A MORAL KANTIANA E O IMPERATIVO CATEGÓRICO
Por Andressa S. Silva | 09/02/2011 | Filosofia
Uma característica marcante da filosofia kantiana é a sua "longa gestação". Ele não escreve um item sem fundamento ou sem antes pensar muito sobre isso, além do que, cada trabalho escrito dele é embasado em firmes bases filosóficas. O problema moral nunca foi indiferente, e desde as suas primeiras obras percebe-se traços de uma tentativa de interpretação da Moral, mas a solução apresentou-lhe correta somente aos sessenta anos de idade (Pascal, 2005).
Seu ponto de partida para a análise moral encontra-se nos trabalhos de Leibniz, teses essas defendidas em 1755 ("Nova elucidação dos primeiros princípios metafísicos") e em 1759 ("Ensaios de algumas considerações sobre o otimismo"), segundo Pascal (2005).
A partir de 1760, inicia-se a influência de moralistas ingleses (Shaftesbury, Hume) e de Rousseau, Kant passa a realizar transformações em alguns conceitos da moral Leibniziana (obrigação e perfeição). Essa evolução de conceitos pode ser percebida em "O único fundamento possível para uma demonstração da existência de Deus" (1763), no "Estudo sobre a evidência dos princípios da teologia natural e da moral" (1764), assim como nas "Observações sobre o sentimento do belo e do sublime" (1764).
Ao publicar os "Fundamentos da metafísica dos costumes" (1785), Kant parte dos juízos da consciência comum, buscando o princípio racional que os fundamenta. E em 1788 publica a "Crítica da razão prática", que tem o objetivo de expor a moralidade, partindo da função prática da razão.
A Fundamentação da metafísica dos costumes tem por objeto a pesquisa e a determinação do princípio supremo da moralidade. Constitui uma obra preliminar à Crítica da razão prática, visto que só esta poderá iniciar uma ciência a priori da conduta (Pascal, 2005). A teoria ética apresentada, neste trabalho, por Kant, é fortemente racionalista, e defende uma moral fundamentada na racionalidade humana, rejeitando teorias éticas heterônomas (Marcondes, 2007; Bergman, 2004; Aranha e Martins, 2003). Segundo Kant, a bondade natural (de acordo com Rousseau) não existe, os seres humanos são egoístas, cruéis e ambiciosos. E justamente por isso precisamos do dever para nos tornarmos seres morais (Chauí, 2002). Então, no centro das questões éticas kantianas prevalece o dever, ou obrigação moral, uma necessidade diferente da natural (Valls, 2006).
A moral kantiana não admite flutuações, alterações de comportamento motivadas por interesses ou realidades diversas (Cabral, 2005). O imperativo (ou mandamento moral) kantiano não é hipotético, que permitiria o condicionamento do dever a interesses ou desejos. Ao contrário, o imperativo moral kantiano é categórico, ou seja, define a ação moral e nos manda cumprir nosso dever incondicionalmente. Corroborando com esta afirmação, para Chauí (2002), o imperativo categórico é um dever, pois ordena incondicionalmente, deixando de ser uma motivação para tornar-se uma lei moral. O imperativo não nos diz para sermos honestos, justos ou corajosos; não ordena que pratiquemos esta ou aquela ação determinada, mas nos ordena a sermos éticos cumprindo o dever moral. Segundo Valls (2006), volta-se pra o princípio de igualdade fundamental entre os homens.
A ética kantiana, embasada em tudo o que já foi escrito, fundamenta-se então no imperativo categórico. Segundo esta máxima universal, "age com base em uma máxima que também possa ter validade como uma lei universal" (Kant, 2003).
Partindo da concepção de uma moral independente, ou seja, que possui como fundamento somente a razão humana, Kant reergue a metafísica. Na crítica da razão pura, Kant havia destruído a possibilidade de a metafísica ser uma ciência, mas ao desenvolver sua teoria moral, na crítica da razão prática, ele trata de encontrar outra forma, que não a do conhecimento, para justificá-la. (Cabral, 2005). Segundo o trabalho de Morente (1980), Kant terminou seu sistema filosófico com a proclamação da primazia da razão prática sobre a teórica. A consciência moral (a razão prática) ao nos conduzir até as verdades metafísicas das coisas que existem verdadeiramente, prima sobre a razão teórica. Até por que, a razão teórica está a serviço da razão prática, pois a teórica não tem função maior que o conhecimento deste mundo subordinado a fenômenos. Por isso, não se poderia pedir à razão pura prática que se subordine à razão especulativa e, por isso, que inverta a ordem, pois "todo o interesse é finalmente prático e mesmo o da razão especulativa só é condicionado e completo no uso prático" (Morente, 1980).
Referências:
ARANHA, MLA e MARTINS, MHP. Filosofando: Introdução à filosofia. 3.ed. São Paulo: Moderna, 2003.
BERGMAN, GREGORY. Filosofia de banheiro: sabedoria dos maiores pensadores mundiais para o dia-dia. Trad. Caroline Kazue Ramos Furukawa. São Paulo: Madras, 2004.
CABRAL, CLEIDES ANTONIO. Filosofia. São Paulo: Ed. Pillares, 2005.
CHAUI, MARILENA. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2002.
KANT, IMMANUEL. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003.
MARCONDES, DANILO. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2007.
MORENTE, MANUEL GARCIA. Fundamentos de filosofia: lições preliminares. Trad. Guilhermo de la cruz Coronado. 8. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
PASCAL, GEORGES. Compreender Kant. Petrópolis, RJ: ed. Vozes, 2005.
VALLS, ALVARO L. M. O que é Ética. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2006.