A militarização das forças policiais e o desacato como sua legitimação

Por Iman Said Kozman Ferreira El-Kems | 16/06/2017 | Direito

RESUMO 

A militarização das forças armadas brasileiras é um instituo que remota desde os tempos antigos, em que há um treinamento desumano das forças policiais, e portanto há uma conseuqência disso, o tratamento desumano dos próprios cidadãos pelos policiais. Além do problema da militarização das forças policiais, existe o problema da criminalização do desacato que serve como pretexto de legitimar tais atitudes inaceitáveis. Incialmente, será analisado o instituto do desacato, do mesmo modo será analisado crimes com o mesmo objeto jurídico, como a desobediÊncia e a resistÊncia, e analisar a tênue diferença esntre essas, e até onde a legislação penal brasileira está correta em permitir a militarozação, assim como uma penalização específica dos funcionários públicos.

1 INTRODUÇÃO 

O crime de desacato se encontra no Código Penal no artigo 331, esse e os dois outros que o antecede são crimes que possuem como objeto jurídico o prestígio da função pública, ou seja, aqueles que exercem função pública possuem suas ações e cargos respeitados mais do que qualquer outro cidadão por serem funcionários públicos.

Os artigos 329, 330 e 331 causam grande controvérsia na sociedade e insatisfação, pois ao mesmo tempo que aparenta ser um meio de impor o real funcionamento das ações públicas, são utilizadas como um meio de legitimação das atitudes dos funcionários públicos, especialmente da força armada.

O treinamento é o principal ponto discutido entre doutrinadores, pois por mais que haja necessidade de força policial, esses policiais devem ser tratados baseados nos princípios fundamentais garantidos a todos e deveram tratar igualmente os cidadão criminosos e suspeitos dessa maneira, pois há um diferença muito básica entre os militares e os policiais civis, militares são treinados para a guerra, inimigos externos, e os policias são treinados para garantir a segurnça da sociedade, devendo apreender esses cidadãos que causam perigo à sociedade e utilizar da violência somente em últimos casos.

Percebe-se é que ao invés de haver um resguardo a integridade e regularidade da função pública há um meio legal para calar o cidadão contra as ações violentas dos policiais. Esses por sua vez possuem um grande defícit em relação ao seu treinamento, o militarismo. O militarismo consiste em um metódo de humilhação de treinamento de policiais, que transforma-os em armas prontos para aniquilar os inimigos, aptos a receber ordens e realizar-os sem quetionar. O que será discutido nesse paper é a ligação entre o crime de desacato e o militarismo nas forças policiais como uma perigosa combinação

2 O CRIME DE DESACATO 

No artigo 331 do Código Penal se encontra descrito o crime de desacato como sendo: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”. A palavra desacatar, de acordo com o dicionário priberam online significa desrespeitar, ofender e profanar, a partir dessa elucidação quanto a palavra do núcleo do crime de desacato, poderá ser levantado muitos questionamentos quanto a constitucionalização desse crime.

Há de se questionar o por que de um funcionário público merecer mais do que os demais cidadãos que não seja desrespeitado, e o por que desse ser tão importante para ser elencado no Código Penal como crime, uma vez que o Estado não deverá intervir em todos os assuntos da sociedade, somente aqueles atos que ofendem um bem jurídico de extrema importância, uma vez que as penas do CP são para casos extremamente graves.

A partir do princípio da intervenção mínima, temos que em um Estado democrático, a intervenção do Estado na esfera de direitos do cidadão deve ser sempre a mínima possível, com o intuito de permitir seu livre desenvolvimento. Por outro lado, como a pena é medida extrema e grave, apenas quando a intervenção estatal realmente diminuir a violência social, impedindo a vingança privada e prevenindo crimes por meio da intimidação ou da ratificação da vigência da norma (não esquecendo da adequação da sanção), será legítima a intervenção da estrutura penal. (JUNQUEIRA,2010,p.31)

O desacato no âmbito público pode ser defendido por alguns doutrinadores por proteger o prestígio da administração pública, pois para garantir esta, deverá garantir que as ações praticadas pelos funcionários públicos sejam respeitas. “Prevalece que não importa se o funcionário se sentiu ofendido ou não; o desacato é objetivamente considerado, pois o bem jurídico é o prestígio da administração pública” (pg.350). Isso leva ao questionamento sobre até que ponto isso é bom na sociedade, uma vez que faticamente, esse instituto é utilizado como um meio para amedrontar que qualquer um afronte o respeitado funcionário público.

