A MORTE DA BATERIA

Por sebastião maciel costa | 29/09/2023 | Educação

A MORTE DA BATERIA

         Um outro dia, uma velha senhora fazia companhia ao seu netinho de poucos anos que estava entretido lendo um livro de histórias. Como ele estava muito envolvido e a vovozinha precisa convidá-lo para ir dormir, quis adiantar um comentário sobre a história que ele lia. De repente, o garoto exultou por ter concluído a leitura do livro. A vovó pergunta: -Como foi o livro? -Mais ou menos. -Mais ou menos, por que? Quem morreu no final? -A bateria...

        Com essa resposta, deixemos esses dois personagens e pulemos para um outro esaço: o ambiente escolar onde um  aluno, ainda na educação básica, discutia com um colega, visto como excelente aluno,  tanto no aspecto de conteúdos escolares com no gosto pela pesquisa social. De repente, uma pergunta do primeiro estudante: - Amigo, sei que você é muito estudioso, depois da aula de história, fiquei pensando: “Qual a arma mais letal que o homem já inventou?” - Acredito ter sido a bomba atômica. Estou certo?

       Meu caro, respondeu o outro, pelo que tenho observado, a bomba atômica não pode ser responsabilizada pela morte do telefone fixo, nem matou a televisão, não matou o computador, não matou o relógio, não matou a máquina fotográfica, não matou o rádio, não matou a lanterna, não matou o espelho, não matou o jornal, não matou a revista, não matou o livro, não matou o videogame, não matou a carteira, não matou o calendário de mesa, não matou o cartão do banco, não matou tantos casamentos, não matou os nossos olhos, não matou a nossa coluna cervical, não matou a nossa saúde, não matou nem está ameaçando as próximas gerações...

        Refletindo sobre o tom lúdico com que o trecho acima foi evocado, cabe uma analogia com o momento histórico em que, de repente, registra-se uma outra questão que, no rol das experiências que envolvem a escola e a escolarização; a educação e o aprendizado; o ensinar e o aprender, constata-se que as relações entre professor e aluno estão cada vez mais distante do chamado protagonismo coletivo. Ou aquele que detém o conhecimento que o torna “autoridade” na relação reconhece que diante de si, terá um novo agente, ou a convivência será mais conflituosa que as possibilidades e entendimentos que conduzam a novos tempos. O professor, considerado rigoroso, cuidador da disciplina visando ao envolvimento do aprendiz tem um perfil definido, conhecido e respeitado.  Mas na outra ponta está um aspirante ao conhecimento que ali chegou, não por interesse, curiosidade ou determinação, mas sim porque a família assim o decidiu. A ele não foi dado, sequer o direito de escolher a escola, o turno, a turma, os professores. Na verdade, quem definiu o destino do estudante foi a máxima de que é dever do Estado e da sociedade oferecer educação de qualidade para todos. Nem sempre funcionou, ou pelo menos é o que está posto.

         Quando se propõe uma busca de saída para os pífios resultados em aprendizagem nos dias atuais, acredita-se ser necessária uma mudança de perspectivas de escolas e professores, cada um,  na sua pretensão, entender que o objeto que tem encantado, para não dizer “enfeitiçado” o aluno é o  celular que desviou os olhares e as atenções de todos os demais itens tecnológicos que identificam o poder inventivo dos nossos tempos. Nos dias de hoje, a tecnologia resultante da pesquisa, estudos e experiências do homem moderno passou a ocupar todos os espaços que uma criança ou jovem possa usufruir.  De fato, estamos diante de uma geração movida à bateria, movida a sistemas eletrônicos que manipulam a todos.

        O celular é hoje, como será o amanhã? Vários elementos foram suprimidos do universo jovem. O celular foi instituído para que o homem o domine ou que se torne sua vítima? Na discussão de papeis que envolvem os interesses do professor e do aluno é preciso que o que detém o conhecimento compreenda que a melhor forma de ele manter-se à frente de si mesmo, do seu tempo e de seus alunos é esquecer de sua pretensa autoridade, esquecer de quem “quem manda sou eu”, lembrar que para ensinar precisa liderar uma relação onde haja, efetivamente liderança e liberdade; desafios e cumplicidade; possibilidades e entraves; conteúdo e ensinamento; confiança e aprendizagem.

         Ele, o jovem  aprendeu, da pior forma possível que se não há limites não há temores; se não há temores, não precisa de obediência; mas todo mundo tornou-se “intolerante com o adversário”. Adversário? Esse é o professor que em nome da escola, da educação, do estudo e da disciplina é a primeira barreira para os seus anseios, suas possibilidades e ilusórios prazeres. As crianças, ou os jovens dos dias atuais não precisam se sentir culpadas ou responsáveis pelo fato de “não gostar de gostar de estudar, da forma que outras gerações estudaram, reverenciando valores que há pouco tempo, reconhecidos como marcantes provas de ser o que precisava ser feito, em nome do papel do homem diante dos desafios sociais”. Estudar para uma criança que está habituada a ler, a comunicar-se, a divertir-se, a ocupar territórios, a viajar pelas nuvens que armazenam o nada em nome do tudo, a projetar-se por meio de  “selfs” torna-se, cada vez menos atrativo.

        Tais reflexões nos levam a pensar no gargalo que se forma entre o que precisa ser ensinado, com deve ser aprendido e o que consegue ensinar e o que se consegue apender. Ora, se o que precisa ser ensinado não é absorvido, o que se esperar de uma geração que trará em si, o “dna” de quem aprendeu como pôde porque o celular permitiu e incentivou. Como responsabilizar alguém que, para atender aos ditames dos sistemas educacionais vigentes teve que enfrentar conhecimentos e históricos que estavam repousando em livros e enciclopédias que o tempo se encarregou se suprimi-los em nome de um “click” que reinou soberano enquanto vivia uma bateria? Aquela mesma que quando descarrega deixa o homem que abriu mão de si mesmo em nome da inteligência artificial, sem chão, sem ares, sem fundamentos capazes de sustentá-lo diante da vida. Valendo-se, mais uma vez, de analogias narrativas  nos vem a discussão  travada entre duas forças da natureza, aqui comparadas com o necessário enlace necessário entre o professor e seus alunos.

        O vento e o sol estavam brigando para decidir qual deles tinha mais poderes sobre o homem. Quando um viajante passou resolveram fazer uma aposta: aquele que o fizesse tirar o casaco seria o vencedor. O vento foi o primeiro. Ele começou a soprar com muita força, mas quanto mais atingia o viajante, mas o homem segurava no seu casaco. Depois chegou a vez do sol, que saiu de trás de uma nuvem e começou a brilhar. O viajante, satisfeito com o seu calor, acabou tirando o casaco que vestia. 

        Conclui-se como lição, que precisamos conquistar pelo acolhimento, parceria, liderança e habilidade. Em vez de impor regras, conteúdos e questões que “amedrontam” pela complexidade, que sejam criados diálogos que proponham alcançar respostas a partir da vivência do aprendiz e seu universo de conhecimento. Este enredo vem comprovar que não devemos usar a força do discurso  para convencer alguém a fazer ou aprender algo. Pelo contrário, através da doçura e da simpatia podemos conseguir aquilo que queremos de uma forma bem mais simples: protagonizar ensino/aprendizagem, sem “baterias” mas com o coração.

  • Sebastião Maciel Costa

 

 

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