A MOTIVAÇÃO NAS DECISÕES JUDICIAIS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Por Carolina Argente de Almeida | 18/04/2013 | Direito

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância que a fundamentação das decisões judiciais em nosso ordenamento jurídico.

Motivar as decisões significa fundamenta-las, explicar as razões de fato e de direito que implicaram o convencimento do juiz. Para que uma decisão seja considerada motivada o magistrado deve além de indicar as normas legais aplicadas ao caso, exteriorizar o valor acerca das provas produzidas e fatos, finalizando seu raciocínio com decisão diretamente ligada à operação lógica realizada.

O dever de motivação das decisões judiciais foi positivado nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo de forma lenta e esparsa. Em um primeiro momento, a ideia de motivação dos atos decisórios servia apenas para verificar o tipo de raciocínio lógico utilizado no processo cognitivo desenvolvido pelo magistrado. Apenas depois da segunda metade do século XVIII que foi possível observar uma difusão maior deste principio nas legislações ocidentais.

A relevância histórica do dever de motivação e sua utilidade prática em um  Estado Democrático de Direito, deve ser observada e respeitada assim como o fez o legislador Constituinte, ao prever no artigo 93, inciso IX, que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, devendo ser fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade.

Tal dever atualmente previsto no texto Constitucional de 1988, antes inexistia em nosso ordenamento jurídico de forma expressa. Os doutrinadores e os aplicadores do direito eram obrigados a extrair a ideia deste principio de outros textos legais.

O princípio do dever de motivação das decisões judiciais é uma garantia da sociedade em geral, de modo que através das fundamentações apresentadas em uma decisão é possível fiscalizar e controlar os atos jurisdicionais visando principalmente monitorar atos de irresponsabilidade por parte dos magistrados.

 Em função da observância deste principio, permite-se a sociedade um meio de controle externo sobre a legalidade e a base de decisões proferidas. Elemento essencial de uma ideologia democrática.

A atividade jurisdicional do magistrado não se restringe apenas à aplicação da lógica da lei e, é por esse motivo que é necessário a fiscalização do controle das decisões proferidas a fim de garantir juízes imparciais, atuando em conformidade com a legalidade.

 A observância ao principio da motivação serve como mecanismo de legitimação do poder e garantia aos direitos fundamentais do individuo, sendo, portanto, garantia inerente ao Estado democrático de Direito.

Infelizmente, muitos magistrados insistem em proferir decisões carentes de uma fundamentação adequada. Tal atividade acarreta a nulidade de tais atos e transparece o descaso de tais juízes diante da sociedade como um todo.  

Cabe, portanto, a nós fiscalizar a atuação jurisdicional, especialmente no tocante ao dever de motivar imposto aos juízes, exigindo decisões adequadamente fundamentas.

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

 

1.1  Breves Antecedentes históricos

Historicamente, há muito tempo verifica-se a existência de disposições legais acerca da obrigatoriedade de motivação nas decisões judiciais. O Brasil, no período colonial, regulava-se conforme as disposições legais da Corte Portuguesa. Assim, o processo civil em nosso país, ao longo do período em que vivemos como colônia, ou mesmo como reino unido ao de Portugal, era regido pelas leis provenientes daquela nação.

Mesmo após a Proclamação de Independência brasileira, por força do Decreto de 20 de outubro de 1823, algumas normas advindas da Corte Portuguesa, desde que não confrontassem com a soberania nacional e o regime político adotado, continuaram a exercer influência em nosso território. Por força deste decreto, enquanto não fosse elaborado um novo Diploma processual, a legislação portuguesa (ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos, portarias e resoluções) continuaria sendo usada em nosso país.

Dentre as normas que continuaram sendo utilizadas estão as Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603 por Felipe II de Espanha e I de Portugal. Verifica-se que, em seu Livro III, Título LXVI, parágrafo 7º, primeira parte, já havia disposição expressa acerca da necessidade de fundamentação por parte dos magistrados em suas decisões.

E para as partes saberem se lhes convém apellar, ou aggravar das sentenças definitivas, ou vir com embargos a ellas, e os Juízes de mór alçada entenderem melhor os fundamentos, por que os juizes inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos Desembargadores, e quaesquer outros Julgadores, ora sejam letrados, ora não sejam, declarem specificamente em suas sentenças deffinitivas, assim na primeira instancia, como no caso da appellação, ou aggravo ou revista. as causas, em que se fundarem a condenar, ou absolver, ou confirmar, ou revogar.[1] 

De acordo com o disposto nas Ordenações Filipinas, verifica-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais servia às partes como instrumento que facilitava a identificação dos motivos que levara o juiz a julgar daquela forma, facilitando assim a avaliação de haver, ou não, conveniência de recorrer. Além disso, também possibilitava ao sucumbente definir, de forma individualizada, os argumentos que seriam utilizados na hipótese de interposição de impugnação.

Em 31 de março de 1824, com a intenção de acabar com os abusos freqüentes administrados pelos magistrados, foi baixada uma portaria pelo então Ministro Clemente Ferreira França com determinando: “que os Juízes de mór alçada, de qualquer qualidade, natureza e graduação, declarem nas sentenças que proferirem, circunstanciada e especificamente, as razões e fundamentos das mesmas [2]”.

 

Após a emancipação política brasileira, muito tempo se passou sem que nada de novo surgisse tratando sobre a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais. Em 29 de novembro de 1832 foi promulgado o Código do Processo Criminal do Império que nada inovou sobre o assunto. Assim, quando cogitado o assunto sobre o dever de motivação, logo a doutrina remetia-se ao sistema processual filipino.

Algum tempo depois, foi promulgado o primeiro ato legislativo genuinamente brasileiro no qual o legislador editou norma relativa ao dever de motivação das decisões judiciais. O Regulamento 737, de 25 de novembro de 1852, em seu artigo 232, dispunha o seguinte sobre o assunto:

 

A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a contestação com os fundamentos respectivos, motivando com precisão o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou stylo em que se funda” [3]

 

Tal regulamento expunha que além da decisão dever ser clara, ela deveria conter a fundamentação jurídica a qual se associava além da síntese das alegações deduzidas pelas partes.

Nosso primeiro texto constitucional republicano surgiu com o advento da Constituição de 1891 que consagrou o chamado “período de dualidade processual”. Neste momento, o sistema comportava uma divisão de competência legislativa entre a União e os Estados, uma vez que estabelecia em seu artigo 34, n. 23, a possibilidade de os Estados-Membros editarem normas de direito processual. [4]

A maioria dos códigos estaduais deste período limitou-se a copiar preceitos antes tidos nas Ordenações do Reino. Dentre tais Estatutos estão o Código de Processo Civil e Comercial do Rio Grande do Sul (artigo 499), do Espírito Santo (artigo 259), do Maranhão (artigo 322) e, ainda, a Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal (artigo 255, parágrafo terceiro). Já os Estatutos que apresentavam redação mais específica acerca da necessidade de fundamentação nas decisões judiciais estavam o dos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. [5]

A unidade legislativa em matéria processual só foi restabelecida com o advento da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937 (artigo 16, XVI). [6]

Como consequência deste novo texto constitucional, foi editado o primeiro Código de Processo Civil, com abrangência nacional, aprovado pelo Decreto Lei n. 1608, de 18 de setembro de 1939.

O novo Código continha previsão expressa sobre o dever de fundamentação nas decisões judiciais. O artigo 118, em seu parágrafo único, afirmava que “o juiz indicará na sentença ou no despacho os fatos e circunstâncias que motivaram seu convencimento” [7].

Além deste artigo, continha também outro dispositivo, o artigo 280 que previa:

“Art. 280 A sentença que deverá ser clara e precisa, conterá:o relatório;os fundamentos de facto e de direito;a decisão.

Parágrafo único. O relatório mencionará o nome das partes, o pedido e o resumo dos respectivos fundamentos.” [8]

 

Atualmente, o Código de Processo Civil, promulgado em 1973, também possui dispositivos legais acerca da necessidade das decisões judiciais serem fundamentadas. O artigo 131 dispõe:

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar na sentença, os motivos que lhe formaram convencimento.” [9]

 

Embora o magistrado possa decidir livremente, o texto legal impõe a demonstração dos motivos que lhe levaram a formar tal convencimento. No entanto, há a possibilidade desta motivação ser feita de forma concisa, em alguns casos específicos, sem prejuízo a nenhum dos envolvidos no processo. A lei apenas possibilita que o magistrado, diante de decisões mais simples, profira seus motivos, porém de forma breve e sucinta. É o que prevê o artigo 165:

 

“Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.” [10]

 

O artigo acima comentado menciona outro dispositivo do texto legal, o artigo 458 do Código de Processo Civil, onde se encontram os requisitos essenciais da sentença, estando dentre eles, no inciso II, os fundamentos inertes à decisão proferida pelo juiz.

 

“Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I-            o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II-           os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III-          o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.” [11]

 

Tamanha é a importância do dever de motivação das decisões judiciais, que o Código de Processo Penal brasileiro, ao indicar os requisitos essenciais da sentença, menciona ser necessária a indicação dos motivos de fato e de direito que fundaram a decisão.

“Art. 381. A sentença conterá:

I-           os nomes das partes, ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;

II-          a exposição sucinta da acusação e da defesa;

III-         a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

IV-        a indicação dos artigos de lei aplicados;

V-         o dispositivo;

VI-        a data e a assinatura do juiz.” [12]

Haja vista todos os dispositivos legais abordados até agora, verifica-se que antes mesmo do advento da Carta Magna de 1988 a legislação infraconstitucional já se referia ao dever de motivar as decisões judiciais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 o dever de motivação das decisões judiciais passou a ter status de garantia constitucional. A garantia ora em análise encontra-se prevista no artigo 93, inciso IX, prevendo inclusive penalidade no caso de seu descumprimento.

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”,[13]

 

Como consequência da persuasão racional, é o próprio juiz que valora as provas, limitando-se àquelas que se encontram nos autos do processo. No entanto, é obrigado a fundamentar e motivar sua decisão indicando o caminho percorrido até alcançar seu convencimento. Para atribuir legitimidade a tal atividade é preciso ainda que este, ao fazê-lo, o faça de forma clara de forma que qualquer um, inclusive pessoas estranhas ao processo, sejam capazes de entender o raciocínio lógico utilizado por ele.

1.2    A afirmação do dever de motivação dos atos decisórios e o Estado democrático de Direito

O tema relativo ao dever da motivação das decisões judiciais é de extrema importância ao Direito contemporâneo na medida em que representa uma garantia constitucional aos litigantes contra atentados aos direitos fundamentais assegurados em nossa Carta Magna.

A existência de direitos fundamentais na Constituição de 1988 condiciona o julgador a observá-los. Quando o artigo 93 preconizou ser dever do juiz motivar suas decisões sob pena de nulidade, assim o fez de acordo com o princípio do livre convencimento motivado. Assim, concede-se a faculdade ao magistrado à livre apreciação de provas que, em contrapartida, deverá expor justificativa racional que lhe levou a determinada conclusão.

A observância ao princípio da motivação das decisões judicial legítima o exercício do poder pelo Judiciário no Estado Democrático de Direito. É por meio deste que o povo, detentor do poder, é capaz de evitar abusos na condução e no julgamento dos processos.

Ao procurar o significado da palavra democracia no dicionário da língua portuguesa, verifica-se o seguinte conceito: “sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e de liberdade”. [14]

O conceito de “Estado Democrático de Direito” estaria vinculado a um país governado e administrado por poderes legitimados, submissos à lei e obedientes aos princípios democráticos fundamentais.

Baseado na soberania popular, a democracia vincula-se à participação política efetiva dos cidadãos que, por sua vez, devem ter seus direitos respeitados.

Tércio Sampaio Ferraz Jr manifesta-se nesse sentido:

“Nestes (termos deve ser entendido o art. 1º: a República Federativa do Brasil) constitui-se em Estado Democrático de Direito, Ela não é constituída pelo Estado (ainda que democrático de Direito), mas se constitui em Estado. E o faz pela afirmação da cidadania, que é um dos seus fundamentos, junto com a dignidade da pessoa humana, a soberania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político (art. 1º, I até V). Este conjunto que, nos termos de uma análise legitimamente, se resume num conceito abrangente de cidadania, dá um sentido político de esfera pública ao parágrafo único do art. 1º. ‘ Todo poder emana do povo’. Nota-se que o texto diz: todo o poder e não todo poder. Trata-se de um só poder, o poder da cidadania enquanto agir conjunto, que a todos inclui e ninguém absorve. Por isso, soberano e pluralista, respeitador dos limites da sociedade civil, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Estas são as bases principais, fundamentos (normativos, prescritos,não descritos, empíricos) da ordem republicana”[15]

Assim, um Estado democrático de Direito deve necessariamente agir em conformidade com os postulados legais, estendendo sua atenção ao cumprimento dos princípios previstos na Constituição Federal.

A compreensão do Conceito de Estado Democrático de Direito e de seus componentes fundamentais (supremacia da Constituição, separação dos poderes, princípio da legalidade e direitos do homem) auxiliam no entendimento da importância do dever de fundamentar as decisões judiciais em face dos princípios previstos pela Constituição Federal.

O povo tem o poder/dever de participar na formação da vontade estatal, na medida em que delega representantes que, em espaços juridicamente delimitados, exercerão suas funções.