O caso de desrespeito ao funcionário público deveria ser exigido, se houvesse de fato alguma lesão, no âmbito civil, e se isso não bastasse, já existe no Código Penal crimes elencados para o respeito de cada cidadão, seja funcionário público ou não, através dos crimes de difamação, calúnia e injúria, ou no caso de violência, lesão corporal.

Por outro lado, Junqueira (p. 350-351) relata que o crime de desacato para ser qualificado deverá ser feita na presença de funcionário público, que se relacione as suas funções e que o autor deverá estar com o ânimo calmo e refletido, logo nos casos em que se encontra no estado de embriaguez e extrema ira, são utilizados para afastar a tipicidade.

Quantas vezes já não ocorreram violência policial contra os cidadãos reivindicando seus direitos? Um exemplo que não ocorreu a muito tempo disso foi o confronto dos policiais militares contra professores em greve no Paraná, ou seja, a imputação do desacato aos cidadãos serve para legitimar a tortura, a violência e ocorrer arbitrariedades no âmbito público, especialmente no policial.

Os professores que estão em greve no Paraná há seis dias fazem um protesto na manhã desta sexta-feira (1º), feriado do Dia do Trabalho, em crítica à ação da Polícia Militar (PM) durante confronto ocorrido na quarta-feira (29) em Curitiba. O tumulto aconteceu em frente ao prédio da Assembleia Legislativa, no Centro Cívico, e deixou mais de 200 feridos. (G1 http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/05/professores-em-greve-no-pr-fazem-passeata-para-demonstrar-indignacao.html 

2.1 Desacato X Ato de Resistência X Desobediência 

Os artigos 329, 330 e 331do Código Penal possuem o mesmo objetivo, a proteção da administração pública através do respeito às ações do funcionário público para a efetiva execução do seu ato. O crime de resistência, desobediência e desacato, possuem esse intuito, porém existem limites para todos esses crimes, os quais serão aqui discorridos.

Insta destacar que os crimes de desobediência e de resistência somente ocorrerão quando o ato do funcionário público for um ato lícito, porém a distinção de algo lícito e injusto é algo que por vezes se torno de difícil distinção. Ato lícito é tudo aquilo que não seja contrária a lei, enquanto ato injusto pode ser de acordo com a lei, porém você julga tal como sendo injusto. Exemplo: O juiz sentenciou que o carro de João fosse apreendido por que esse possuía dívidas, porém João afirma que não possuía e não conseguiu provar a inexistência de débito, portanto mesmo que esse ato seja injusto, ele é legal, o policial ao apreender o carro de João terá que ter a sua ação protegida para que a máquina judiciária, executiva e administrativa estatal possam ser realizados com efeito.

 No momento em que o cidadão se opusesse contra a ação policial, mediante violência ou ameaça, estaria incorrendo ao crime de resistência, porém so com a presença desse elemento de violência, o caso que se não ocorresse, não seria constatado como crime, seria o que a doutrina chama de resistência pacifica, pois é do ser humano querer resistir, como no caso tentar manter seu carro em seu domínio, ou então se agarrar a um poste para não ser preso, tudo isso sem presença de violência não haveria ocorrência de crime.

Enquanto o crime de resistência ocorre na pratica de ato violento ou ameaça contra o executor do funcionário público, ou contra esse próprio, o crime de desobediência se resume a desobedecer, como o próprio nome já diz, ordem legal de funcionário público.

O crime de desacato, como já explanado acima, consiste em desacatar funcionário público no exercício de sua função ou em razão desta. Rogério Tadeu Romano, em seu artigo, caracteriza o objeto jurídico desses crimes como sendo:

A objetividade jurídica dos crimes de resistência, de desobediência e de desacato é a autoridade e o prestígio da função pública. Deve a lei assegurar o cumprimento das funções públicas, punindo os agentes que entravam de forma ilegal e abusiva a ação estatal. (2012,p.1)

Dessa forma, se vê que teoricamente os crimes acima elencados realmente possuem uma razão de ser e que seriam se fossem utilizados somente para isso, porém o que se vê na prática é a utilização dessa autoridade como um meio de humilhação.

