A Morfologia Dos Trilobitas E Suas Correlações Paleoecológicas

Por Carlos Henrique de Oliveira Filipe | 22/09/2008 | Arte

A MORFOLOGIA DOS TRILOBITOS E SUAS

CORRELAÇÕES PAELOECOLÓGICAS

Carlos Henrique de Oliveira Filipe

chfilipe@click21.com.br

2008

RESUMO: Os trilobitas podem ser considerados fósseis ideais para análises tafonômicas, pois seu exoesqueleto segmentado é constituído por escleritos com forma, densidade e tamanho distintos. Além disso, os trilobitas ocupam diversos ambientes siliciclásticos ou carbonáticos de águas rasas a profundas, apresentando-se preservados de diferentes maneiras, refletindo, assim, histórias tafonômicas distintas. O "neotrilobita" clássico possui três divisões longitudinais, com cada um dos somitos torácicos e pigidiais exibindo um lobo mediano e dois pleurais. No céfalo encontra-se a glabela, delimitada por faces laterais, por sua vez divididas pelas suturas faciais. Os olhos, ausentes em várias formas, estão dispostos na fixigena. O exoesqueleto apresenta uma pequena placa ventral próxima à boca (hipostoma) e uma membrana ventral, raramente preservada. A glabela e as faces fixas constituem o cranídio, com o ângulo póstero-lateral podendo apresentar um alongamento, e as suturas faciais podem ser propáricas, gonatopáricas ou opistopáricas.

Palavras-chave: Céfalo; Exoesqueleto; Glabela; Morfologia; Sutura.

Os trilobitas podem ser considerados fósseis ideais para análises tafonômicas, pois seu exoesqueleto segmentado (esqueleto multielemento, BRETT & BAIRD, 1986) é constituído por escleritos com forma, densidade e tamanho distintos (WESTROP & RUDKIN, 1999). Além disso, os trilobites ocupam diversos ambientes siliciclásticos ou carbonáticos de águas rasas a profundas, apresentando-se preservados de diferentes maneiras, refletindo, assim, histórias tafonômicas distintas. Speyer & Brett (1986), por exemplo, enfaticamente discutem que esqueletos multielementos articulados são excelentes indicadores do grau de energia do meio.

É importante ressaltar, entretanto, que mesmo em condições de baixa energia é possível encontrar concentrações de organismos, com esqueleto multielemento desarticulado, formadas, exclusivamente, por mudas (exúvias) (GHILARDI, 2004).

O "neotrilobita" clássico possui três divisões longitudinais, com cada um dos somitos torácicos e pigidiais exibindo um lobo mediano (axial) e dois pleurais (esquerdo e direito). No céfalo encontra-se a glabela, delimitada por faces laterais, por sua vez divididas pelas suturas faciais (face livre ou librigena e a face fixa ou fixigena) (FIGURA 1). Os olhos, ausentes em várias formas, estão dispostos na fixigena. O exoesqueleto apresenta uma pequena placa ventral próxima à boca (hipostoma) e uma membrana ventral, raramente preservada (KIHM & ST.JOHN, 2007).

A glabela (lisa ou dividida em lobos) e as faces fixas constituem o cranídio, com o ângulo póstero-lateral podendo apresentar um alongamento (ponta genal). As suturas faciais podem ser propáricas, gonatopáricas ou opistopáricas (KIHM & ST.JOHN, 2007).

O hipostoma (FIGURA 2 A-C) é uma estrutura ventral calcificada tida como parte da boca. Sua margem anterior é usualmente alinhada com a margem anterior do contorno da glabela, podendo estar separada e livre da dobradura anterior, apresentando uma condição natante ou unida a essa dobradura, como condição conterminante. Algumas ordens são típicas por compartilharem essas condições, tais como os da Ordem Ptychopariida (hipostomas natantes), enquanto que muitos membros da Subordem Illaenina possuem hipostomas independentes. A forma geral dos hipostomas natantes não apresenta grandes variações, sendo geralmente ovóide simples, sem extensões posteriores ou ornamentações. Em contrapartida, os hipostomas de espécies conterminantes são muito mais diversificados em tamanho e forma. Essa variação tem valor na classificação, sugerindo hipóteses sobre os hábitos alimentares das espécies (hipostomas conterminantes são atribuíveis a trilobitas possivelmente predadores). A especialização do hipostoma reflete diferentes espécies de presas ou distintos comportamentos alimentares Já no início de sua evolução apresentavam hábitos alimentares diversificados, o que os capacitava para explorarem diferentes tipos de nicho, sendo uma das explicações para seu grande sucesso (SILVA & FONSECA, 2005). Um dos hábitos alimentares mais primitivos seria o epibentônico predador (JENSEN, 1990), mas hábitos alimentares detritívoros também se faziam presentes no Cambriano. Ao longo do tempo, outros hábitos se estabeleceram, existindo evidências de trilobitas escavadores, pelágicos, filtradores e planctônicos (FORTEY & OWENS, 1999).