Michele Tarufo entende que a obrigação constitucional de motivação das decisões judiciais verifica-se como uma expressão do princípio da participação popular no governo:

“Essa consiste no asseguramento do controle do modo pelo qual os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes é atribuído, no âmbito de um princípio mais geral de controle que caracteriza a noção moderna de Estado de Direito”.[16]

O autor, conforme transcrição acima reconhece a importância da participação popular (democracia), no exercício de sua soberania, de fiscalizar os atos decisórios de seus magistrados que, em última instância serão proferidos em nome da própria sociedade que os escolheu.

Por meio da fundamentação das decisões, os magistrados exporiam as razões que lhes levaram a decidir de tal maneira, possibilitando ao povo, desta forma, exercer controle sobre tais atos.

Nesse sentido, Taruffo afirma:

Os destinatários da motivação não seriam somente as partes, os seus advogados e o juiz de instância superior, mas também a opinião pública compreendida em seu complexo, de opinião de quaisque de popolu. A consequência política desta mudança de perspectiva é evidente: a ótica ‘privada’ do controle exercido pelo juiz de grau superior é integrada na ótica ‘democrática’ do controle que deve ser exercido por aquele mesmo povo, em cujo nome a sentença vem pronunciada.[17]

A ideia do dever de fundamentação das decisões judiciais mescla-se com a do Estado Democrático de Direito uma vez que os deveres de fundamentação encontram-se não só a serviço do Estado de Direito, mas também da legitimidade democrática.

O dever de fundamentar as decisões judiciais decorre de um princípio estruturante da Constituição Federal, o do Estado Democrático de Direito, desta forma tal imposição não possui exceção em nosso ordenamento atual, devendo ser respeitada em qualquer hipótese.

Este dever representa, ao mesmo tempo, uma característica inerente do Estado Democrático de Direito como também uma garantia. Garantia essa que tem o cidadão de conhecer das razões pelas quais o magistrado julgou de determinada maneira.

O Estado Democrático de Direito é regido por diversos princípios que se relacionam e se conectam com outros valores a eles inerentes Assim, confere-se garantia aos cidadãos de que os órgãos da magistratura, dos quais terão que se submeter, somente poderão agir, de forma independente e responsável, em conformidade com os preceitos constitucionais.

Assim, conclui Nojiri

“(...) Estado Democrático de Direito se fundamenta num regime de impessoalidade e que almeja colocar os cidadãos a salvo de intemperanças de eventuais indivíduos no exercício do Poder, o dever de se fundamentarem as decisões judiciais consubstancia-se numa verdadeira garantia constitucional contra perseguições oriundas de caprichos pessoais ou causas outras ligadas a finalidades estranhas à consecução de objetivos traçados na lei,”.[18]

O Supremo Tribunal Federal ao entender ser a fundamentação indispensável às decisões judiciais, e ao direito positivo brasileiro, afirma:

A exigência de motivação dos atos jurisdicionais constitui, hoje, postulado constitucional inafastável, que traduz poderoso fator de limitação ao exercício do próprio poder estatal, além de configurar instrumento essencial de respeito e proteção as liberdades públicas. Com a constitucionalização desse dever jurídico imposto aos magistrados – e que antes era de extração meramente legal – dispensou-se aos jurisdicionados uma tutela processual significativamente mais intensa, não obstante idênticos os efeitos decorrentes de seu cumprimento: a nulidade insuperável e insanável da própria decisão. – A importância jurídico-política do dever estatal de motivar as decisões judiciais constitui inquestionável garantia inerente a própria noção do Estado Democrático de Direito. Fator condicionante da própria validade dos atos decisórios, a exigência de fundamentação os pronunciamentos jurisdicionais reflete uma expressiva prerrogativa individual contra abusos eventualmente cometidos pelos órgãos do Poder Judiciário.[19]

O dever de motivar no contexto de um Estado Democrático de Direito é imposto ao juiz pelo próprio exercício de sua jurisdição, pois se trata do único instrumento idôneo para o controle de suas atividades. Ademais, a motivação das decisões proferidas interessa não apenas ao cidadão como garantia de sua liberdade em face do eventual arbítrio judicial, como também ao Estado, que tem interesse que a lei seja cumprida e de forma que a justiça seja corretamente administrada.

Na obra de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, a importância da fundamentação das decisões judiciais é comentada:

Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quis-quis de populo, com a finalidade de aferir-se em concreto com a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões.[20]

Princípios servem como base para as normas jurídicas. O princípio da motivação das decisões judiciais, em um Estado Democrático de Direito, como conseqüência do devido processo legal, transpassa sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica positivada. Na visão de Kelsen os princípios intrínsecos à Constituição Federal são um ponto básico da estrutura jurídica, servindo como ponto de partida para a aplicação das normas fundamentais.

2.4 Correlação do dever de motivação das decisões judiciais com os demais Princípios Constitucionais

 

O princípio da motivação das decisões judiciais guarda relação com outros princípios constitucionais como será analisado a seguir. Segundo Watanabe:

O direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade e de outros corolários, do conceito do devido processo legal.[21]

2.4.1 Princípio do devido processo legal

O texto constitucional prevê expressamente, no artigo 5º, inciso, LVI, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. [22]

O princípio do devido processo legal (due processo of Law) visa garantir a todos o acesso ao direito, a justiça. Nelson Nery Junior, sobre as garantias decorrentes deste principio, enumera:

a)     direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto incriminação.[23]

A necessidade de motivar, como visto, tem como um de seus objetivos “monitorar” o arbítrio por parte do magistrado, impondo-lhe o dever de exposição das razões de fato e de direito utilizadas, em conformidade com a lei, no decorrer de sua atividade até a prolação de sua decisão.

Desta forma o magistrado realiza atividade cognitiva em função do cargo que ocupa, devendo sempre se atentar aos interesses da coletividade (interesse público). Assim, as decisões judiciais estão adstritas a preceitos legais e ao processo cognitivo desenvolvido pelo juiz, relacionando-se, portanto com o principio do devido processo legal.

É possível também estabelecer conexão entre o principio de motivação das decisões judiciais com o da responsabilidade estatal. Como uma forma de controle da atividade jurisdicional, João Barbalho, assim entende:

É da essência do regime republicano que quem quer que exerça uma parcela do Poder Público tenha responsabilidade de seu exercício; ninguém desempenha funções políticas por direito próprio; nele não pode haver invioláveis e irresponsáveis, entre os que exercitam poderes delegados da soberania nacional.[24]

A regra da motivação das decisões dos magistrados, também se apresenta como instrumento assegurador do principio do livre convencimento motivado do juiz. Nelson Nery, acerca da matéria, observa que:

A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos que vão desde a necessidade da comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo conseqüentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que decidir de acordo com a sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio livre convencimento motivado).[25]

A motivação da sentença proporciona às partes alcançar a efetividade do direito de ação e  aferir a justeza dos argumentos, a imparcialidade do juiz, a legalidade da decisão, a efetividade do contraditório, além de permitir-lhes o controle do processo quanto ao modo como o Poder está sendo exercido.

Wantabe completa o entendimento com os dizeres:

Não se organiza justiça para uma sociedade abstrata, e sim para um país de determinadas características sociais, politicas, econômicas e culturais, o que significa garantir o processo, com procedimento adequanto (devido processo lehal).[26]

É em razão disso, que a garantia constitucional do devido processo legal - a qual, em essência, contempla toda extensão do direito ao processo justo - adquire extrema relevância democrática, pois impede restrições indevidas às esferas jurídicas dos cidadãos, exigindo a pré-existência do mecanismo processual, pelo qual os litigantes têm oportunidade de deduzir  as suas razões e a  suas defesas, alegando e demonstrando fatos, dos  quais, pela sua aderência às regras e aos princípios contidos dentro da moldura do ordenamento  jurídico venham a obter a tutela de seus direitos.

O devido processo legal é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios.

2.4.2 Princípio da publicidade dos atos processuais

 

De nada adiantaria se o magistrado fundamentasse suas decisões e não as tornasse pública. Daí a correlação com o principio da publicidade, também consagrado pelo texto constitucional no artigo 93, IX, da mesma forma essencial para a caracterização do Estado Democrático de Direito.

Segundo o artigo 5º, LX, todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário deverão ser públicos. Hely Lopes Meirelles, a respeito do principio da publicidade, afirma: “a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade”.[27]


2. – MOTIVAÇÃO COMO ATO PROCESSUAL

 

2.1  Escopos da motivação das decisões judiciais

 

O professor José Rogério Cruz e Tucci elenca três escopos diversos acerca da obrigatoriedade das decisões judiciais: a) um escopo de ordem subjetiva; b) um escopo de ordem técnica e c) um escopo de ordem pública.

O primeiro escopo, de ordem subjetiva, segundo o autor, justifica-se primeiramente em demonstrar ao próprio órgão jurisdicional, antes mesmo do que às partes, a razão que legitima seu ato decisório. Ademais, possibilita a parte sucumbente do processo o acesso aos argumentos utilizados demonstrando assim que o litígio foi resolvido em conformidade com a lei.

Somente com a ciência dos fundamentos do decidido é que o interessado seria capaz de interpor recurso de modo correto. Além disso, o órgão ad quem, no caso da necessidade de uma nova decisão, poderia exercer com maior presteza a revisão dos fatos se bem estiver fundamenta decisão de primeira instância. Sob este prisma encontra-se o escopo de ordem técnica para o autor.

Ao identificar o dever de motivação das decisões judiciais como um instrumento técnico cuja função seria o de auxiliar o funcionamento do processo e organização do poder judiciário, Michele Tarufo pontifica:

no âmbito de uma organização judiciária que é estruturada segundo os princípios de ordem hierárquica e burocrática, a motivação assegura a possibilidade de controle vertical operado pelo juiz, que é uma exigência típica do Estado Democrático centralizado” (pg 21 NOJIRI)[28]

Além dos escopos cuja conotação remete-se diretamente ao processo em si (endoprocessuais), Tucci entende que o dever de fundamentação também possui um escopo extraprocessual, o de ordem pública.

“Assim, o princípio da obrigatoriedade da motivação da sentença tem o condão de tornar efetivas as normas que garantem o direito de defesa e a imparcialidade e independência do juiz” ... “dada a dimensão de seu significado jurídico-político, aflora, em nossos dias, a necessidade de controle (extraprocessual) “generalizado” e “difuso” sobre o modus operandi do juiz no tocante à administração da justiça (pagina 23)

O escopo de ordem pública representa a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, em que o povo, através da motivação, é capaz de controlar a legalidade das decisões proferidas pelo judiciário.

A função extraprocessual deste princípio encontra-se intrínseco ao Estado Democrático de Direito que, por sua vez, é previsto em nossa Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...)”[29]

De forma simplificada e resumida, é possível afirmar que a exigência de motivação nas decisões judiciais possui escopos endoprocessuais e extraprocessuais.

2.1  Decisão judicial. Conceito

 

Antes da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, o Código de Processo Civil, ao classificar o conceito de decisões judiciais, utilizava apenas fundamentos acerca da finalidade do ato, sua conseqüência. Assim, se a finalidade do ato fosse extinguir o processo, estaríamos diante de uma sentença. No caso de uma decisão no curso do processo que não fosse extingui-lo, falava-se em decisão interlocutória. E, se a finalidade da decisão era de apenas dar prosseguimento ao processo, despacho seria a sua classificação.

Com a nova redação atribuída ao artigo 162 em virtude da Lei 11232, tais conceitos permaneceram da seguinte forma:

“Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§”1º Sentença é ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

§2º Decisão Interlocutória é ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§”3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

§”4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revisto pelo juiz quando necessário”.[30]

Com o novo texto legal, as sentenças passam a ser definidas conforme um critério misto: conteúdo e finalidade. Sentença, a partir desses critérios de definição, é o pronunciamento do juiz que contenha alguma das circunstancias previstas nos artigos 267 e 269 do CPC e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou procedimento no primeiro grau de jurisdição, resolvendo ou não o mérito.

A alteração trazida pela Lei não alterou o sistema do CPC no que tange aos pronunciamentos do juiz e sua recorribilidade. A vontade do legislador com a nova redação foi de transformar os processos de liquidação de sentença e de execução em etapas finais do processo de conhecimento, sem a necessidade de um processo autônomo de execução.

Depois de exposto o conceito atualmente utilizado para sentenças, decisões interlocutórias e despachos, cabe verificar qual a extensão e aplicabilidade do artigo da 93, IV, CF a tais decisões judiciais.

Sergio Nojiri aduz que quando a Lei Magna fala em decisão judicial, na verdade, ela se refere a toda manifestação judicial que possua conteúdo decisório que possa causar algum tipo de lesão às partes. Tais decisões devem estar claramente fundamentadas, uma vez que as partes poderão utilizar-se de tais argumentos para individualizar suas razões, caso venha a exercer seu direito ao contraditório por meio de uma impugnação

2.1 Cognição. Conceito.

O termo cognição atualmente abrange não somente isolada atividade jurisdicional, como também é empregado para designar o processo em si.

