A Mercância E As Principais Obrigações Do Empresário
Por Agnaldo Simões Moreira Filho | 09/11/2007 | AdmAgnaldo Simões MOREIRA FILHO.[1]
O presente artigo tratado direito empresarial, focando o estudo no conceito de empresário e nas suas principais obrigações na prática das atividades mercantis.
1 - Histórico:
A teoria dos Atos de Comércio nasceu em 1808 na França pós revolução.
Essa teoria separava o direito dos nobres do direito dos burgueses, sendo que o direito civil era voltado a aplicado aos nobres enquanto que o direito comercial era aplicado aos burgueses.
Pode-se, desde já perceber a grande falha dessa teoria, pois não é possível separar o direito por classes.
O legislador francês elencou os atos da comunidade burguesa, ou atos de comércio.
Assim, segundo a lei francesa, eram atos de comércio os seguintes:
·Ato do comércio.
·Ato da indústria.
·Ato de intermediação monetária (bancos)
·Ato de intermediação do risco (seguros).
Esses atos foram copiados pelo Código Comercial Brasileiro.
A doutrina discute se essa classificação de atos de comércio é numerus clausus.
Neste estudo vamos nos ater aos atos do comércio, haja vista que os outros são de fácil entendimento a partir da sua leitura.
Ato do Comércio:
Haviam divergências quanto ao conceito de ato do comércio,porém em 1942 na Itália nasce a teoria da empresa. A partir de então, a dificuldade em conceituar ato do comércio foi superada.
Neste contexto, mostra-se de suma importância a Teoria da Empresa, voltada para a organização dos fatores de produção, que proporcionam a circulação de bens e serviços, com vistas ao lucro, conduzindo a uma reformulação total no entendimento do objeto das sociedades, sejam elas comerciais ou civis, fulcrado no ato de comércio, passando estas sociedades, a partir daí, a terem os seus objetos voltados às atividades empresariais, independentemente da prática ou não de atos ditos mercantis.
O novo Código Civil, promulgado recentemente, segue orientação do Código Civil Italiano de 1942, consagrando essa teoria no Livro II, do "Direito de Empresa". As sociedades antes conhecidas por sociedades comerciais passam a se denominar "sociedades empresárias".[2]
O Código Civil italiano trouxe o conceito de empresário, e foi copiado pelo Código Civil Brasileiro ( Art. 966 ). Pode-se dizer que esse é um dos artigos mais importantes do direito empresarial moderno.
Diz ele:
Art. 966: "Considera-se empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, para a produção ou circulação de bens e serviços".[3]
O CC/02 nos traz também o conceito de estabelecimento:
Art. 1.142: "Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária".[4]
A teoria da empresa, citada acima, trouxe a definição de empresário, solucionando o problema da conceituação, mas trouxe também, em seu bojo, uma outra falha, a "unificação do direito privado". Essa unificação se revela no tratamento, pelo mesmo instrumento normativo, de matérias de direito civil e matérias de direito empresarial. Ainda hoje, no Brasil, o código civil trata de temas de direito civil e empresarial, o que não quer dizer que o dieiro civil tenha absorvido o direito empresarial.
Discorrendo sobre o tema, Silva diz que:
Não se pode confundir autonomia formal com autonomia cientifica. Autonomia formal decorre da existência de um corpo legislativo diferenciado (ex. um código ou uma lei ou um conjunto de leis) Já a autonomia cientifica de um ramo do direito decorre de vários outros aspectos: existência de um objeto único ou de objetos relacionados de regulação, existência de princípios e institutos próprios, método interpretativo diferenciado.
Já é consagrado que disposições de ramos distintos se interpretam de forma distinta. Isso decorre, evidentemente, da natureza específica de cada ramo do direito, já que cada ramo do direito tem objeto de regulação distinto, expressões próprias, visam atender necessidades sociais diferenciadas etc.[5]
E continua:
Assim, dizer que o direito comercial perdeu sua autonomia jurídica por causa do novo Código Civil é não perceber que a maior parte do seu objeto de regulação (falência e concordata, títulos de créditos, marcas e patentes, direito societário, registro de empresas etc) continua vivo e sem alteração sob o prisma científico, já que alterações legislativas de específicos tópicos regulados não tem o condão de modificar a estrutura científica de um ramo do direito, como vimos acima.[6]
Podemos concluir que essa unificação se deu apenas na seara legislativa, não atingindo a autonomia das disciplinas. Inclusive na CF/88 o direito empresarial está separado do direito civil.