Os trilobitas desenvolveram um dos primeiros sistemas visuais tidos como avançados, com a maioria dos animais exibindo um par de olhos compostos (pelo menos uma subordem, Agnostina, é desprovida de olhos). Ocupam tipicamente as margens externas da fixigena, nos lados da glabela, adjacentes às suturas faciais. Importante citar que algumas poucas espécies secundariamente desprovidas de olhos desenvolveram-se independentemente dentro de diversos grupos que apresentavam espécimes com olhos bem desenvolvidos, como os Phacopina (GON III, 2004).

Há três tipos de olhos de trilobitas reconhecidos: holócroo, esquizócroo e abatócroo (FIGURA 3 A-C). Os dois primeiros são mais comuns, sendo que o do tipo esquizócroo é uma especialização de Phacopida. Olhos do tipo holócroo são caracterizados pelo conjunto de lentes biconvexas contida em uma única camada córnica que recobre todas as lentes. Essas são geralmente hexagonais em contorno e chega a comportar de uma até quinze mil por olho. Olhos do tipo esquizócroo são compostos por algumas até setecentas lentes, relativamente largas e grossas, cada uma coberta por uma córnea em separado, com a esclera separando cada lente, se estendendo profundamente para trás (GON III, 2004).Olhos do tipo abatócroo são conhecidos apenas para algumas espécies cambrianas, sendo similar ao tipo esquizócroo de uma forma geral, diferindo na esclera (mais delgada) e na membrana córnica, que ao invés de se estender para trás termina nas margens das lentes (JELL, 1975).

McCormick & Fortey (1998) relacionaram o desenho óptico de trilobitas pelágicos com a batimetria do habitat de vida. De fato, trilobitas com visão "bem desenvolvida" são característicos da fácies sedimentar gerada junto ou logo abaixo do nível das ondas de tempestade (BRETT et al., 1993).

Fortey & Chatterton (2003) registraram um peculiar trilobita: Erbenochile erbeni, um acastóide marroquino com olhos esquizócroos extremamente bem desenvolvidos, alojado nos lobos palpebrais colunares envolvido em uma pálpebra. Esta é mais uma documentação recente de extraordinários desenvolvimentos de órgãos ópticos em trilobitas.

Todas as informações contidas nesta obra são de responsabilidade do autor.


FIGURA 1 – Divisão do corpo de um trilobita clássico (Asaphus raniceps): A-Céfalo; A1-Librigena; A2-Fixigena; A3-Librigena; B-Tórax; B1-Anel Pleural e Axial; B2-Lobo Axial; B3-Lobos Pleurais; C-Pigídio.Fonte: Modificado e adaptado de Enrico Bonino (2008): http://www.keyobs.be/fr/ebonino/html/trilobiti.html


FIGURA 2 – Hipostoma Natante: A1- Pagetia (Agnostida), A2- Ptychoparia (Ptychopariida), A3- Proetus (Proetida); Hipostoma Conterminante: B1- Kjerulfa (Redlichiida), B2- Dysplanus (Corynexochida), B3- Dipleura (Phacopida; Hipostoma Impendente: C1- Fieldaspis (Corynexochida), C2- Lachnostonia (Asaphida), C3- Odontochile (Phacopida).

Fonte: Adaptado e modificado de Gom III (2004).


FIGURA 3 – Olhos dos trilobitas: A- Olho Holócroo; B- Olho Esquizócroo; C- Olho Abatócroo.

Fonte: Clarkson (1975); Levi-Setti (1993); Zhang & Clarkson (1990)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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