 Kazuo Watanabe, em sucintas palavras defini cognição:

“A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é alicerce, o fundamento do  judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”.[31]

Ao desempenhar sua atividade jurisdicional, o magistrado desenvolve um processo de cognição (conhecimento) do qual, posteriormente, decorrerá um provimento, uma decisão. Tal decisão, portanto, é consequência da atividade cognitiva exercida pelo juiz, em que serão utilizados elementos lógicos e intelectuais para tanto. Humberto Theodoro Júnior aduz a respeito:

“(...) o magistrado examinando as questões de fato e de direito, constrói as bases lógicas da parte decisória da sentença. Trata-se de operação delicada e complexa em que o juiz fixa as premissas da decisão após laborioso exame das alegações relevantes que as partes formularem, bem como do enquadramento do litígio nas normas legais aplicáveis”.[32]

A decisão judicial constituí, se não o mais importante, um dos atos mais relevantes no desenrolar do processo, pois, através dela o juiz declarará qual tutela jurídica será concedida para pacificar a lide trazida ao judiciário. Para tanto, como já dito, será necessário que ao exercer seu poder de decisão, o magistrado tenha antes desenvolvido um processo de cognição complexo que vai além dá simples análise do caso.

Sobre isso, Chiovenda ensina:

Antes de decidir a demanda, realiza o juiz uma série de atividades intelectuais com o objetivo de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada, e pois, para declarar existente a vontade de lei de que se cogita.[33]

A atividade de cognição exercida pelos magistrados, como demonstrado acima, é complexa e não pode ser resumida, ou baseada, na simples construção de um silogismo em que, de duas premissas se extrairá um resultado. O processo de cognição requer experiências, depende do tipo de educação, fatores histórico-culturais. Tudo isso influenciará o magistrado em sua decisão final.

De acordo com Alexandre Freitas Câmara a cognição judicial pode ser conceituada como:

a técnica utilizada pelo juiz para, através de consideração, análise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las. Trata-se de atividade comum a todas as categorias de processo, embora se revele predominante no processo cognitivo. [34]

É evidente que a cognição judicial esta diretamente relacionada com requisitos de caráter lógico, porém, estes não são suficientes para que esta seja satisfatória.

É nessa linha de pensamento que Liebman afirma:

É muito mais complexa e compreende momentos de decisiva importância que não são de simples dedução lógica e sim de intuição e de concreta apreciação do caso, nos quais influem de maneira mais ou menos consciente, critérios de experiência, de oportunidade e de justiça, inspirados nas condições históricas, econômicas e políticas da sociedade.[35]

É importante que os juízes estejam sempre em busca de aperfeiçoamentos em disciplinas técnico-jurídicas e, não obstante, que se mantenham sempre atualizados em matérias de ordem econômica, sociológica e até psicológica, :a fim de agregar informações que lhe permitam ter claro consigo o contexto social, econômico e social em que atuam. Isso os auxiliará no processo de cognição.

A cognição judicial é uma valiosa técnica de adequação do processo à natureza do direito material, ou mesmo à peculiaridade da pretensão a ser efetivamente tutelada. Mostra-se a cognição como uma importante ferramenta em prol da instrumentalidade substancial, no sentido de oferecer todos os recursos necessários ao efetivo amparo dos direitos e interesses contra toda e qualquer violação, ou mesmo ameaça de ofensa [

2.2.1 A cognição considerada nos planos vertical e horizontal

 

Entendendo cognição como uma técnica utilizada pelo juiz, em que, por meio de um processo de conhecimento, formará um juízo de valor acerca das questões suscitadas no processo, ela pode ser explicada sob dois pontos de vista distintos: o horizontal (extensão e amplitude) e o vertical (profundidade).

Miguel reale afirma:

O conhecimento científico realiza sempre uma ordenação dos fenômenos e da realidade orientando-se no sentido da generalidade objetiva. Podemos dizer, recorrendo a uma imagem imperfeita, que este trabalho de ordenação se processa vertical e horizontalmente. Verticalmente, no sentido de uma sondagem cada vez mais penetrante nos estratos da realidade para a classificação minuciosa dos objetos e a indagação de seus antecedentes e conseqüências; e, horizontalmente, no sentido de procurar, cada vez mais, os nexos que ligam entre si os resultados atingidos [66].

No plano horizontal o que limita a cognição são os elementos objetivos do processo, quais sejam: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive de mérito. Neste plano, a cognição desenvolvida poderá ser plena ou limitada.

Enquanto isso, no plano vertical, classifica-se a cognição conforme o grau de profundidade atingido, podendo ser exauriente (completo) ou sumário (incompleto).

O magistrado, por meio das combinações dentre tais tipos de cognição, poderá conceber diferentes tipos de decisões. Evidente é que quando as partes procuram o judiciário, buscam elas uma resposta completa e exauriente. Toda decisão que tem como base uma cognição plena e exauriente, oferece mais segurança jurídica às partes e ao processo.

Kazuo Watabe, nos ensina nesse sentido:

É através do procedimento, em suma, que se faz a adoção das várias combinações de cognição consideradas nos dois planos mencionados, criando-se por essa forma tipos diferentes de processo que, consubstanciando um procedimento adequado, atendam as exigências das pretensões materiais quanto à sua natureza, à urgência da tutela, à definitividade da solução e outros aspectos, além de atender as opções técnicas e políticas do legislador. Os limites para a concepção dessas várias formas são os estabelecidos pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e pelos princípios que compõe a cláusula do “devido processo legal..[36]

2.2.2. Espécies de cognição judicial

Após a analise do conceito de cognição judicial há de se classificar suas diversas espécies decorrentes do cruzamento de modalidades existentes nos planos horizontal e vertical.

Chiovenda classifica a cognição judicial em duas modalidades: ordinária e sumária.

Diz-se ordinária, ou seja, plena e completa, a cognição do juiz, quando tem por objeto o exame a função de todas as razões das partes, quer dizer, de todas as condições para a existência do direito e da ação de todas as exceções do réu. Qualifica-se de sumária ou incompleta a cognição do juiz quando o exame das razões das partes ou não exaustiva ou é parcial. [37]

Kazuo Watanabe, e a doutrina majoritária, não classificam as espécies de cognição como Chiovenda. Wanatabe adota a seguinte classificação:

a) cognição plena e exauriente: àquela feita de forma plena sobre todos os elementos objetivos do processo. Neste tipo de cognição há maior segurança jurídica haja vista que a decisão do magistrado é completamente fundada em certezas. É um procedimento comum do processo de conhecimento (ordinário ou sumarissímo).

b) cognição parcial e exauriente: Na atividade cognitiva parcial e exauriente, a cognição do magistrado não atinge toda a realidade fática (limitada quanto à extensão), porém, os pontos que podem ser conhecidos pelo juiz são solucionados sem limite no tocante à profundidade. Watanabe afirma que “a característica dessa modalidade de cognição está na limitação no tocante à amplitude, mas ilimitação quanto à profundidade da cognição voltada ao objeto cognicível”. [38]

c) cognição plena e exauriente (secundum eventum probationis): para que ocorra uma atividade cognitiva sem limites nos planos horizontal e vertical, é necessária a existência de provas o suficiente para que a controvérsia seja dirimida, baseando-se o magistrado, neste caso, em juízos de certeza. Assim, não há limitação à extensão da matéria a ser discutida em juízo, mas com o condicionamento da profundidade da cognição à existência de elementos comprobatórios suficientes;

d) cognição eventual, plena ou limitada e exauriente (ou secundum eventum defensionis): nota-se essa espécie de cognição nas tutelas de urgência, como por exemplo, na antecipação dos efeitos da tutela e nas ações cautelares, nas quais, diante da existência do fumus boni juris e do periculum in mora, o Estado entrega de forma imediata a tutela solicitada, haja vista que qualquer espécie de atraso pode ocasionar danos irreparáveis à parte que pediu a proteção estatal.

e) cognição sumária: A cognição sumária, por sua vez, é a que atinge superficialmente o que é posto para ser conhecido no processo (plano vertical), é uma cognição menos profunda no sentido vertical. A utilização dessa espécie de cognição é permitida, via de regra, em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou para a antecipação do provimento final, nos casos permitidos em lei, ou ainda em razão da particular disciplina da lei material 

2.4   Motivação judicial. Conceito.

 

 Como visto, o juiz ao realizar processo de cognição, exerce verdadeiro trabalho de reconstrução da história em que, por meio de um raciocínio lógico, critico, intelectual proferirá sua decisão.

Na lição de Ovídio Baptista, o livre convencimento motivado importa na ausência de restrições ao juiz quanto à aplicação legal, existindo uma “(...) faculdade reconhecida ao dever julgador de livre e ampla apreciação de prova, sem as peias que o ordenamento processual lhe possa criar por meio de princípios limitadores de sua ampla investigação e conhecimento”.[39]

Nelson Nery Junior defini o ato de fundamentar do juiz da seguinte forma:

Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão. Não se considerem “substancialmente” fundamentadas as decisões que afirmam que “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido .[40]

José Frederico Marques faz a associação do livro convencimento motivado a dois elementos que, em seu entendimento, se completam: a) a livre apreciação das provas pelo juiz e b) a justificação de sua escolha por determinadas provas em detrimento de outras.

As provas dos autos fornecem ao magistrado o material necessário para a configuração dos fatos. O juízo de valor sobre a credibilidade dessas provas, bem como a apreciação de umas em confronto com as outras e as inferências e deduções finais sobre o complexo probatório dos autos, constituem operações de livre crítica a cargo do juiz. Mas essa apreciação subjetiva não pode ser arbitrária, mas sim, necessita operar-se com objetividade e rigor lógico. Daí ser imprescindível, para o juiz, a manifestação formal dos “motivos que lhe formaram o convencimento”´.[41]

Para Carnelutti, o conceito de motivação consiste:

“(...) a motivação da sentença consiste na construção de um raciocínio suficiente para que dos fatos, considerados pelo juiz, qualquer homem sensato possa compreender a conclusão contida na parte dispositiva daquela”.[42]

Michele Taruffo diz que a motivação não é a explicação do procedimento lógico ou psicológico que levou o juiz a tomar aquela decisão, mas, sim, a explicação das razões do julgador, a fim de demonstrar que a mesma é amparada por bases racionais e idoneas que a torna aceitável:

Uma justificativa racional desenvolvida ex post sobre a decisão, com  o objetivo de, em qualquer caso, permitir o controle sobre a racionalidade da própria decisão.[43]

José Rogério Cruz e Tucci, também se posiciona e conceitua motivação como:

“a motivação da sentença, portanto, é a parte do julgado que deve conter, ainda que extremadas, a exposição dos fatos relevantes para a solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento”.[44]

Todos esses conceitos demonstram ser a motivação a representação apresentada pelo magistrado do caminho lógico-intelectivo que lhe levou a chegar a determinado veredicto, representando a exteriorização ao público dos motivos que lhe são peculiares.

Tratando-se de uma sentença, conforme artigo 458 do Código de Processo Civil, dentre os requisitos essenciais da sentença estão os fundamentos de fato e de direito (inciso II)., devendo o magistrado expor os motivos que lhe embasaram tal convicção.

“Enfim, é aqui que o juiz reconstrói discursivamente o fato sub iudice, procede à sua consumação ao direito que entende aplicável, acolhendo ou rejeitando os argumentos das partes e explicando os mecanismos racionais pelo qual decide. [45]

O magistrado, após ter formado seu convencimento, deverá expô-lo de forma justificada a fim de demonstrar que utilizou o poder do livre convencimento que lhe fora atribuído dentro dos parâmetros legais. Ora, se a função da fundamentação é justamente esclarecer os pontos que levaram o magistrado a chegar a determinada convicção, sua sentença deverá ser dada de forma clara.

Obedecendo aos parâmetros formais estabelecidos em nosso ordenamento jurídico, o magistrado deverá utilizar redação clara o suficiente para que mesmo alguém que desconheça dos fundamentos legais apresentados, entenda o caminho lógico que aquela autoridade percorreu até proferir sua decisão.

“A regra do livre convencimento dá ao julgador a prerrogativa de valorar os elementos probatórios do processo segundo sua própria inteligência e sensibilidade, sem estar vinculado a estritos critérios legais que predeterminassem o valor de cada meio de prova ou, menos ainda, o de cada prova em concreto. Além disso, a ampla independência funcional do juiz deixa-o livre para tomar suas próprias decisões, sem interposições ou influências de outras pessoas ou órgãos, mesmo dos órgãos superiores da própria Magistratura. Para conferir racionalismo e legitimidade a toda essa independência de que goza o juiz, é preciso exigir que preste contas do que decide, explicitando as razões pelas quais chega às conclusões adotadas. Daí a exigência da motivação” [46]

A respeito da liberdade de conhecimento atribuída ao magistrado, o Código de Processo Civil prevê em seu artigo 131:.

“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” [47]

O juiz é soberano na análise dos fatos produzidos nos autos do processo devendo agir conforme seu livre convencimento. Entretanto, além de previsão constitucional, mais uma vez nos deparamos com dispositivo legal exigindo a motivação das razões de seu convencimento.

