A mentalidade inquisidora
Por Jorge Ribeiro de Sousa | 27/09/2018 | SociedadeA mentalidade inquisidora vs tempo de misericórdia
Percebendo ações intolerantes, de exclusão, excomunhão, afastamento e julgamento, Jesus se indigna com os que se dizem fieis e proclama a superioridade da acolhida, da tolerância e do respeito às diferenças como forma de viver a crença e a fidelidade a Deus: “sede misericordiosos como o Pai celestial é misericordioso” (Lc 6, 36). A medida que Jesus usa é o princípio da retribuição. E Ele ainda percebendo que muitos são exclusivistas e tendem a apontar nos outros os que não aceitam em si mesmos, adverte do perigo da Ideologia. Quando se quer desestabilizar e provocar desconfiança, a primeira coisa é se agarrar numa ideologia. E é sabido que o conceito de ideologia é primordial na arte da suspeita. Provoca desarmonia, reticencias… a famosa cizânia. A partir desse instante todos são colocados em questionamento, ninguém é inocente e então se gera incertezas. Quando alguém se deixa morder pela acidez da amargura, tende sempre a provocar desagregação. Mas a dúvida insinuada não provoca dúvida sobre si mesma? Quem dirige suspeita e desconfiança, não atrai sobre si a mesma consideração? A autorreferência é uma doença que atacou o mundo moderno, quando se confundiu subjetividade com subjetivismo e transformou identidade com exclusivismo. O extremo do autorreferencial é a mentalidade inquisicional, que acaba por devorar a si mesma. Nega toda misericórdia aos outros, mas se proclama vítima de todas as injustiças. Nessa perspectiva vive-se em guerra continua uns contra os outros, bisbilhotando no que alguém possa ter se desviado para poder acusar, excluir e banir. A base do raciocínio acusador é: Revelo no outro o que não pretendo que se descubra em mim! O caso é que numa mentalidade dessas todos são suspeitos, inclusive os próprios inquisidores. E não muitas vezes os acusadores são os maiores culpados. Essa é, segundo o que diz o Papa Francisco, fruto de uma Igreja fechada, vazia, que pensa a si mesma e tem medo de se expor. Os pastores são transformados em administradores e gestores e os leigos em burocratas que executam tarefas, sem o sentido missionário. Isso é ignorar a pessoa e suas necessidades e aportar apenas a sua funcionalidade. Aqui leigos e ordenados se misturam como clericalistas. A Igreja da misericórdia, uma Igreja em saída é uma igreja que não tem nojo de suas feridas, mas na comunhão e no perdão busca sanar todas as suas chagas. Nós presbíteros de hoje fomos formados nessa igreja que o presbítero “administra” os sacramentos, a palavra e as coisas, o que torna difícil ser um companheiro da comunidade, um irmão na caminhada. O responsável duma comunidade ou instituição não deve ser um inquisidor, mas um orientador. Cabe aos centros de formação hodiernos oferecer uma formação sólida, transversal e comunicativa para evitar a hierarquização e o clericalismo na realização missionária. A mentalidade inquisicional, dos ministros ordenados ou dos leigos, é a mentalidade de quem não se encontrou ainda numa igreja que faz a opção missionária, com estilo, linguagem e atitudes em saída (EG 26-27). A igreja em saída é a igreja que não se prende a si mesma e não se obstina em se defender, mas é uma igreja que se move, que faz opção pelos últimos, que vai à periferia, que sai de si mesma, quer dizer que é uma igreja inclusiva, que vai à periferia e que não se coloca em movimento (EG 34). Essa denúncia que a mentalidade fechada e inquisicional seja um câncer na vida da igreja e da sociedade foi proclamada pelo Vaticano II, quando denunciou o clericalismo e o absolutismo, mas não prossegue na varredura, deixando cair sobre o tema uma cortina de silêncio. Certamente aconteceram outras reações ao longo da história contra uma mentalidade “ensimesmada”, que é ciumenta e apoderada de si mesma, pois uma perspectiva que se coloca com distanciamento perante a vida e as ações dos outros, torna-se injusta e excludente. A mentalidade inquisidora “decorre da extremada vontade de controlar tudo, até os recônditos da consciência e da imaginação”. Mas também é uma transferência ao outro da própria falta de responsabilidade. A Igreja acolhedora é, no dizer do Papa Francisco, “uma igreja deve sair de si mesma, rumo às periferias existenciais. Uma igreja autorreferencial prende Jesus Cristo dentro de si e não o deixa sair. É a igreja mundana, que vive para si mesma”. É o tempo de sair duma mentalidade condenatória e promover as forças que fazem do Evangelho o único espelho a servir como modelo. O Reino acontecerá quando a misericórdia supere as intransigências moralistas e quando o acolhimento ofereça o abraço que cancele toda espécie de inquisição. O medo de perder leva à busca de refúgios e de sustentação, azedando o vinho novo da esperança e da novidade. Que a misericórdia triunfe sobre as maledicências…