A MORTE LENTA DO RIO...

Por Francisco Antônio Saraiva de Farias | 24/11/2012 | Crônicas

A MORTE LENTA DO RIO...

 

O Rio Acre, que banha e abastece de água potável a população do Município de Rio Branco, capital do Estado do Acre, e outros tantos municípios vizinhos, está morrendo a passos de jabuti!... Vitimado pela dragagem ininterrupta da areia da sua camada fundal; pela ocupação irregular das suas margens; pela destruição da mata ciliar; pelos processos erosivos que causam o assoreamento da sua calha; e, a principal e mais grave delas, pelo despejo ininterrupto de esgoto cloacal in natura nas suas águas, projetado pelo histórico “Canal da Maternidade”.

Sangrado impiedosamente há mais de cem anos pelas dragas que sugam vorazmente a areia que protege a camada fundal da sua calha, atormentando e inibindo a vida das espécies que nela florescem e alterando aos poucos o formato natural do seu curso, sob o olhar impassível e ingrato de seus beneficiários e sob a letargia e conivência dos operadores da lei, o rio resiste bravamente à fúria rude e à ambição desmedida de seus algozes!... Acobertados e estimulados pelo manto da impunidade!

Fragilizado pela dragagem da areia da sua camada fundal, pela ocupação indevida das suas margens e contaminado pelas águas turvas e fétidas do esgoto cloacal in natura nele agressivamente despejado, o rio, enfraquecido e indefeso, agoniza e morre aos poucos... Sob o olhar passivo da população e sob a omissão da comunidade científica e das Instituições que deveriam protegê-lo e defendê-lo!  

No princípio, o Rio Acre era igual aos muitos outros mananciais que serviam de caminhos aos habitantes da Amazônia, cortando vertiginosamente a densa floresta, à exemplo dos rios Xingu, Tocantins, Tapajós, Guamá, Jarí, Trombetas, Paru, Juruá, Purus, Japurá, laco e o Abunã.   

Caudaloso e saudável, o Rio Acre abrigava diversificadas espécies de peixes de couro e de escamas, quelônios e uma infinidade de aves multicores, de várias espécies, que revoavam e povoavam de ninhais a vegetação do entorno das suas margens.

O Aquiri, como era chamado pelos índios que habitavam às matas que circundavam e protegiam às suas margens, no final do século XVIII, era uma espécie de dispensa farta, à céu aberto, abrigando e esbanjando numerosos cardumes de filhotes, dourados, surubins, capararis jundiás, tambaquis, tucunarés, piramutabas, pirarucus, peixes-boi, cascudos, mandis, maparás, sardinhas, branquinhas, saunas, pacus, piaus, pescadas, bem como numerosos grupos de quelônios, as famosas tartarugas do Baixo Amazonas, tracajás, pitiús, capitaris, além de centenas de milhares de jabutis que povoavam à densa floresta que circundava o seu leito; portanto, o rio ofertava generosamente aos povos que habitavam às suas proximidades e aos que por ele navegavam uma imensidade de gêneros alimentícios obtidos com certa facilidade, tal era a abundância... Não menos generosa e abundante a mata circunvizinha ofertava frutas de todos os tipos, desde o açaí, bacuri, cupuaçu, bacaba, muruci, uchi, tucumãs, goiabas, abios, jacas, melancias e outras...

Não obstante a desmedida generosidade do rio, os gananciosos e as populações ribeirinhas violentavam e adulteravam as suas margens e a sua calha, inibindo a propagação do oxigênio e a proliferação natural da vida em seu curso.  

Embarcações pesqueiras, as chamadas geleiras, procediam de pontos longínquos da região, para explorarem açodada e irresponsavelmente as riquezas naturais do rio, contribuindo substancialmente para o atrofiamento dos cardumes e até mesmo para a extinção de algumas espécies!

Os estragos causados pela ganância dos proprietários das embarcações pesqueiras, somados e agravados pela dragagem ininterrupta da areia da camada fundal do rio, pela ocupação irregular das suas margens, pela destruição da sua mata ciliar, pelos sucessivos processos erosivos que causam o assoreamento da sua calha e, principalmente, pela gravidade do despejo ininterrupto de esgoto cloacal in natura nas suas águas, durante mais de meio século, decretaram a sentença de morte do rio!...

Vítima de tentativa de assassinato, o rio jaz na UTI!...

Necessitando emergencialmente de um tratamento intensivo, radical, eficiente e eficaz!...

Chega de medidas paliativas!...

 O Rio Acre agoniza e a sua doença é contagiosa!

Nas épocas de cheias, quando a proporção das águas passa a ser maior do que a proporção do esgoto cloacal in natura nele despejado, sentimos a sensação de que houve uma melhora...  Até admitimos que isso seja verdadeiro. No entanto, trata-se de uma melhora aparentemente falsa, uma vez que isso se vislumbra apenas no aspecto visual da coloração das águas, em razão da proporção aqui ventilada. No entanto, o que ocorre de fato é uma propagação maior da contaminação do rio, que se espraia corredeira abaixo... desaguando no Purus!

As populações ribeirinhas dos seringais às margens do rio e do vizinho município amazonense de Boca do Acre, também sofrem as consequências da poluição do rio...

Os culpados pela morte lenta do rio continuam impunes!...

Nunca foram molestados, punidos ou, pelo menos, advertidos severamente!

Sabem por quê?

Por que o criminoso maior é o próprio Estado, que se omite, assistindo passivamente a morte do rio!...

Tergiversando do seu dever de ofício!...

A mídia local alardeou que a bancada federal reuniu-se oficialmente aqui em Rio Branco, agora no finalzinho do mês de novembro/12, a poucos metros do rio... Para, em mais uma rara oportunidade, contando com as presenças do governador do Estado, dos prefeitos, do presidente do tribunal de justiça, do presidente da fundação de amparo à pesquisa e dos reitores da UFAC e do IFAC, definirem o valor e a destinação das emendas individual e de bancada, no orçamento geral da união para 2013. Recursos, portanto, provenientes de emendas parlamentares.

Sabe qual foi o valor por eles aprovado para tentar salvar o Rio Acre, o nosso mais importante manancial de água potável?

ZERO!...

O socorro ao rio não é prioridade!

Posto isto, somos dolorosamente forçados a admitir que o Rio Acre agonizará Ad infinitum... Ou, até o dia em que a mãe natureza, cansada de ver o secular martírio do rio... e o contumaz descompromisso e o desleixo dos responsáveis por sua defesa e proteção, revolte-se contra toda a população, tomando pra si as dores e o sofrimento do filho... Obrigando-o à praticar uma espécie de haraquiri!.

Aí, o precioso líquido diariamente fornecido à população riobranquense desaparecerá literalmente das torneiras...

Não nos dando sequer o direito de chorarmos pelo leite derramado!...

Inês é morta!...

 

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