“A legitimidade do fenômeno da decisão judicial, então funciona a partir da exposição das razões pelas quais o juiz chega a uma conclusão. Essas razões não são quaisquer; são aquelas condizentes com o Estado de Direito. Se ao juiz é garantida a independência funcional, baseada na regra do livre convencimento(art. 131 CPC), deve ele prestar contas do que decide, através de uma exposição de motivos, denominada de motivação das decisões judiciais [48]

Greco Filho, sobre a motivação das decisões judiciais, aduz:

A fundamentação revela a argumentação seguida pelo juiz, servindo de compreensão do dispositivo e também de instrumento para a aferição da persuasão racional e lógica da decisão. Na fundamentação o juiz vai resolvendo as questões preliminares e prejudiciais, bem como as questões de fato. Questão e todo o ponto controvertido de fato e de direito e que, exatamente por ser controvertido, deve ser decidido pelo juiz. [49]

Pontes de Miranda também ensina sobre o assunto, enfatizando a  necessidade de haver fundamentação nas decisões judiciais:

A necessidade de motivação é indeclinável. Cresce ela à medida que se dá ao juiz qualquer parcela, e mais, de livre apreciação. É preciso que, ao ser examinado o despacho, ou a sentença, pelo mesmo juiz ou pelo tribunal (...) o novo julgador possa tomar cada uma das premissas do proferidor da decisão, conferi-las e controlar premissas e conclusões.. [50]

Sob o aspecto extraprocessual, a motivação das decisões judiciais se faz necessária em um Estado Democrático de Direito, uma vez que fortalece aos cidadãos, a confiança na tutela jurisdicional conferida. Mais uma vez, firma-se a importância de tal ato, como aduz Maria Thereza Gonçalvez Pero:

o instrumento pelo qual tanto as partes no processo como seu autor ou os órgãos da apelação, assim como qualquer pessoa do povo, têm garantida a possibilidade de controle acerca da legitimidade da decisão –esta última, ato de Poder (ou do Poder exercido), materializado na sentença – na medida em que permite a verificação de sua conformidade com o ordenamento,os postulados do Estado de Direito e is fins para os quais este foi criado, segundo os moldes impostos pela Soberania daquele mesmo povo em cujo nome a sentença é proferida, ou, de modo mais abreviado, a motivação da sentença é um instrumento de controle sobre a legitimidade da decisão [51]

Assim, revisados os conceitos de cognição e motivação judicial é possível concluir que inúmeras são as operações lógicas e intelectuais desenvolvidas pelo magistrado até a prolação de uma decisão. Diante da análise dos fatos e provas inerentes ao processo o juiz verificará os pontos controversos e formulará um entendimento visando solucionar o conflito existente. Trata-se portanto, de uma delicada e complexa operação na qual ele deverá ao final elucidar as partes sobre o suas premissas enquadramento legal atribuído ao litígio em questão.

2.4.1        Requisitos

 

Uma vez examinado o conceito e a finalidade das motivações judiciais, cabe verificar quais os requisitos fundamentais, entendidos pela doutrina majoritária, para que tal decisão seja tida como válida e suficiente. Dentre tais requisitos, a doutrina afirma que a decisão deverá ser: clara, coerente, lógica e expressa.

Em primeiro lugar, os motivos do julgamento devem ser mencionados de forma expressa. O magistrado deverá revelar em sua decisão como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto.

Da mesma forma, a motivação deverá ser feita de forma clara. A redação utilizada pelo magistrado em sua fundamentação deverá ser clara no sentido de não possibilitar entendimento ambíguo ou equivocado de quem for lê-la.

A exposição dos argumentos deverá ser descrita segundo uma ordem coerente, de tal forma que o exame das questões preliminares anteceda o juízo de mérito.

E, por fim, deverá haver lógica na descrição dos princípios que levaram o magistrado a formular determinado pensamento racional., respeitando as alegações das partes e as provas produzidas no processo.

2.4 Espécies.

 

Conforme os argumentos utilizados na fundamentação exposta pelo magistrado é possível verificar o caminho percorrido por ele até a prolação de seu veredicto. De forma resumida, para que uma decisão seja considerada motivada o magistrado deve além de indicar as normas aplicadas ao caso, exteriorizar o juízo de valor acerca das provas produzidas e fatos finalizando com visão claramente vinculada à operação lógica realizada.

Segundo o artigo 459 do CPC, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz poderá julgar de forma concisa, sob pena de nulidade, ao passo que o artigo 165 do   CPC que todas as demais decisões deverão ser fundamentadas, ainda que de modo conciso.

Com a redação atribuída aos artigos mencionados acima, nota-se que o legislador exigiu a fundamentação nas decisões dos magistrados ainda que concisa. Se concisa, a fundamentação também deverá demonstrar coerência e revelar o raciocínio lógico utilizado.

Nelson Nery Junior nos ensina:

Em se tratando de sentença processual de extinção do processo sem julgamento do mérito, a sentença deve ser fundamentada de forma abreviada. Fundamentação concisa não significa decisão lacônica, sem fundamentação. Decisão concisa é a que tem fundamentação breve, da qual constem os elementos necessários para a sua sustentação, expurgando-se dela aquilo que for supérfluo. A falta de fundamentação, nos casos do art. 267 do CPC, acarreta nulidade da sentença por ofensa ao art. 93, IX, da CF/1988 V, e art. 165 do CPC. [52]

Desta forma, ainda que concisa, há fundamentação é necessária pois, caso não o feita, o ato do magistrado não será tido como válido.

No entanto, será sempre possível aludir-se aos fundamentos de outro julgado como forma de expor as razoes da decisão que esta sendo prolatada. Esta é a chamada motivação per relationem.

Michele Taruffo afirma que a motivação per relationem existe “quando, sobre um ponto decidido, o juiz não elabora uma motivação autônoma ad hoc, mas se serve do reenvio à motivação contida em outra decisão” [53]

No caso da motivação referenciada (“per relationem”), ela é habitualmente empregada nos julgamentos de recursos em segunda instância mas, embora boa parte da doutrina e da jurisprudência entenda que é possível o seu emprego, é preciso ter cuidado com o seu uso.

Como já dito, os Tribunais aceitam essa pratica, como verifica-se no julgado:

O fato da decisão do Supremo Tribunal de Justiça haver-se reportado às razões expostas no julgado de segundo grau, para refutar os argumentos apresentado pelo recorrente, não autoriza o argumento de que teria sido afrontado o disposto no art. 93, inc. IX, da Lei Fundamental O que a Constituição exige é que a decisão esteja suficientemente fundamentada, e isso, sem dúvida, ocorre na hipótese. [54]

Outro caso semelhante no qual o Supremo Tribunal Federal não recriminou tal pratica:

Por  fim,  no  tocante  à  técnica  de  fundamentação  per  relationem,

utilizada no aresto recorrido, não há falar de vulneração dos preceitos

constitucionais  invocados,  porquanto  a  remissão  ao  relatório  e  aos fundamentos  jurídicos  apresentados  pelo  Parquet,  incorporando-os  ao acórdão recorrido, não induz, per se, prejuízo algum à parte. [55]

Assim, é conclui-se que a pratica desse tipo de motivação é amplamente admitida. Não há uma regra para se determinar se uma decisão encontra-se imotivada ou mal motivada. Dinamarco, com relação as sentenças, estabelece alguns parâmetros para  tanto, dentre eles:

a sentença não se considera não motivada, ou insuficiente motivada, só pela razão de os motivos expostos serem errôneos, inconvincentes ou pouco convincentes, ou não corresponderem à prova dos autos ou ao sentido da lei; b) a sentença não se considera não motivada, ou insuficiente motivada, quando se omitir quanto a pontos de pequena relevância ou meros argumentos de reforço; c) ) a sentença não se considera não motivada, ou insuficiente motivada,ainda quando os motivos explicitados forem suficientes, de modo que o exame dos pontos omitidos não altere a conclusão; d) mas ela padece de vicio de motivação quando se omite quanto a ponto que, se fosse considerado, alteraria o julgamento da causa; e) quando omite o exame de preliminares que, se acolhidas, poderiam impedir o julgamento do meiritis; f) especificamente, quando o acórdão deixa de examinar preliminares alusivas à própria admissibilidade do recurso; g) quando o acórdão simplesmente se reporta aos fundamentos da sentença, sem atenção aos fundamentos trazidos pelo recorrente em critica a ela. [56]

Em outras palavras, o magistrado, para simplificar a prestação jurisdicional por ele desempenhada e, torná-la mais célere, ao fundamentar uma decisão pode ater-se a pontos que entenda de maior relevância, preterindo os demais.

 



[1] Ordenações Filipinas. Liv 3º, tit. 66,§ 7º apud NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2ª Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 2000 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tulio Lienman). P.. 28

[2] http://www.redp.com.br/arquivos/redp_7a_edicao.pdf - Acesso em 19.12.2011

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM737.htm - Acesso em 19.08.2012

[4] Art 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional: 

 33º) decretar as leis e resoluções necessárias ao exercício dos poderes que pertencem à União”

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm – Acesso em 19.08.2012)

[5] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal – 8 ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P.216

[6] Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias:

XVI - o direito civil, o direito comercial, o direito aéreo, o direito operário, o direito penal e o direito processual;

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm– Acesso em 19.08.2012)

[7] http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1939/1608.htm - Acesso em 19.08.2012

[8] http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1939/1608.htm - Acesso em 19.08.2012

[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm - Acesso em 19.08.2012

[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm - Acesso em 19.08.2012

[11] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm - Acesso em 19.08.2012

[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm - Acesso em 19.08.212

[13] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm - Acesso em 19.08.2012

[14] http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/ - Acesso em 19.08.2012

[15] NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2ª Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 2000 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tulio Lienman). P.57

[16] TARUFFO, Michele. La motivazione dela sentenza civile. Padova: Cedam, 1975 NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. p. 65

[17] TARUFFO, Michele. La motivazione dela sentenza civile. Padova: Cedam, 1975 apud NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. p. 68

[18] NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. p. 74

[19] Excerto extraído da emenda do HC 69013/PI, 1.ª T., rel Min. Celso de Mello, j. 24.03.1992, RTJ 140-03/870. Vide também HC 68422/DF e HC 70483/SP

[20] CINTRA, Antônio Carlos de Araujo, GRINOVER, Ada Pellegrini, e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

[21] WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 2005.p. 23

[22] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm - Acesso em 19.08.2012

[23] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed. Revista Ampliada e atualizadas com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Túlio Liebman; v.21). p 70

[24] BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira comentada. p.61, apud ATALIBA, Geraldo, República e Constituição. São Paulo: RT, 1985, P.38.

[25] BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira comentada. p.61, apud ATALIBA, Geraldo, República e Constituição. São Paulo: RT, 1985, P.38.

[26] Watanabe, Controle Jurisdicional e mandado de segurança contra atos judiciais, p. 76

 

[27] MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 86.

[28] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. TEORIA GERAL DO PROCESSO. 19. Ed. São Paulo: Malheiros, p. 68.

[29] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm - Acesso em 19.08.2012

[30] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11232.htm - - Acesso em 19.08.2012

[31] WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 1987.p 41

[32] Pg.–567- Júnior, Humberto Theodoro – Curso de Direito Processual Civil- Vol I – 47ª edição – Ed. Forense

[33]CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2ª ed., Campinas, Bookseller, 2000, p. 217. apud WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo civil. P. 42

[34]CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, volume I, 11ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 271.

[35] LIEBMAN Apud WATANABE, 2000, p. 47

[36] kazuo

[37] kazuo

[38]WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais,1987.p 41

[39] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. V.1. 5ª Ed. São Paulo: RT, 2001, p. 69.

[40] Pg.–94 Pg 182.–Nelson Nery Junior – Princípios do Processo Civil na Constituição Federal- 7ª edição- Editora Revista dos Tribunais- Vol. 21- Coleção Estudos de Direito de Processo

[41] MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. V. III. Campinas: Bookseller, 1997, p. 496).

[42] Pg.–14 José Rogério Cruz e Tucci

[43] TARUFFO, Michele. La pruebade los hechos. 2ª Ed. Madri: Editorial Trotta, 2005, p. 435 In CARDOSO, Oscar Valente. O aspecto Quádruplo da Motivação das Decisões Judiciais: Princípio, Dever, Direito e Garantia. Revista Dialética de Direito Processual n. 111

[44] Pg.–14 José Rogério Cruz e Tucci

[45] Pg.–15 José Rogério Cruz e Tucci

[46] Pg.–241 Candido Rangel Dinamarco

[47] Pg.–241 Candido Rangel Dinamarco

[48] Pg.–254 Revista de Processo – Repro 129 – ano 30 – novembro 2005 – editora revista dos tribunais – “A motivação per relationem” Vitor Fonsêca

[49] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. Vol , p. 233.

[50] PONTES DE MIRANDA, Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense.t.II, arts 46 a 153. P. 410

[51] Pg.–258 Revista de Processo – Repro 129 – ano 30 – novembro 2005 – editora revista dos tribunais – “A motivação per relationem” Vitor Fonsêca

[52]NERY JUNIOR, Nelson ET al. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL EXTRAVAGANTE EM VIGOR. 6. Ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 759.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância que a fundamentação das decisões judiciais em nosso ordenamento jurídico.

Motivar as decisões significa fundamenta-las, explicar as razões de fato e de direito que implicaram o convencimento do juiz. Para que uma decisão seja considerada motivada o magistrado deve além de indicar as normas legais aplicadas ao caso, exteriorizar o valor acerca das provas produzidas e fatos, finalizando seu raciocínio com decisão diretamente ligada à operação lógica realizada.

O dever de motivação das decisões judiciais foi positivado nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo de forma lenta e esparsa. Em um primeiro momento, a ideia de motivação dos atos decisórios servia apenas para verificar o tipo de raciocínio lógico utilizado no processo cognitivo desenvolvido pelo magistrado. Apenas depois da segunda metade do século XVIII que foi possível observar uma difusão maior deste principio nas legislações ocidentais.

A relevância histórica do dever de motivação e sua utilidade prática em um  Estado Democrático de Direito, deve ser observada e respeitada assim como o fez o legislador Constituinte, ao prever no artigo 93, inciso IX, que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, devendo ser fundamentadas todas as suas decisões, sob pena de nulidade.

