A MORTE FELIZ DA PAPAGAIA
Por Edevaldoleal | 26/02/2013 | CrônicasCrônica
A MORTE FELIZ DA PAPAGAIA
Para Socorro Ferreira
Edevaldo Leal
– Vê se não demora, comadre. Eu não sei mais o que fazer com a Nina. O que eu podia fazer, o que estava ao meu alcance, já fiz. Até cantar, comadre, eu já cantei pra ela. Rezar, então, não tem conta. A pobrezinha não é mais a mesma. A cada dia fala menos e só pode estar com fastio, só pode.
– Fastio ?
– Fastio sim, comadre – Insistiu e colocou um dedo de dúvida, para provocar a resposta que ela queria ouvir:
– Ou é o meu pirão de farinha com café que não tem o mesmo sabor do seu?
– Deixe de prosa, mulher. Se ninguém resiste ao sabor de sua comida e a Nina está dispensando esse pirão, alguma coisa séria está acontecendo e precisamos pensar no que fazer.
– Espere um pouco – Pediu uma pausa , enquanto arriscava uma solução.
– Ah, já sei – Exultou , como quem houvesse descoberto a vacina contra tristezas de amor, e continuou:
– Ensine Nina a rezar o Pai Nosso. Comece da metade pro fim . O início ela já sabe, mas inclua o início a cada vez que for ensinar. Ela aprende aos pouco, palavra por palavra , devagar.
Nina aprendeu muita coisa. Cantava, enxotava Taylor, o cão, que, como a papagaia, tinha nome de gente. Comadre amava os animais como se fossem pessoas e, não por coincidência, uma filha ,Paula, formou-se em medicina veterinária e herdou da mãe o mesmo amor pelos bichos. Até rezar Nina rezava e só não fazia o sinal da cruz porque era impossível, a um papagaio, fazê-lo. Em seu doce devaneio, quantas vezes não se viu rainha , mágico pássaro de infinitos voos,em terras de além mar ?
– Papagaio real, para Pooortugal .
Esse era, diga-se assim, o bom dia de todas as manhãs de Nina. Nina reproduzia, em sua fala matinal, a ganância dos primeiros colonizadores, que levavam para Portugal tudo o que encontravam em terra brasilis. Hoje, os colonizadores são outros: chineses, japoneses... Estão aí, para não me deixar mentir: Cauê, em Minas Gerais; Serra do Navio, no Amapá; Carajás, no Pará. E tem o nióbio e tem a Nina, que eu não posso perder o fio da meada.
– E a Nina, me conte sobre o progresso dela. Já sabe todo o Pai Nosso? Continua dizendo todas as manhãs “ Papagaio real, para Pooortugal”?
– Não, comadre. Nada. Nunca mais. Ou a senhora larga tudo e vem cuidar da bichinha, ou, em vez de Portugal, ela vai mesmo é para aquele lugar .
– Leve para benzer. Nina precisa é ser benzida. A benzedeira não cobra, que isso é dom que ela recebeu do alto, mas sabe como são essas coisas. Diga à benzedeira que, amanhã, eu levo pra ela um presente,umas ervas do Ver – O – Peso para banhos contra mau olhado.
Comadre cumpriu o prometido. No tempo marcado, chegou. Logo na entrada da casa, foi recebida com festa. As vizinhas mais chegadas queriam saber das novidades, Taylor abanou o rabo, mas Nina, ah, Nina mal pôde equilibrar-se no dedo de sua dona . Com esforço, abriu o bico e falou “papagaio real, para...”. Não completou a frase. Nada mais disse. Bateu asa e foi embora de vez.
Ananindeua/ Pará,25 de fevereiro de 2013