenas no sentido de que contribui para o sedentarismo nas horas de lazer, mas, por influenciar a lista de compras e consumo de alimentos industrializados hipercalóricos através do poder de persuasão das propagandas (ANDERSON et al., 1998; LAKERVELD et al., 2011; (ZIYAGIL et al., 2011; EMERY et al., 2007)

  Neste sentido outras mídias também exercem esta influência, mas, é inegável que a exercida pela televisão é bem maior em função de maior contato com a população, até porque a persuasão televisiva envolve simultaneamente dois importantes sentidos do ser humano, a audição e a visão, aliando o som, a imagem, a cor e o movimento, de modo que desta forma prende mais a atenção e tem maior sucesso no envolvimento do consumidor, muitas vezes até trabalhando com a sua emoção.

A OMS considera a publicidade de alimentos industrializados hipercalóricos e lojas  de fast-food como um dos fatores concorrentes para a obesidade da população, principalmente a infantil. Neste contexto a publicidade de gêneros alimentícios dirigida às crianças é atualmente alvo de intensa discussão internacional (RODRIGUES, 2011).

De acordo com a Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO), em 1997, as crianças brasileiras passaram 3,9 horas por dia na frente da televisão. Outra pesquisa da UNESCO mostrou que crianças e adolescentes de vários países passam pelo menos 50% mais tempo na frente da TV do que realizando outra atividade fora da escola, tais como, estar com os amigos, realizar deveres de casa ou no convívio com familiares (PEREIRA JÚNIOR, 2002; AFFINI, 2004)

Segundo o IBOPE, as crianças brasileiras assistiram em média, 5,1 horas por dia de TV em 2009, mas, este número aumentou para 5,3 horas em 2011. Em 1 ano cada criança teria assistido a cerca de 40 mil propagandas. Outras faixas etárias também assistem em média 5 horas por dia de TV (ESPAÇO, 2012; IBOPE, 2012). Mas, o que é relevante é que este número de horas diárias que cada faixa etária passa na frente da TV está aumentando gradativamente.

Os brasileiros estão sujeitos à elevada frequência de exposição à publicidade, principalmente através da televisão, de alimentos de baixo valor nutricional, hipercalóricos e, geralmente com excesso de gordura, açúcar ou sal. As crianças e adolescentes formam o público mais frágil e influenciável por esta carga constante deste tipo de publicidade o que é observável nas suas preferências alimentares e nos seus pedidos de compras aos pais. Neste sentido a publicidade de alimentos de baixo valor nutricional enfraquece a eficácia da educação sobre bons hábitos alimentares, além de colocarem as crianças em risco de obesidade e doenças associadas (OPAS, 2012)

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