Tal dever atualmente previsto no texto Constitucional de 1988, antes inexistia em nosso ordenamento jurídico de forma expressa. Os doutrinadores e os aplicadores do direito eram obrigados a extrair a ideia deste principio de outros textos legais.

O princípio do dever de motivação das decisões judiciais é uma garantia da sociedade em geral, de modo que através das fundamentações apresentadas em uma decisão é possível fiscalizar e controlar os atos jurisdicionais visando principalmente monitorar atos de irresponsabilidade por parte dos magistrados.

 Em função da observância deste principio, permite-se a sociedade um meio de controle externo sobre a legalidade e a base de decisões proferidas. Elemento essencial de uma ideologia democrática.

A atividade jurisdicional do magistrado não se restringe apenas à aplicação da lógica da lei e, é por esse motivo que é necessário a fiscalização do controle das decisões proferidas a fim de garantir juízes imparciais, atuando em conformidade com a legalidade.

 A observância ao principio da motivação serve como mecanismo de legitimação do poder e garantia aos direitos fundamentais do individuo, sendo, portanto, garantia inerente ao Estado democrático de Direito.

Infelizmente, muitos magistrados insistem em proferir decisões carentes de uma fundamentação adequada. Tal atividade acarreta a nulidade de tais atos e transparece o descaso de tais juízes diante da sociedade como um todo.  

Cabe, portanto, a nós fiscalizar a atuação jurisdicional, especialmente no tocante ao dever de motivar imposto aos juízes, exigindo decisões adequadamente fundamentas.

 

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

 

1.1  Breves Antecedentes históricos

Historicamente, há muito tempo verifica-se a existência de disposições legais acerca da obrigatoriedade de motivação nas decisões judiciais. O Brasil, no período colonial, regulava-se conforme as disposições legais da Corte Portuguesa. Assim, o processo civil em nosso país, ao longo do período em que vivemos como colônia, ou mesmo como reino unido ao de Portugal, era regido pelas leis provenientes daquela nação.

Mesmo após a Proclamação de Independência brasileira, por força do Decreto de 20 de outubro de 1823, algumas normas advindas da Corte Portuguesa, desde que não confrontassem com a soberania nacional e o regime político adotado, continuaram a exercer influência em nosso território. Por força deste decreto, enquanto não fosse elaborado um novo Diploma processual, a legislação portuguesa (ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos, portarias e resoluções) continuaria sendo usada em nosso país.

Dentre as normas que continuaram sendo utilizadas estão as Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603 por Felipe II de Espanha e I de Portugal. Verifica-se que, em seu Livro III, Título LXVI, parágrafo 7º, primeira parte, já havia disposição expressa acerca da necessidade de fundamentação por parte dos magistrados em suas decisões.

E para as partes saberem se lhes convém apellar, ou aggravar das sentenças definitivas, ou vir com embargos a ellas, e os Juízes de mór alçada entenderem melhor os fundamentos, por que os juizes inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos Desembargadores, e quaesquer outros Julgadores, ora sejam letrados, ora não sejam, declarem specificamente em suas sentenças deffinitivas, assim na primeira instancia, como no caso da appellação, ou aggravo ou revista. as causas, em que se fundarem a condenar, ou absolver, ou confirmar, ou revogar.[1]

 

De acordo com o disposto nas Ordenações Filipinas, verifica-se que a necessidade de motivar as decisões judiciais servia às partes como instrumento que facilitava a identificação dos motivos que levara o juiz a julgar daquela forma, facilitando assim a avaliação de haver, ou não, conveniência de recorrer. Além disso, também possibilitava ao sucumbente definir, de forma individualizada, os argumentos que seriam utilizados na hipótese de interposição de impugnação.

Em 31 de março de 1824, com a intenção de acabar com os abusos freqüentes administrados pelos magistrados, foi baixada uma portaria pelo então Ministro Clemente Ferreira França com determinando: “que os Juízes de mór alçada, de qualquer qualidade, natureza e graduação, declarem nas sentenças que proferirem, circunstanciada e especificamente, as razões e fundamentos das mesmas [2]”.

 

Após a emancipação política brasileira, muito tempo se passou sem que nada de novo surgisse tratando sobre a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais. Em 29 de novembro de 1832 foi promulgado o Código do Processo Criminal do Império que nada inovou sobre o assunto. Assim, quando cogitado o assunto sobre o dever de motivação, logo a doutrina remetia-se ao sistema processual filipino.

Algum tempo depois, foi promulgado o primeiro ato legislativo genuinamente brasileiro no qual o legislador editou norma relativa ao dever de motivação das decisões judiciais. O Regulamento 737, de 25 de novembro de 1852, em seu artigo 232, dispunha o seguinte sobre o assunto:

 

A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a contestação com os fundamentos respectivos, motivando com precisão o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou stylo em que se funda” [3]

 

Tal regulamento expunha que além da decisão dever ser clara, ela deveria conter a fundamentação jurídica a qual se associava além da síntese das alegações deduzidas pelas partes.

Nosso primeiro texto constitucional republicano surgiu com o advento da Constituição de 1891 que consagrou o chamado “período de dualidade processual”. Neste momento, o sistema comportava uma divisão de competência legislativa entre a União e os Estados, uma vez que estabelecia em seu artigo 34, n. 23, a possibilidade de os Estados-Membros editarem normas de direito processual. [4]

A maioria dos códigos estaduais deste período limitou-se a copiar preceitos antes tidos nas Ordenações do Reino. Dentre tais Estatutos estão o Código de Processo Civil e Comercial do Rio Grande do Sul (artigo 499), do Espírito Santo (artigo 259), do Maranhão (artigo 322) e, ainda, a Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal (artigo 255, parágrafo terceiro). Já os Estatutos que apresentavam redação mais específica acerca da necessidade de fundamentação nas decisões judiciais estavam o dos Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. [5]

A unidade legislativa em matéria processual só foi restabelecida com o advento da Constituição Federal de 10 de novembro de 1937 (artigo 16, XVI). [6]

Como consequência deste novo texto constitucional, foi editado o primeiro Código de Processo Civil, com abrangência nacional, aprovado pelo Decreto Lei n. 1608, de 18 de setembro de 1939.

O novo Código continha previsão expressa sobre o dever de fundamentação nas decisões judiciais. O artigo 118, em seu parágrafo único, afirmava que “o juiz indicará na sentença ou no despacho os fatos e circunstâncias que motivaram seu convencimento” [7].

Além deste artigo, continha também outro dispositivo, o artigo 280 que previa:

“Art. 280 A sentença que deverá ser clara e precisa, conterá:o relatório;os fundamentos de facto e de direito;a decisão.

Parágrafo único. O relatório mencionará o nome das partes, o pedido e o resumo dos respectivos fundamentos.” [8]

 

Atualmente, o Código de Processo Civil, promulgado em 1973, também possui dispositivos legais acerca da necessidade das decisões judiciais serem fundamentadas. O artigo 131 dispõe:

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar na sentença, os motivos que lhe formaram convencimento.” [9]

 

Embora o magistrado possa decidir livremente, o texto legal impõe a demonstração dos motivos que lhe levaram a formar tal convencimento. No entanto, há a possibilidade desta motivação ser feita de forma concisa, em alguns casos específicos, sem prejuízo a nenhum dos envolvidos no processo. A lei apenas possibilita que o magistrado, diante de decisões mais simples, profira seus motivos, porém de forma breve e sucinta. É o que prevê o artigo 165:

 

“Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.” [10]

 

O artigo acima comentado menciona outro dispositivo do texto legal, o artigo 458 do Código de Processo Civil, onde se encontram os requisitos essenciais da sentença, estando dentre eles, no inciso II, os fundamentos inertes à decisão proferida pelo juiz.

 

“Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:

I-            o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II-           os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III-          o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.” [11]

 

Tamanha é a importância do dever de motivação das decisões judiciais, que o Código de Processo Penal brasileiro, ao indicar os requisitos essenciais da sentença, menciona ser necessária a indicação dos motivos de fato e de direito que fundaram a decisão.

“Art. 381. A sentença conterá:

I-           os nomes das partes, ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las;

II-          a exposição sucinta da acusação e da defesa;

III-         a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

IV-        a indicação dos artigos de lei aplicados;

V-         o dispositivo;

VI-        a data e a assinatura do juiz.” [12]

Haja vista todos os dispositivos legais abordados até agora, verifica-se que antes mesmo do advento da Carta Magna de 1988 a legislação infraconstitucional já se referia ao dever de motivar as decisões judiciais.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 o dever de motivação das decisões judiciais passou a ter status de garantia constitucional. A garantia ora em análise encontra-se prevista no artigo 93, inciso IX, prevendo inclusive penalidade no caso de seu descumprimento.

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

IX- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”,[13]

 

Como consequência da persuasão racional, é o próprio juiz que valora as provas, limitando-se àquelas que se encontram nos autos do processo. No entanto, é obrigado a fundamentar e motivar sua decisão indicando o caminho percorrido até alcançar seu convencimento. Para atribuir legitimidade a tal atividade é preciso ainda que este, ao fazê-lo, o faça de forma clara de forma que qualquer um, inclusive pessoas estranhas ao processo, sejam capazes de entender o raciocínio lógico utilizado por ele.

1.2    A afirmação do dever de motivação dos atos decisórios e o Estado democrático de Direito

O tema relativo ao dever da motivação das decisões judiciais é de extrema importância ao Direito contemporâneo na medida em que representa uma garantia constitucional aos litigantes contra atentados aos direitos fundamentais assegurados em nossa Carta Magna.

A existência de direitos fundamentais na Constituição de 1988 condiciona o julgador a observá-los. Quando o artigo 93 preconizou ser dever do juiz motivar suas decisões sob pena de nulidade, assim o fez de acordo com o princípio do livre convencimento motivado. Assim, concede-se a faculdade ao magistrado à livre apreciação de provas que, em contrapartida, deverá expor justificativa racional que lhe levou a determinada conclusão.

A observância ao princípio da motivação das decisões judicial legítima o exercício do poder pelo Judiciário no Estado Democrático de Direito. É por meio deste que o povo, detentor do poder, é capaz de evitar abusos na condução e no julgamento dos processos.

Ao procurar o significado da palavra democracia no dicionário da língua portuguesa, verifica-se o seguinte conceito: “sistema político em que a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e de liberdade”. [14]

O conceito de “Estado Democrático de Direito” estaria vinculado a um país governado e administrado por poderes legitimados, submissos à lei e obedientes aos princípios democráticos fundamentais.

Baseado na soberania popular, a democracia vincula-se à participação política efetiva dos cidadãos que, por sua vez, devem ter seus direitos respeitados.

Tércio Sampaio Ferraz Jr manifesta-se nesse sentido:

“Nestes (termos deve ser entendido o art. 1º: a República Federativa do Brasil) constitui-se em Estado Democrático de Direito, Ela não é constituída pelo Estado (ainda que democrático de Direito), mas se constitui em Estado. E o faz pela afirmação da cidadania, que é um dos seus fundamentos, junto com a dignidade da pessoa humana, a soberania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político (art. 1º, I até V). Este conjunto que, nos termos de uma análise legitimamente, se resume num conceito abrangente de cidadania, dá um sentido político de esfera pública ao parágrafo único do art. 1º. ‘ Todo poder emana do povo’. Nota-se que o texto diz: todo o poder e não todo poder. Trata-se de um só poder, o poder da cidadania enquanto agir conjunto, que a todos inclui e ninguém absorve. Por isso, soberano e pluralista, respeitador dos limites da sociedade civil, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Estas são as bases principais, fundamentos (normativos, prescritos,não descritos, empíricos) da ordem republicana”[15]

Assim, um Estado democrático de Direito deve necessariamente agir em conformidade com os postulados legais, estendendo sua atenção ao cumprimento dos princípios previstos na Constituição Federal.

A compreensão do Conceito de Estado Democrático de Direito e de seus componentes fundamentais (supremacia da Constituição, separação dos poderes, princípio da legalidade e direitos do homem) auxiliam no entendimento da importância do dever de fundamentar as decisões judiciais em face dos princípios previstos pela Constituição Federal.

O povo tem o poder/dever de participar na formação da vontade estatal, na medida em que delega representantes que, em espaços juridicamente delimitados, exercerão suas funções.

Michele Tarufo entende que a obrigação constitucional de motivação das decisões judiciais verifica-se como uma expressão do princípio da participação popular no governo:

“Essa consiste no asseguramento do controle do modo pelo qual os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes é atribuído, no âmbito de um princípio mais geral de controle que caracteriza a noção moderna de Estado de Direito”.[16]

O autor, conforme transcrição acima reconhece a importância da participação popular (democracia), no exercício de sua soberania, de fiscalizar os atos decisórios de seus magistrados que, em última instância serão proferidos em nome da própria sociedade que os escolheu.

Por meio da fundamentação das decisões, os magistrados exporiam as razões que lhes levaram a decidir de tal maneira, possibilitando ao povo, desta forma, exercer controle sobre tais atos.

Nesse sentido, Taruffo afirma:

Os destinatários da motivação não seriam somente as partes, os seus advogados e o juiz de instância superior, mas também a opinião pública compreendida em seu complexo, de opinião de quaisque de popolu. A consequência política desta mudança de perspectiva é evidente: a ótica ‘privada’ do controle exercido pelo juiz de grau superior é integrada na ótica ‘democrática’ do controle que deve ser exercido por aquele mesmo povo, em cujo nome a sentença vem pronunciada.[17]

A ideia do dever de fundamentação das decisões judiciais mescla-se com a do Estado Democrático de Direito uma vez que os deveres de fundamentação encontram-se não só a serviço do Estado de Direito, mas também da legitimidade democrática.