Esse papel defende a desnecessidade de tais artigos, pois para a realização de qualquer condutado funcionário público, esse terá os meios para realizar tal, seja na apreensão de um carro, seja na captura do criminoso, sem necessidade de mais um crime no âmbito penal, que iria aumentar a pena do sujeito infringindo em princípios penais como a da bagatela, lesividade e a intervenção mínima.

Rogério Tadeu (2012, p.8) cita Manzini quando ele cita Paulo José da Costa Jr.(obra citada, pág. 511), e demonstra uma das diversas críticas realizadas a respeito dos crimes contra o funcionário público, na qual diz:

Os funcionários públicos e os empregados do serviço público devem ser respeitados, mas a lei não exige que sejam também venerados como pessoas sagradas e intocáveis, não se podendo interpretar como delitiva a mera reprovação, expressa de modo não injurioso, de seus atos.

2.2 Desacato e a legitimação das ações policiais 

Como já demonstrado exaustivamente acima, desacato serve mais como um modo para reprimir o cidadão á não cometer qualquer ato que pudesse criticar ou causar alvoroço no local de seu trabalho, muito se deparam com aquelas plaquinhas de avisos nos estabelecimentos de repartições públicas e encontramos todos oos funcionários públicos conversando entre si e essa placa serve para evitar que qualquer um reclame ou tente chamar atenção do funcionário em relaçã a seu trabalho.

Como se pode perceber, esse instituto não tem uma justificativa plausível pela sua existência, pois mesmo com a sua inexistência, haveria outros tipos penais que poderiam abarcar as ações lesivas contra o funcionário público.

Andrey Alencar, assessor jurídico, relata que o desacato serve para contranger o cidadão a não realizar críticas ao trabalho do servidor, in verbis:

Fato é que, não só em repartições públicas encontramos esses avisos que na maioria das vezes serve mesmo mais para constranger o cidadão a não criticar o trabalho do servidor público, como também nas ruas policiais se utilizam desse dispositivo legal para prender cidadãos (sem generalizar, pois, em muitos casos a pessoa realmente merece ser detida) que questionam certos abusos. ( 2014,p.1)

Do mesmo modo entendem diversos doutrinadores a respeito da utilização do crime de desacato para fins como impor respeito maior que o necessário, garantir a execução de atos que não são atos legais, por fim, a imposição de medo.

Lélio Braga Calhau, cita Ferrajoli quando critica o direito penal, pois esse acredita que a criminalização do crime de desacato é uma norma muito abrangente e que cada juiz deverá fazer a sua própria análise, sendo assim, há uma grande insegurança e ainda maior imposição de medo, pois de fato haverá vezes que o juiz poderá ou não considerar que o cidadão cometeu desacato e poderá ser detido, ficar numa penitenciária por que escolheu a pessoa errada para falar ou fazer certas ações que normalmente não teria problema algum não parece ser algo muito justo.

Para Luigi Ferrajoli, para que o desvio punível não seja constituído, mas regulado pelo sistema penal, não é suficiente, com efeito, que esteja pré-configurado por regras de comportamento. Comportamentos como o ato obsceno ou o desacato, por exemplo, correspondem a figuras delituosas, por assim dizer, em branco, cuja identificação judicialdevido à indeterminação de suas definições legais, remete inevitavelmente, muito mais do que as provas, as discricionárias valorações do juiz, que de fato esvaziam tanto o princípio formalista da legalidade quanto o empírico da fatualidade do desvio punível. Para que estes mesmos princípios sejam satisfeitos é necessário, além disso, que não só a lei, senão também o juízo penal, careçam de caráter constitutivo e tenham caráter recognitivo das normas e cognitivo dos fatos por elas regulados. (CALHAU, 2004, p.1 apud FERRAJOLI, 2002, P.32).

A crítica de Ferrajoli é novamente levada a criminalização do desacato ao abordar os modelos autoritários de Direito Penal. Ferrajoli lembra que o primeiro aspecto da epistemologia antigarantista é a concepção não formalista nem convencional, mas sim ontológica ou substancialista do desvio penalmente relevante. Segundo esta concepção, objeto de conhecimento e de tratamento penal não é apenas o delito enquanto formalmente previsto na lei, mas o desvio criminal enquanto em si mesmo imoral ou anti-social e, para além dele, a pessoa do delinqüente, de cuja maldade ou anti-sociabilidade o delito é visto como uma manifestação contingente, suficiente, mas nem sempre necessária para justificar a punição (CALHAU, 2004, p.1 apud FERRAJOLI, 2002, P.35)

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