2 – Empresário: (Art.966 CC/02)
Do artigo 966 do Código Civil Brasileiro, podemos extrair o conceito de empresário. Nesse sentido, empresário e aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, para a produção ou circulação de bens e serviços.
Há três requisitos que podemos extrair do conceito.
2.1 - Profissionalismo:
Para ser considerado empresário é necessário o profissionalismo que pode ser representado pela habitualidade, pessoalidade e monopólio de informações.
A habitualidade é representada pela periodicidade.
A pessoalidade significa que a atividade tem que ser prestada pelo empresário ou em nome dele.
Por monopólio de informações implica no conhecimento das informações essenciais à prática da atividade, tais como qualidade do produto, condições de uso, matéria prima utilizada, eventuais defeitos de fabricação etc.
2.2 - Exercício de atividade econômica:
Para se caracterizar como empresário, mister se faz que a atividade prestada seja de cunho econômico. Econômico aqui tem o sentido de lucro. Na atividade empresarial o lucro é o fim.
2.3 - Organização:
É a articulação, pelo empresário, do capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia, os 4 (quatro) fatores de produção.
O capital pode ser próprio ou alheio; a mão-de-obra pode ser direta ou indireta; o insumo é a matéria-prima utilizada pelo empresário e tecnologia é o aprimoramento dos meios de produção para atender à demanda.
Há entendimentos na doutrina que os quatro elementos, ou fatores de produção são obrigatórios, e a falta de um deles descaracteriza a atividade empresarial. (Ex: Se o indivíduo não contrata mão-de-obra ele não é empresário).
Vale ressaltar que o sócio da sociedade empresária não é empresário. Empresário é a pessoa jurídica da qual ele é sócio, e que empresa para o direito empresarial é sinônimo de atividade. É o vínculo jurídico que une o sujeito ao objeto. O sujeito é o empresário e o objeto é o estabelecimento comercial. Assim, empresa nada mais é que a atividade em movimento.
O local onde a atividade é exercida chama-se ponto comercial ou empresarial e não estabelecimento.
Estabelecimento empresarial é o conjunto de bens materiais e imateriais que o empresário reúne para exercer sua atividade.
3 – Atividades Civis (Não empresariais):
Há 4 hipóteses de se identificar a atividade como não empresarial.
Hipótese Excludente: Qualquer um que não se adeque aos requisitos do artigo 966 do CC/02 não será empresário.
Profissional Intelectual: Está previsto no parágrafo único do Artigo 966 do CC/02. Não é empresário aquele que exerce profissão intelectual, de natureza artística, científica ou literária, ainda que com o uso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício constituir elemento de empresa.
O profissional intelectual torna-se empresário quando ele perde sua autonomia. Quando o cliente procura a instituição e não mais o profissional. No momento em que o profissional deixa de ser a referência, a atividade é empresarial. Nesse caso, a atividade vira a referência e o profissional, elemento da empresa. (Ex:Grandes Hospitais)
Atividade rural: Nesse caso o registro é o que vai determinar a qualidade daquele que exerce a atividade. Para essas atividades, o registro é obrigatório, porém é facultado ao produtor, fazê-lo no cartório de registro civil de pessoas naturais, caso em que a atividade será civil ou fazê-lo na Junta Comercial, caso em que a atividade será empresarial. No caso da atividade rural, é indiferente a organização da atividade, sendo que o que caracterizará a atividade como empresarial ou não é o registro.
Cooperativas: Serão SEMPRE uma sociedade simples (Art.982, § Único do CC/02), muito embora seu registro deva ser feito na Junta Comercial.
4 – Obrigações do Empresário:
O empresário tem várias obrigações, mas 3 são as principais:
·Realizar registro;
·Manter uma escrituração regular;
·Levantar balanços periódicos.
4.1 - Obrigação de realizar o registro:
Trata-se aqui de um controlo estatal sobre as atividades econômicas.
Essa obrigação decorre da Lei 8934/94 (Lei de registro de empresas).