O dever de fundamentar as decisões judiciais decorre de um princípio estruturante da Constituição Federal, o do Estado Democrático de Direito, desta forma tal imposição não possui exceção em nosso ordenamento atual, devendo ser respeitada em qualquer hipótese.

Este dever representa, ao mesmo tempo, uma característica inerente do Estado Democrático de Direito como também uma garantia. Garantia essa que tem o cidadão de conhecer das razões pelas quais o magistrado julgou de determinada maneira.

O Estado Democrático de Direito é regido por diversos princípios que se relacionam e se conectam com outros valores a eles inerentes Assim, confere-se garantia aos cidadãos de que os órgãos da magistratura, dos quais terão que se submeter, somente poderão agir, de forma independente e responsável, em conformidade com os preceitos constitucionais.

Assim, conclui Nojiri

“(...) Estado Democrático de Direito se fundamenta num regime de impessoalidade e que almeja colocar os cidadãos a salvo de intemperanças de eventuais indivíduos no exercício do Poder, o dever de se fundamentarem as decisões judiciais consubstancia-se numa verdadeira garantia constitucional contra perseguições oriundas de caprichos pessoais ou causas outras ligadas a finalidades estranhas à consecução de objetivos traçados na lei,”.[18]

O Supremo Tribunal Federal ao entender ser a fundamentação indispensável às decisões judiciais, e ao direito positivo brasileiro, afirma:

A exigência de motivação dos atos jurisdicionais constitui, hoje, postulado constitucional inafastável, que traduz poderoso fator de limitação ao exercício do próprio poder estatal, além de configurar instrumento essencial de respeito e proteção as liberdades públicas. Com a constitucionalização desse dever jurídico imposto aos magistrados – e que antes era de extração meramente legal – dispensou-se aos jurisdicionados uma tutela processual significativamente mais intensa, não obstante idênticos os efeitos decorrentes de seu cumprimento: a nulidade insuperável e insanável da própria decisão. – A importância jurídico-política do dever estatal de motivar as decisões judiciais constitui inquestionável garantia inerente a própria noção do Estado Democrático de Direito. Fator condicionante da própria validade dos atos decisórios, a exigência de fundamentação os pronunciamentos jurisdicionais reflete uma expressiva prerrogativa individual contra abusos eventualmente cometidos pelos órgãos do Poder Judiciário.[19]

O dever de motivar no contexto de um Estado Democrático de Direito é imposto ao juiz pelo próprio exercício de sua jurisdição, pois se trata do único instrumento idôneo para o controle de suas atividades. Ademais, a motivação das decisões proferidas interessa não apenas ao cidadão como garantia de sua liberdade em face do eventual arbítrio judicial, como também ao Estado, que tem interesse que a lei seja cumprida e de forma que a justiça seja corretamente administrada.

Na obra de Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, a importância da fundamentação das decisões judiciais é comentada:

Mais modernamente, foi sendo salientada a função política da motivação das decisões judiciais, cujos destinatários não são apenas as partes e o juiz competente para julgar eventual recurso, mas quis-quis de populo, com a finalidade de aferir-se em concreto com a imparcialidade do juiz e a legalidade e justiça das decisões.[20]

Princípios servem como base para as normas jurídicas. O princípio da motivação das decisões judiciais, em um Estado Democrático de Direito, como conseqüência do devido processo legal, transpassa sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica positivada. Na visão de Kelsen os princípios intrínsecos à Constituição Federal são um ponto básico da estrutura jurídica, servindo como ponto de partida para a aplicação das normas fundamentais.

2.4 Correlação do dever de motivação das decisões judiciais com os demais Princípios Constitucionais

 

O princípio da motivação das decisões judiciais guarda relação com outros princípios constitucionais como será analisado a seguir. Segundo Watanabe:

O direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade e de outros corolários, do conceito do devido processo legal.[21]

2.4.1 Princípio do devido processo legal

O texto constitucional prevê expressamente, no artigo 5º, inciso, LVI, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. [22]

O princípio do devido processo legal (due processo of Law) visa garantir a todos o acesso ao direito, a justiça. Nelson Nery Junior, sobre as garantias decorrentes deste principio, enumera:

a)     direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto incriminação.[23]

A necessidade de motivar, como visto, tem como um de seus objetivos “monitorar” o arbítrio por parte do magistrado, impondo-lhe o dever de exposição das razões de fato e de direito utilizadas, em conformidade com a lei, no decorrer de sua atividade até a prolação de sua decisão.

Desta forma o magistrado realiza atividade cognitiva em função do cargo que ocupa, devendo sempre se atentar aos interesses da coletividade (interesse público). Assim, as decisões judiciais estão adstritas a preceitos legais e ao processo cognitivo desenvolvido pelo juiz, relacionando-se, portanto com o principio do devido processo legal.

É possível também estabelecer conexão entre o principio de motivação das decisões judiciais com o da responsabilidade estatal. Como uma forma de controle da atividade jurisdicional, João Barbalho, assim entende:

É da essência do regime republicano que quem quer que exerça uma parcela do Poder Público tenha responsabilidade de seu exercício; ninguém desempenha funções políticas por direito próprio; nele não pode haver invioláveis e irresponsáveis, entre os que exercitam poderes delegados da soberania nacional.[24]

A regra da motivação das decisões dos magistrados, também se apresenta como instrumento assegurador do principio do livre convencimento motivado do juiz. Nelson Nery, acerca da matéria, observa que:

A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos que vão desde a necessidade da comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF, trazendo conseqüentemente a exigência da imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que decidir de acordo com a sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio livre convencimento motivado).[25]

A motivação da sentença proporciona às partes alcançar a efetividade do direito de ação e  aferir a justeza dos argumentos, a imparcialidade do juiz, a legalidade da decisão, a efetividade do contraditório, além de permitir-lhes o controle do processo quanto ao modo como o Poder está sendo exercido.

Wantabe completa o entendimento com os dizeres:

Não se organiza justiça para uma sociedade abstrata, e sim para um país de determinadas características sociais, politicas, econômicas e culturais, o que significa garantir o processo, com procedimento adequanto (devido processo lehal).[26]

É em razão disso, que a garantia constitucional do devido processo legal - a qual, em essência, contempla toda extensão do direito ao processo justo - adquire extrema relevância democrática, pois impede restrições indevidas às esferas jurídicas dos cidadãos, exigindo a pré-existência do mecanismo processual, pelo qual os litigantes têm oportunidade de deduzir  as suas razões e a  suas defesas, alegando e demonstrando fatos, dos  quais, pela sua aderência às regras e aos princípios contidos dentro da moldura do ordenamento  jurídico venham a obter a tutela de seus direitos.

O devido processo legal é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios.

2.4.2 Princípio da publicidade dos atos processuais

 

De nada adiantaria se o magistrado fundamentasse suas decisões e não as tornasse pública. Daí a correlação com o principio da publicidade, também consagrado pelo texto constitucional no artigo 93, IX, da mesma forma essencial para a caracterização do Estado Democrático de Direito.

Segundo o artigo 5º, LX, todos os julgamentos dos órgãos do poder judiciário deverão ser públicos. Hely Lopes Meirelles, a respeito do principio da publicidade, afirma: “a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade”.[27]


2. – MOTIVAÇÃO COMO ATO PROCESSUAL

 

2.1  Escopos da motivação das decisões judiciais

 

O professor José Rogério Cruz e Tucci elenca três escopos diversos acerca da obrigatoriedade das decisões judiciais: a) um escopo de ordem subjetiva; b) um escopo de ordem técnica e c) um escopo de ordem pública.

O primeiro escopo, de ordem subjetiva, segundo o autor, justifica-se primeiramente em demonstrar ao próprio órgão jurisdicional, antes mesmo do que às partes, a razão que legitima seu ato decisório. Ademais, possibilita a parte sucumbente do processo o acesso aos argumentos utilizados demonstrando assim que o litígio foi resolvido em conformidade com a lei.

Somente com a ciência dos fundamentos do decidido é que o interessado seria capaz de interpor recurso de modo correto. Além disso, o órgão ad quem, no caso da necessidade de uma nova decisão, poderia exercer com maior presteza a revisão dos fatos se bem estiver fundamenta decisão de primeira instância. Sob este prisma encontra-se o escopo de ordem técnica para o autor.

Ao identificar o dever de motivação das decisões judiciais como um instrumento técnico cuja função seria o de auxiliar o funcionamento do processo e organização do poder judiciário, Michele Tarufo pontifica:

no âmbito de uma organização judiciária que é estruturada segundo os princípios de ordem hierárquica e burocrática, a motivação assegura a possibilidade de controle vertical operado pelo juiz, que é uma exigência típica do Estado Democrático centralizado” (pg 21 NOJIRI)[28]

Além dos escopos cuja conotação remete-se diretamente ao processo em si (endoprocessuais), Tucci entende que o dever de fundamentação também possui um escopo extraprocessual, o de ordem pública.

“Assim, o princípio da obrigatoriedade da motivação da sentença tem o condão de tornar efetivas as normas que garantem o direito de defesa e a imparcialidade e independência do juiz” ... “dada a dimensão de seu significado jurídico-político, aflora, em nossos dias, a necessidade de controle (extraprocessual) “generalizado” e “difuso” sobre o modus operandi do juiz no tocante à administração da justiça (pagina 23)

O escopo de ordem pública representa a garantia inerente ao Estado Democrático de Direito, em que o povo, através da motivação, é capaz de controlar a legalidade das decisões proferidas pelo judiciário.

A função extraprocessual deste princípio encontra-se intrínseco ao Estado Democrático de Direito que, por sua vez, é previsto em nossa Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos (...)”[29]

De forma simplificada e resumida, é possível afirmar que a exigência de motivação nas decisões judiciais possui escopos endoprocessuais e extraprocessuais.

2.1  Decisão judicial. Conceito

 

Antes da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, o Código de Processo Civil, ao classificar o conceito de decisões judiciais, utilizava apenas fundamentos acerca da finalidade do ato, sua conseqüência. Assim, se a finalidade do ato fosse extinguir o processo, estaríamos diante de uma sentença. No caso de uma decisão no curso do processo que não fosse extingui-lo, falava-se em decisão interlocutória. E, se a finalidade da decisão era de apenas dar prosseguimento ao processo, despacho seria a sua classificação.

Com a nova redação atribuída ao artigo 162 em virtude da Lei 11232, tais conceitos permaneceram da seguinte forma:

“Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§”1º Sentença é ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei.

§2º Decisão Interlocutória é ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente.

§”3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma.

§”4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revisto pelo juiz quando necessário”.[30]

Com o novo texto legal, as sentenças passam a ser definidas conforme um critério misto: conteúdo e finalidade. Sentença, a partir desses critérios de definição, é o pronunciamento do juiz que contenha alguma das circunstancias previstas nos artigos 267 e 269 do CPC e que, ao mesmo tempo, extingue o processo ou procedimento no primeiro grau de jurisdição, resolvendo ou não o mérito.

A alteração trazida pela Lei não alterou o sistema do CPC no que tange aos pronunciamentos do juiz e sua recorribilidade. A vontade do legislador com a nova redação foi de transformar os processos de liquidação de sentença e de execução em etapas finais do processo de conhecimento, sem a necessidade de um processo autônomo de execução.

Depois de exposto o conceito atualmente utilizado para sentenças, decisões interlocutórias e despachos, cabe verificar qual a extensão e aplicabilidade do artigo da 93, IV, CF a tais decisões judiciais.

Sergio Nojiri aduz que quando a Lei Magna fala em decisão judicial, na verdade, ela se refere a toda manifestação judicial que possua conteúdo decisório que possa causar algum tipo de lesão às partes. Tais decisões devem estar claramente fundamentadas, uma vez que as partes poderão utilizar-se de tais argumentos para individualizar suas razões, caso venha a exercer seu direito ao contraditório por meio de uma impugnação

2.1 Cognição. Conceito.

O termo cognição atualmente abrange não somente isolada atividade jurisdicional, como também é empregado para designar o processo em si.

 Kazuo Watanabe, em sucintas palavras defini cognição:

“A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consistente em considerar, analisar e valorar as alegações provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é alicerce, o fundamento do  judicium, do julgamento do objeto litigioso do processo”.[31]

Ao desempenhar sua atividade jurisdicional, o magistrado desenvolve um processo de cognição (conhecimento) do qual, posteriormente, decorrerá um provimento, uma decisão. Tal decisão, portanto, é consequência da atividade cognitiva exercida pelo juiz, em que serão utilizados elementos lógicos e intelectuais para tanto. Humberto Theodoro Júnior aduz a respeito:

“(...) o magistrado examinando as questões de fato e de direito, constrói as bases lógicas da parte decisória da sentença. Trata-se de operação delicada e complexa em que o juiz fixa as premissas da decisão após laborioso exame das alegações relevantes que as partes formularem, bem como do enquadramento do litígio nas normas legais aplicáveis”.[32]

A decisão judicial constituí, se não o mais importante, um dos atos mais relevantes no desenrolar do processo, pois, através dela o juiz declarará qual tutela jurídica será concedida para pacificar a lide trazida ao judiciário. Para tanto, como já dito, será necessário que ao exercer seu poder de decisão, o magistrado tenha antes desenvolvido um processo de cognição complexo que vai além dá simples análise do caso.

