A menina sem braços (o velho e o novo sacerdote)
Por Pablo Araujo de Carvalho | 09/04/2016 | CrônicasEra uma vez uma menina que nascerá sem os braços e por essa deficiência sempre admirada pela sua força de vontade e bom espírito diante das dificuldades, ela foi crescendo e sempre se superando, fazia simplesmente tudo que um reles mortal poderia fazer, fez faculdade, casou-se e sempre motivada vivia sua vida com magnitude. Certa feita passeando próximo ao planalto central encontrou uma lâmpada velha que imediatamente esfregara com os pés, o gênio ao sair da lampada, surpreso com a força de vontade da menina sem braços, disse: Você tem apenas um pedido para solicitar. Ela conhecedora das fabulas do Aladim, lhe perguntou: Não são três pedidos gênio? No que ele ríspido respondeu: Eu sou um gênio brasileiro portanto costumo distribuir poucas benesses! Ela acostumada com uma vida desprovida e de poucas benesses lhe pediu: gostaria de ter braços e que fossem saudáveis. (E que fossem saudáveis, foi só um cuidado por ser ele um gênio brasileiro achado numa lâmpada em frente ao planalto central) O gênio respondeu: desejo atendido, mas um adendo: cuidado! Desejos satisfeitos costumam nos paralisar por inteiro... Ela atônita disse: agora sou perfeita gênio! O que me falta? O gênio não a respondeu, pois assim como chegou partiu e levou sua lâmpada consigo, gênio brasileiro é assim mesmo se é que me entende! Ela extasiada repetiu: o que me falta? E ela mesmo respondeu: nada! Chegando em casa contou a novidade vista a olho nú. Passado o tempo e a euforia, como tudo que é novidade causa, derrepente num instante existencial, desses que te coloca diante da insustentável leveza do ser, onde desejos e verdades absolutas simplesmente se dilui diante das inquebrantáveis questões existenciais. Eis que a perna se revolta de não mais possuir o domínio completo dos desejos do corpo, ela que até outrora era tudo para a menina inclusive objeto de admiração que na falta de um membro vital, as pernas tudo faziam. Eis que a menina sente a queixa da perna que reverbera em seu íntimo como a ausência de elogios que a "normalidade" experimenta. Ela já não era objeto de admiração, ela já não era exemplo de resignação e fé. E neste instante único, eis que ela se lembrou das palavras do gênio, que dissera assim: cuidado! Desejos satisfeitos costumam nos paralisar por inteiro... Ela descobrira que o desejo e a esperança que a motivara em seu sonho de poder brincar no balanço, agora se antagonizava com a fatiga e a angustia do eterno balançar ou do eterno ir e vir da vida. E ela que agora tinha todos os membros completos e prefeitos, se sentia paralisada, uma paralisia que obstruía a alma. E com seu corpo agora perfeito, com sua estrutura corpórea em que nada faltava, fatigada pela existência perfeita, sem elogios e olhares atenciosos, eis que comete um suicídio, não com os pés que tanto lhe ampararam em tudo, mas sim com as mãos que sempre lhe faltaram... As mãos... Oh mãos, desejo e esperança que só é sentida na falta. Mãos que na presença deixa de ser desejo e passa a ser eterna fatigante existência... A vida não é uma busca desvairada de conquistas, mas sim a alegria e a satisfação da conquista que deixa de ser desejo no exato momento em que conquistamos. Amor é vontade de nos alegrarmos pela vida que temos e não pela vida que desejamos. Isso é assim na vida matrimonial, na vida profissional e na vida religiosa. O motivo que te conduz até um lugar só pode ser um meio e nunca um fim em sí mesmo, tal como o desejo é só um meio e nunca um fim, pois o fim se resume na vontade de eternizar o motivo que nos conduziu até este fim.
Uma sabedoria contrária à tudo diz exatamente isso: (É muito fácil ter fé quando tudo vai de mal a pior, jejuns, transformações íntimas, novenas e recolhimentos, porém permanecer na fé quando tudo está perfeito e bom, casamento, vida profissional e religiosa... Eis o desafio: se alegrar com aquilo que já conquistou e se alegrando, amar o seu mundo como ele se apresenta a você). Amor pelo amor, desinteressado amor... Amor que não tem motivo e nenhum interesse por de trás, a não ser se alegrar pelo amado na simples presença do amado. Se alegre na presença, pois o desejo só se justifica na falta. Muitos buscam a fé na falta, porém poucos a sustenta na presença, eis a diferença do velho e do novo sacerdote! Eis a diferença do estável e do afoito! Eis a diferença do que ama e por isso não deseja e do que deseja e por isso não ama! Eis a diferença do neófito e do sábio...