Essa lei instituiu o Sistema Nacional de Registro de Empresas que está organizado em dois patamares, um nacional e um estadual. O nacional é o DNRC (Departamento Nacional de Registro de Comércio - vinculado ao Ministério do Desenvolvimento) e o estadual são as Juntas Comerciais.
As juntas Comerciais estão subordinadas tecnicamente ao DNRC e administrativamente ao estado-membro. É o DNRC que estabelece as regras de registro que as Juntas devem seguir.
4.1.1 - Competência do DNRC e das Juntas Comerciais:
4.1.1.1 – DNRC:
4.1.1.1.1 - Função Legislativa:
O DNRC exerce função legislativa através da edição de Instruções Normativas que regulamentam os registros. Ou seja, aqui esse órgão define como os registros devem ser feitos pelas Juntas Comerciais.
Observa-se aqui, um exemplo da subordinação técnica das Juntas Comerciais ao DNRC.
4.1.1.1.2 - Função Fiscalizadora:
È através do exercício do poder regulador que esse órgão diz se o registro está sendo feita de forma adequada.
4.1.1.1.3 - Função Correcional:
É por meio dessa atribuição que o DNRC corrige os registros feitos de forma adequada.
4.1.1.1.4 - Função de Manutenção do Cadastro Nacional de Empresas Mercantis:
Aqui se observa uma função de natureza meramente informativa. A Junta Comercial faz o registro e envia as informações principais ao DNRC. Esse cadastro tem a função de orientar o governo Federal a implementar suas políticas públicas.
4.1.1.2 - JUNTAS COMERCIAS:
4.1.1.2.1 - Função executiva:
A junta que executa o registro da empresa. Ao receber o pedido, a Junta Comercial faz o registro da nova Empresa. Cabe à Junta Comercial fazer uma análise meramente formal do pedido, sem adentrar a questões materiais, com exceção quanto à ilicitude do objeto.
4.1.1.2.2 - Função de assentamento dos usos e práticas mercantis:
As juntas comerciais possuem bancos de dados dos usos e práticas comerciais das suas respectivas regiões.
4.1.1.2.3 - Função de órgão profissional:
A Junta Comercial é o órgão profissional para as categorias para-comerciais, quais sejam, tradutor público e intérprete comercial.
4.1.2 - O registro nas juntas comerciais:
Existem três atos de registro. São eles a matrícula, o arquivamento e a autenticação.
4.1.2.1 – matrícula:
É o ato de registro das categorias para-comerciais, os tradutores públicos e os intérpretes comerciais. (Tradutores Públicos; Intérpretes Comerciais; Leiloeiros; Administradores de Armazéns Gerais e Trapicheiros).
Tradutores públicos são os profissionais que convertem para a língua portuguesa os documentos firmados pelo empresário idioma estrangeiro.
Intérpretes Comerciais são os profissionais que convertem para a língua portuguesa os diálogos do empresário realizados em outro idioma.
Leiloeiros são aqueles profissionais habilitados a realizar leilões. Sua função ajuda o empresário a comprar e vender bens.
Administradores de Armazéns Gerais: São os profissionais habilitados a administrarem os armazéns gerais e os terminais de contêineres.
Trapicheiros: São os administradores do trapiches, que são armazéns gerais de pequeno e médio porte.
4.1.2.2 – ARQUIVAMENTO:
É o ato de registro do empresário individual, e de constituição, alteração, e dissolução das sociedades empresária.
O prazo para requerer o arquivamento é de 30 dias contado da prática do ato. (Constituição, alteração, dissolução).
4.1.2.3 – AUTENTICAÇÃO:
A autenticação é o ato de registro com dupla função. A função de veracidade e a função de regularidade.
Os livros comerciais só serão considerados autênticos e regulares se autenticados em todas as páginas.
4.2 - MANTER UMA ESCRITURAÇÃO REGULAR:
A segunda grande obrigação do empresário é a de manter uma escrituração regular.
Para que isso seja possível o empresário deve preencher os livros empresariais.
4.2.1 - LIVROS EMPRESARIAIS:
São nos livros empresariais que o empresário lança suas operações financeiras.
Essa obrigação do empresário decorre do poder de fiscalização do Estado sobre a atividade empresarial, que se dá através da inspeção de tais livros.
Ressalta-se que com a evolução tecnológica, esse livro tem se escasseado, sendo os lançamentos feitos através dom meios digitais.