Sobre isso, Chiovenda ensina:

Antes de decidir a demanda, realiza o juiz uma série de atividades intelectuais com o objetivo de se aparelhar para julgar se a demanda é fundada ou infundada, e pois, para declarar existente a vontade de lei de que se cogita.[33]

A atividade de cognição exercida pelos magistrados, como demonstrado acima, é complexa e não pode ser resumida, ou baseada, na simples construção de um silogismo em que, de duas premissas se extrairá um resultado. O processo de cognição requer experiências, depende do tipo de educação, fatores histórico-culturais. Tudo isso influenciará o magistrado em sua decisão final.

De acordo com Alexandre Freitas Câmara a cognição judicial pode ser conceituada como:

a técnica utilizada pelo juiz para, através de consideração, análise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las. Trata-se de atividade comum a todas as categorias de processo, embora se revele predominante no processo cognitivo. [34]

É evidente que a cognição judicial esta diretamente relacionada com requisitos de caráter lógico, porém, estes não são suficientes para que esta seja satisfatória.

É nessa linha de pensamento que Liebman afirma:

É muito mais complexa e compreende momentos de decisiva importância que não são de simples dedução lógica e sim de intuição e de concreta apreciação do caso, nos quais influem de maneira mais ou menos consciente, critérios de experiência, de oportunidade e de justiça, inspirados nas condições históricas, econômicas e políticas da sociedade.[35]

É importante que os juízes estejam sempre em busca de aperfeiçoamentos em disciplinas técnico-jurídicas e, não obstante, que se mantenham sempre atualizados em matérias de ordem econômica, sociológica e até psicológica, :a fim de agregar informações que lhe permitam ter claro consigo o contexto social, econômico e social em que atuam. Isso os auxiliará no processo de cognição.

A cognição judicial é uma valiosa técnica de adequação do processo à natureza do direito material, ou mesmo à peculiaridade da pretensão a ser efetivamente tutelada. Mostra-se a cognição como uma importante ferramenta em prol da instrumentalidade substancial, no sentido de oferecer todos os recursos necessários ao efetivo amparo dos direitos e interesses contra toda e qualquer violação, ou mesmo ameaça de ofensa [

2.2.1 A cognição considerada nos planos vertical e horizontal

 

Entendendo cognição como uma técnica utilizada pelo juiz, em que, por meio de um processo de conhecimento, formará um juízo de valor acerca das questões suscitadas no processo, ela pode ser explicada sob dois pontos de vista distintos: o horizontal (extensão e amplitude) e o vertical (profundidade).

Miguel reale afirma:

O conhecimento científico realiza sempre uma ordenação dos fenômenos e da realidade orientando-se no sentido da generalidade objetiva. Podemos dizer, recorrendo a uma imagem imperfeita, que este trabalho de ordenação se processa vertical e horizontalmente. Verticalmente, no sentido de uma sondagem cada vez mais penetrante nos estratos da realidade para a classificação minuciosa dos objetos e a indagação de seus antecedentes e conseqüências; e, horizontalmente, no sentido de procurar, cada vez mais, os nexos que ligam entre si os resultados atingidos [66].

No plano horizontal o que limita a cognição são os elementos objetivos do processo, quais sejam: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive de mérito. Neste plano, a cognição desenvolvida poderá ser plena ou limitada.

Enquanto isso, no plano vertical, classifica-se a cognição conforme o grau de profundidade atingido, podendo ser exauriente (completo) ou sumário (incompleto).

O magistrado, por meio das combinações dentre tais tipos de cognição, poderá conceber diferentes tipos de decisões. Evidente é que quando as partes procuram o judiciário, buscam elas uma resposta completa e exauriente. Toda decisão que tem como base uma cognição plena e exauriente, oferece mais segurança jurídica às partes e ao processo.

Kazuo Watabe, nos ensina nesse sentido:

É através do procedimento, em suma, que se faz a adoção das várias combinações de cognição consideradas nos dois planos mencionados, criando-se por essa forma tipos diferentes de processo que, consubstanciando um procedimento adequado, atendam as exigências das pretensões materiais quanto à sua natureza, à urgência da tutela, à definitividade da solução e outros aspectos, além de atender as opções técnicas e políticas do legislador. Os limites para a concepção dessas várias formas são os estabelecidos pelo princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional e pelos princípios que compõe a cláusula do “devido processo legal..[36]

2.2.2. Espécies de cognição judicial

Após a analise do conceito de cognição judicial há de se classificar suas diversas espécies decorrentes do cruzamento de modalidades existentes nos planos horizontal e vertical.

Chiovenda classifica a cognição judicial em duas modalidades: ordinária e sumária.

Diz-se ordinária, ou seja, plena e completa, a cognição do juiz, quando tem por objeto o exame a função de todas as razões das partes, quer dizer, de todas as condições para a existência do direito e da ação de todas as exceções do réu. Qualifica-se de sumária ou incompleta a cognição do juiz quando o exame das razões das partes ou não exaustiva ou é parcial. [37]

Kazuo Watanabe, e a doutrina majoritária, não classificam as espécies de cognição como Chiovenda. Wanatabe adota a seguinte classificação:

a) cognição plena e exauriente: àquela feita de forma plena sobre todos os elementos objetivos do processo. Neste tipo de cognição há maior segurança jurídica haja vista que a decisão do magistrado é completamente fundada em certezas. É um procedimento comum do processo de conhecimento (ordinário ou sumarissímo).

b) cognição parcial e exauriente: Na atividade cognitiva parcial e exauriente, a cognição do magistrado não atinge toda a realidade fática (limitada quanto à extensão), porém, os pontos que podem ser conhecidos pelo juiz são solucionados sem limite no tocante à profundidade. Watanabe afirma que “a característica dessa modalidade de cognição está na limitação no tocante à amplitude, mas ilimitação quanto à profundidade da cognição voltada ao objeto cognicível”. [38]

c) cognição plena e exauriente (secundum eventum probationis): para que ocorra uma atividade cognitiva sem limites nos planos horizontal e vertical, é necessária a existência de provas o suficiente para que a controvérsia seja dirimida, baseando-se o magistrado, neste caso, em juízos de certeza. Assim, não há limitação à extensão da matéria a ser discutida em juízo, mas com o condicionamento da profundidade da cognição à existência de elementos comprobatórios suficientes;

d) cognição eventual, plena ou limitada e exauriente (ou secundum eventum defensionis): nota-se essa espécie de cognição nas tutelas de urgência, como por exemplo, na antecipação dos efeitos da tutela e nas ações cautelares, nas quais, diante da existência do fumus boni juris e do periculum in mora, o Estado entrega de forma imediata a tutela solicitada, haja vista que qualquer espécie de atraso pode ocasionar danos irreparáveis à parte que pediu a proteção estatal.

e) cognição sumária: A cognição sumária, por sua vez, é a que atinge superficialmente o que é posto para ser conhecido no processo (plano vertical), é uma cognição menos profunda no sentido vertical. A utilização dessa espécie de cognição é permitida, via de regra, em razão da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, ou para a antecipação do provimento final, nos casos permitidos em lei, ou ainda em razão da particular disciplina da lei material 

2.4   Motivação judicial. Conceito.

 

 Como visto, o juiz ao realizar processo de cognição, exerce verdadeiro trabalho de reconstrução da história em que, por meio de um raciocínio lógico, critico, intelectual proferirá sua decisão.

Na lição de Ovídio Baptista, o livre convencimento motivado importa na ausência de restrições ao juiz quanto à aplicação legal, existindo uma “(...) faculdade reconhecida ao dever julgador de livre e ampla apreciação de prova, sem as peias que o ordenamento processual lhe possa criar por meio de princípios limitadores de sua ampla investigação e conhecimento”.[39]

Nelson Nery Junior defini o ato de fundamentar do juiz da seguinte forma:

Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão. Não se considerem “substancialmente” fundamentadas as decisões que afirmam que “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido .[40]

José Frederico Marques faz a associação do livro convencimento motivado a dois elementos que, em seu entendimento, se completam: a) a livre apreciação das provas pelo juiz e b) a justificação de sua escolha por determinadas provas em detrimento de outras.

As provas dos autos fornecem ao magistrado o material necessário para a configuração dos fatos. O juízo de valor sobre a credibilidade dessas provas, bem como a apreciação de umas em confronto com as outras e as inferências e deduções finais sobre o complexo probatório dos autos, constituem operações de livre crítica a cargo do juiz. Mas essa apreciação subjetiva não pode ser arbitrária, mas sim, necessita operar-se com objetividade e rigor lógico. Daí ser imprescindível, para o juiz, a manifestação formal dos “motivos que lhe formaram o convencimento”´.[41]

Para Carnelutti, o conceito de motivação consiste:

“(...) a motivação da sentença consiste na construção de um raciocínio suficiente para que dos fatos, considerados pelo juiz, qualquer homem sensato possa compreender a conclusão contida na parte dispositiva daquela”.[42]

Michele Taruffo diz que a motivação não é a explicação do procedimento lógico ou psicológico que levou o juiz a tomar aquela decisão, mas, sim, a explicação das razões do julgador, a fim de demonstrar que a mesma é amparada por bases racionais e idoneas que a torna aceitável:

Uma justificativa racional desenvolvida ex post sobre a decisão, com  o objetivo de, em qualquer caso, permitir o controle sobre a racionalidade da própria decisão.[43]

José Rogério Cruz e Tucci, também se posiciona e conceitua motivação como:

“a motivação da sentença, portanto, é a parte do julgado que deve conter, ainda que extremadas, a exposição dos fatos relevantes para a solução do litígio e a exposição das razões jurídicas do julgamento”.[44]

Todos esses conceitos demonstram ser a motivação a representação apresentada pelo magistrado do caminho lógico-intelectivo que lhe levou a chegar a determinado veredicto, representando a exteriorização ao público dos motivos que lhe são peculiares.

Tratando-se de uma sentença, conforme artigo 458 do Código de Processo Civil, dentre os requisitos essenciais da sentença estão os fundamentos de fato e de direito (inciso II)., devendo o magistrado expor os motivos que lhe embasaram tal convicção.

“Enfim, é aqui que o juiz reconstrói discursivamente o fato sub iudice, procede à sua consumação ao direito que entende aplicável, acolhendo ou rejeitando os argumentos das partes e explicando os mecanismos racionais pelo qual decide. [45]

O magistrado, após ter formado seu convencimento, deverá expô-lo de forma justificada a fim de demonstrar que utilizou o poder do livre convencimento que lhe fora atribuído dentro dos parâmetros legais. Ora, se a função da fundamentação é justamente esclarecer os pontos que levaram o magistrado a chegar a determinada convicção, sua sentença deverá ser dada de forma clara.

Obedecendo aos parâmetros formais estabelecidos em nosso ordenamento jurídico, o magistrado deverá utilizar redação clara o suficiente para que mesmo alguém que desconheça dos fundamentos legais apresentados, entenda o caminho lógico que aquela autoridade percorreu até proferir sua decisão.

“A regra do livre convencimento dá ao julgador a prerrogativa de valorar os elementos probatórios do processo segundo sua própria inteligência e sensibilidade, sem estar vinculado a estritos critérios legais que predeterminassem o valor de cada meio de prova ou, menos ainda, o de cada prova em concreto. Além disso, a ampla independência funcional do juiz deixa-o livre para tomar suas próprias decisões, sem interposições ou influências de outras pessoas ou órgãos, mesmo dos órgãos superiores da própria Magistratura. Para conferir racionalismo e legitimidade a toda essa independência de que goza o juiz, é preciso exigir que preste contas do que decide, explicitando as razões pelas quais chega às conclusões adotadas. Daí a exigência da motivação” [46]

A respeito da liberdade de conhecimento atribuída ao magistrado, o Código de Processo Civil prevê em seu artigo 131:.

“O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” [47]

O juiz é soberano na análise dos fatos produzidos nos autos do processo devendo agir conforme seu livre convencimento. Entretanto, além de previsão constitucional, mais uma vez nos deparamos com dispositivo legal exigindo a motivação das razões de seu convencimento.

“A legitimidade do fenômeno da decisão judicial, então funciona a partir da exposição das razões pelas quais o juiz chega a uma conclusão. Essas razões não são quaisquer; são aquelas condizentes com o Estado de Direito. Se ao juiz é garantida a independência funcional, baseada na regra do livre convencimento(art. 131 CPC), deve ele prestar contas do que decide, através de uma exposição de motivos, denominada de motivação das decisões judiciais [48]

Greco Filho, sobre a motivação das decisões judiciais, aduz:

A fundamentação revela a argumentação seguida pelo juiz, servindo de compreensão do dispositivo e também de instrumento para a aferição da persuasão racional e lógica da decisão. Na fundamentação o juiz vai resolvendo as questões preliminares e prejudiciais, bem como as questões de fato. Questão e todo o ponto controvertido de fato e de direito e que, exatamente por ser controvertido, deve ser decidido pelo juiz. [49]

Pontes de Miranda também ensina sobre o assunto, enfatizando a  necessidade de haver fundamentação nas decisões judiciais:

A necessidade de motivação é indeclinável. Cresce ela à medida que se dá ao juiz qualquer parcela, e mais, de livre apreciação. É preciso que, ao ser examinado o despacho, ou a sentença, pelo mesmo juiz ou pelo tribunal (...) o novo julgador possa tomar cada uma das premissas do proferidor da decisão, conferi-las e controlar premissas e conclusões.. [50]

Sob o aspecto extraprocessual, a motivação das decisões judiciais se faz necessária em um Estado Democrático de Direito, uma vez que fortalece aos cidadãos, a confiança na tutela jurisdicional conferida. Mais uma vez, firma-se a importância de tal ato, como aduz Maria Thereza Gonçalvez Pero:

o instrumento pelo qual tanto as partes no processo como seu autor ou os órgãos da apelação, assim como qualquer pessoa do povo, têm garantida a possibilidade de controle acerca da legitimidade da decisão –esta última, ato de Poder (ou do Poder exercido), materializado na sentença – na medida em que permite a verificação de sua conformidade com o ordenamento,os postulados do Estado de Direito e is fins para os quais este foi criado, segundo os moldes impostos pela Soberania daquele mesmo povo em cujo nome a sentença é proferida, ou, de modo mais abreviado, a motivação da sentença é um instrumento de controle sobre a legitimidade da decisão [51]

Assim, revisados os conceitos de cognição e motivação judicial é possível concluir que inúmeras são as operações lógicas e intelectuais desenvolvidas pelo magistrado até a prolação de uma decisão. Diante da análise dos fatos e provas inerentes ao processo o juiz verificará os pontos controversos e formulará um entendimento visando solucionar o conflito existente. Trata-se portanto, de uma delicada e complexa operação na qual ele deverá ao final elucidar as partes sobre o suas premissas enquadramento legal atribuído ao litígio em questão.

2.4.1        Requisitos

 

Uma vez examinado o conceito e a finalidade das motivações judiciais, cabe verificar quais os requisitos fundamentais, entendidos pela doutrina majoritária, para que tal decisão seja tida como válida e suficiente. Dentre tais requisitos, a doutrina afirma que a decisão deverá ser: clara, coerente, lógica e expressa.

Em primeiro lugar, os motivos do julgamento devem ser mencionados de forma expressa. O magistrado deverá revelar em sua decisão como interpretou e aplicou a lei ao caso concreto.

Da mesma forma, a motivação deverá ser feita de forma clara. A redação utilizada pelo magistrado em sua fundamentação deverá ser clara no sentido de não possibilitar entendimento ambíguo ou equivocado de quem for lê-la.

A exposição dos argumentos deverá ser descrita segundo uma ordem coerente, de tal forma que o exame das questões preliminares anteceda o juízo de mérito.

E, por fim, deverá haver lógica na descrição dos princípios que levaram o magistrado a formular determinado pensamento racional., respeitando as alegações das partes e as provas produzidas no processo.

2.4 Espécies.

 

Conforme os argumentos utilizados na fundamentação exposta pelo magistrado é possível verificar o caminho percorrido por ele até a prolação de seu veredicto. De forma resumida, para que uma decisão seja considerada motivada o magistrado deve além de indicar as normas aplicadas ao caso, exteriorizar o juízo de valor acerca das provas produzidas e fatos finalizando com visão claramente vinculada à operação lógica realizada.

Segundo o artigo 459 do CPC, nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz poderá julgar de forma concisa, sob pena de nulidade, ao passo que o artigo 165 do   CPC que todas as demais decisões deverão ser fundamentadas, ainda que de modo conciso.

Com a redação atribuída aos artigos mencionados acima, nota-se que o legislador exigiu a fundamentação nas decisões dos magistrados ainda que concisa. Se concisa, a fundamentação também deverá demonstrar coerência e revelar o raciocínio lógico utilizado.

Nelson Nery Junior nos ensina:

Em se tratando de sentença processual de extinção do processo sem julgamento do mérito, a sentença deve ser fundamentada de forma abreviada. Fundamentação concisa não significa decisão lacônica, sem fundamentação. Decisão concisa é a que tem fundamentação breve, da qual constem os elementos necessários para a sua sustentação, expurgando-se dela aquilo que for supérfluo. A falta de fundamentação, nos casos do art. 267 do CPC, acarreta nulidade da sentença por ofensa ao art. 93, IX, da CF/1988 V, e art. 165 do CPC. [52]

Desta forma, ainda que concisa, há fundamentação é necessária pois, caso não o feita, o ato do magistrado não será tido como válido.

No entanto, será sempre possível aludir-se aos fundamentos de outro julgado como forma de expor as razoes da decisão que esta sendo prolatada. Esta é a chamada motivação per relationem.

Michele Taruffo afirma que a motivação per relationem existe “quando, sobre um ponto decidido, o juiz não elabora uma motivação autônoma ad hoc, mas se serve do reenvio à motivação contida em outra decisão” [53]

No caso da motivação referenciada (“per relationem”), ela é habitualmente empregada nos julgamentos de recursos em segunda instância mas, embora boa parte da doutrina e da jurisprudência entenda que é possível o seu emprego, é preciso ter cuidado com o seu uso.

Como já dito, os Tribunais aceitam essa pratica, como verifica-se no julgado:

O fato da decisão do Supremo Tribunal de Justiça haver-se reportado às razões expostas no julgado de segundo grau, para refutar os argumentos apresentado pelo recorrente, não autoriza o argumento de que teria sido afrontado o disposto no art. 93, inc. IX, da Lei Fundamental O que a Constituição exige é que a decisão esteja suficientemente fundamentada, e isso, sem dúvida, ocorre na hipótese. [54]

Outro caso semelhante no qual o Supremo Tribunal Federal não recriminou tal pratica:

Por  fim,  no  tocante  à  técnica  de  fundamentação  per  relationem,

utilizada no aresto recorrido, não há falar de vulneração dos preceitos

constitucionais  invocados,  porquanto  a  remissão  ao  relatório  e  aos fundamentos  jurídicos  apresentados  pelo  Parquet,  incorporando-os  ao acórdão recorrido, não induz, per se, prejuízo algum à parte. [55]

Assim, é conclui-se que a pratica desse tipo de motivação é amplamente admitida. Não há uma regra para se determinar se uma decisão encontra-se imotivada ou mal motivada. Dinamarco, com relação as sentenças, estabelece alguns parâmetros para  tanto, dentre eles:

a sentença não se considera não motivada, ou insuficiente motivada, só pela razão de os motivos expostos serem errôneos, inconvincentes ou pouco convincentes, ou não corresponderem à prova dos autos ou ao sentido da lei; b) a sentença não se considera não motivada, ou insuficiente motivada, quando se omitir quanto a pontos de pequena relevância ou meros argumentos de reforço; c) ) a sentença não se considera não motivada, ou insuficiente motivada,ainda quando os motivos explicitados forem suficientes, de modo que o exame dos pontos omitidos não altere a conclusão; d) mas ela padece de vicio de motivação quando se omite quanto a ponto que, se fosse considerado, alteraria o julgamento da causa; e) quando omite o exame de preliminares que, se acolhidas, poderiam impedir o julgamento do meiritis; f) especificamente, quando o acórdão deixa de examinar preliminares alusivas à própria admissibilidade do recurso; g) quando o acórdão simplesmente se reporta aos fundamentos da sentença, sem atenção aos fundamentos trazidos pelo recorrente em critica a ela. [56]

Em outras palavras, o magistrado, para simplificar a prestação jurisdicional por ele desempenhada e, torná-la mais célere, ao fundamentar uma decisão pode ater-se a pontos que entenda de maior relevância, preterindo os demais.

 



[1] Ordenações Filipinas. Liv 3º, tit. 66,§ 7º apud NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2ª Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 2000 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tulio Lienman). P.. 28

[2] http://www.redp.com.br/arquivos/redp_7a_edicao.pdf - Acesso em 19.12.2011

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DIM737.htm - Acesso em 19.08.2012

[4] Art 34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional: 

 33º) decretar as leis e resoluções necessárias ao exercício dos poderes que pertencem à União”

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm – Acesso em 19.08.2012)

[5] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal – 8 ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. P.216

[6] Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias:

XVI - o direito civil, o direito comercial, o direito aéreo, o direito operário, o direito penal e o direito processual;

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm– Acesso em 19.08.2012)

[7] http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1939/1608.htm - Acesso em 19.08.2012

[8] http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/24/1939/1608.htm - Acesso em 19.08.2012

[9] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm - Acesso em 19.08.2012

[10] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm - Acesso em 19.08.2012

[11] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm - Acesso em 19.08.2012

[12] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm - Acesso em 19.08.212

[13] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm - Acesso em 19.08.2012

[14] http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/ - Acesso em 19.08.2012

[15] NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. 2ª Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 2000 – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tulio Lienman). P.57

[16] TARUFFO, Michele. La motivazione dela sentenza civile. Padova: Cedam, 1975 NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. p. 65

[17] TARUFFO, Michele. La motivazione dela sentenza civile. Padova: Cedam, 1975 apud NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. p. 68

[18] NOJIRI, Sérgio O dever de fundamentar as decisões judiciais. p. 74

[19] Excerto extraído da emenda do HC 69013/PI, 1.ª T., rel Min. Celso de Mello, j. 24.03.1992, RTJ 140-03/870. Vide também HC 68422/DF e HC 70483/SP

[20] CINTRA, Antônio Carlos de Araujo, GRINOVER, Ada Pellegrini, e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

[21] WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. São Paulo: Perfil, 2005.p. 23

[22] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm - Acesso em 19.08.2012

[23] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8 ed. Revista Ampliada e atualizadas com as novas súmulas do STF e com análise sobre a relativização da coisa julgada. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Túlio Liebman; v.21). p 70

[24] BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira comentada. p.61, apud ATALIBA, Geraldo, República e Constituição. São Paulo: RT, 1985, P.38.

[25] BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira comentada. p.61, apud ATALIBA, Geraldo, República e Constituição. São Paulo: RT, 1985, P.38.

[26] Watanabe, Controle Jurisdicional e mandado de segurança contra atos judiciais, p. 76

 

[27] MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 86.

[28] CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. TEORIA GERAL DO PROCESSO. 19. Ed. São Paulo: Malheiros, p. 68.

[29] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm - Acesso em 19.08.2012

[30] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11232.htm - - Acesso em 19.08.2012

[31] WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais, 1987.p 41

[32] Pg.–567- Júnior, Humberto Theodoro – Curso de Direito Processual Civil- Vol I – 47ª edição – Ed. Forense

[33]CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, 2ª ed., Campinas, Bookseller, 2000, p. 217. apud WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo civil. P. 42

[34]CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, volume I, 11ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 271.

[35] LIEBMAN Apud WATANABE, 2000, p. 47

[36] kazuo

[37] kazuo

[38]WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo civil. São Paulo: Editora Revista  dos Tribunais,1987.p 41

[39] SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil. V.1. 5ª Ed. São Paulo: RT, 2001, p. 69.

[40] Pg.–94 Pg 182.–Nelson Nery Junior – Princípios do Processo Civil na Constituição Federal- 7ª edição- Editora Revista dos Tribunais- Vol. 21- Coleção Estudos de Direito de Processo

[41] MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. V. III. Campinas: Bookseller, 1997, p. 496).

[42] Pg.–14 José Rogério Cruz e Tucci

[43] TARUFFO, Michele. La pruebade los hechos. 2ª Ed. Madri: Editorial Trotta, 2005, p. 435 In CARDOSO, Oscar Valente. O aspecto Quádruplo da Motivação das Decisões Judiciais: Princípio, Dever, Direito e Garantia. Revista Dialética de Direito Processual n. 111

[44] Pg.–14 José Rogério Cruz e Tucci

[45] Pg.–15 José Rogério Cruz e Tucci

[46] Pg.–241 Candido Rangel Dinamarco

[47] Pg.–241 Candido Rangel Dinamarco

[48] Pg.–254 Revista de Processo – Repro 129 – ano 30 – novembro 2005 – editora revista dos tribunais – “A motivação per relationem” Vitor Fonsêca

[49] GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 6. Ed. São Paulo: Saraiva. Vol , p. 233.

[50] PONTES DE MIRANDA, Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense.t.II, arts 46 a 153. P. 410

[51] Pg.–258 Revista de Processo – Repro 129 – ano 30 – novembro 2005 – editora revista dos tribunais – “A motivação per relationem” Vitor Fonsêca

[52] NERY JUNIOR, Nelson ET al. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL COMENTADO E LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL EXTRAVAGANTE EM VIGOR. 6. Ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 759.

[53]TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975. p. 422 In FONSÊCA, Vitor. “A motivação per relationem”. Revista de Processo 129. Editora Revista dos Tribunais. Ano 30 novembro de 205. p. 258

[54] STF, Primeira Turma, AI 167.580-3, relator: Ilmar Galvão, data da decisão:12.09.1995. Fonte: DJU, 20.10.1995, p. 35.271

[55] STF, Segunda Turma, AGREG 585932- RJ, relator: Gilmar Mendes, data da decisão:17.04.2012. Fonte: DJ, p. 24919

[56] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5ª Ed. São Paulo:Malheiros, 2002.p. 1080

[53]TARUFFO, Michele. La motivazione della sentenza civile. Padova: CEDAM, 1975. p. 422 In FONSÊCA, Vitor. “A motivação per relationem”. Revista de Processo 129. Editora Revista dos Tribunais. Ano 30 novembro de 205. p. 258

[54] STF, Primeira Turma, AI 167.580-3, relator: Ilmar Galvão, data da decisão:12.09.1995. Fonte: DJU, 20.10.1995, p. 35.271

[55] STF, Segunda Turma, AGREG 585932- RJ, relator: Gilmar Mendes, data da decisão:17.04.2012. Fonte: DJ, p. 24919

[56] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5ª Ed. São Paulo:Malheiros, 2002.p. 1080