4.2.1.1 – FUNÇÕES DOS LIVROS EMPRESARIAIS:
4.2.1.1.1 – FUNÇÃO GERENCIAL:
As escriturações auxiliam o empresário a gerir e tomar as melhores decisões sobre a sua atividade.
4.2.1.1.2 – FUNÇÃO DOCUMENTAL:
Decorre da necessidade que tem o empresário de mostrar a terceiros a sua atividade e comprovar seu movimento de caixa, saúde financeira da atividade, etc. (ex: comprovar que seu negócio é bom investimento para bancos, futuros sócios e investidores em geral.)
4.2.1.1.3 – FUNÇÃO FISCAL:
Essa função decorre da necessidade que tem o Estado de controlar a incidência e o pagamento de tributos para determinada atividade.
4.2.1.2 – ESPÉCIES DE LIVROS:
Os livros empresariais podem ser obrigatórios e facultativos.
4.2.1.2.1 – LIVROS OBRIGATÓRIOS:
Obrigatórios são todos aqueles livros cuja falta importa em aplicação de sanção ao empresário.
O gênero livros obrigatórios tem duas espécies: os obrigatórios comuns e os especiais.
Os livros obrigatórios comuns são aqueles comuns a todos os empresários. O único livro obrigatório comum é o DIÁRIO, todos os outros livros obrigatórios são especiais.
As exceções à obrigatoriedade da escrituração do Diário são as micro empresas e empresas de pequeno porte.
O micro empresário e o empresário de pequeno porte estão dispensados da escrituração de qualquer livro, a menos que façam opção pelo SIMPLES NACIONAL, caso em que, obrigatoriamente, terão que escriturar 2 (dois) livos. O LIVRO CAIXAe o LIVRO REGISTRO DE INVENTÁRIO.
4.2.1.2.2 – LIVROS FACULTATIVOS:
Qualquer registro que o empresário faça, de forma organizada, é considerado um livro facultativo.
4.2.1.3 – REQUISITOS DA ESCRITURAÇÃO DOS LIVROS EMPRESARIAIS:
Há requisitos de escrituração do livros empresariais intrínsecos e extrínsecos.
4.2.1.3.1 – REQUISITOS INTRÍNSECOS:
Os requisitos intrínsecos são aqueles pertinentes à técnica contábil.
Há 3 (três) requisitos intrínsecos: o idioma nacional; a moeda corrente; e ao forma mercantil de escrituração.
Vale dizer que por forma mercantil entende-se que os livros devem ser escriturados atendendo a uma forma mercantil, caracterizada pelo lançamento das operações mercantis em ordem cronológica, sem espaços, rasuras ou borrões.
4.2.1.3.2 – REQUISITOS EXTRÍNSECOS:
Os requisitos extrínsecos são aqueles pertinentes à segurança dos livros.
Esses requisitos também são em número de 3 (três), o termo de abertura; o termo de encerramento e a autenticação, que deve ser feita em todas as páginas do livro.
4.3 - BALANÇOES PERIÓDICOS:
Por fim, a terceira obrigação do empresário aqui estudada é a de fazer balanços periódicos.
Em regra os balanços são feitos anualmente, e há dois tipos: o balanço patrimonial, e o balanço de resultado econômico.
O balanço patrimonial é aquele que demonstra os ativos e os passivos do empresário.
O balanço de resultado econômico é o que demonstra as perdas e os ganhos do empresário desde o último levantamento.
Lembramos, ainda, que as instituições financeiras devem levantar balanços semestralmente, enquanto que os micro empresários e os empresários de pequeno porte estão dispensados de realizar tais balanços.
Aqui termina esse estudo da atividade empresarial, focando-se no conceito e nas principais obrigações do empresário.
[1] Graduando em direito pelas Faculdades Jorge Amado, Salvador – Bahia.
[2] MACHADO, Daniel Carneiro. O novo Código Civil brasileiro e a teoria da empresa . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2901>. Acesso em: 20 jun. 2005.
[3] Lei nº 10.406/02 - Código Civil Brasileiro, Artigo 966.
[4] Lei nº 10.406/02 - Código Civil Brasileiro, Artigo 1.142.
[5] SILVA, Bruno Mattos e. O Novo Código Civil e a autonomia do Direito Comercial.Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3946>. Acesso em: 20 jun. 2005.
[6] Ob. Cit.