A Menina do Bosque

Por Júlio César Gonsalves | 05/08/2012 | Contos

A Menina do Bosque Pisei sobre a relva molhada e ouvi o canto tímido de um pássaro. Algumas gotas d’água ainda despencavam das altas árvores. A chuva forte cessara há menos de cinco minutos e eu já estava de volta ao bosque. Era ali que eu descansava após um dia enfadonho na escola. Aos dezesseis anos eu amava tanto aquele bosque que construí uma pequena casa de madeira entre as árvores, queria moral ali, mas papai não permitiu. Caminhei até a minha simples casinha. Ao abrir a porta tive uma desagradável surpresa; tudo estava revirado; o armário tinha as suas portas escancaradas, uma cadeira estava caída, havia cascas de banana pelo chão e a minha bandeja de frutas tinha desaparecido. Que horror, um ladrão invadira a minha propriedade. Pela bagunça deixada, conclui que o invasor devia ter saído às pressas, provavelmente ao ver-me. Talvez ainda estivesse por perto. Eu corri pelo bosque em busca de vestígios. Depois de dois minutos encontrei a metade de uma maçã. -Ora!- eu falei revoltado. - O ladrão está comendo as minhas frutas! Após caminhar alguns metros eu avistei os pés de alguém que tentava se esconder atrás de uma grande pedra. Como não era possível ter certeza do tamanho e da força do invasor eu aproximei-me com muita cautela. Ao contornar a pedra parei boquiaberto; não era um invasor, era uma invasora; uma menina da minha altura, de pele rosada e boca muito vermelha, seus cílios muito negros chamavam à atenção para os seus lindos olhos verdes de pupilas enormes, seus cabelos louros encaracolados desciam até a cintura. Eu achei-a tão linda que por um momento nem reparei que ela segurava a minha bandeja de frutas. Depois de um minuto ela olhou para mim, sorriu inocentemente e perguntou: -Você quer uma maçã? Ela tinha uma bela voz, quase musical. Demorei a responder, e quando consegui dizer alguma coisa não foi com a arrogância pretendida: -Essas maçãs são minhas! -Não são mais!- ela falou e depois saiu correndo. Eu a persegui e a segurei pelo braço um minuto depois. Sorridente ela nem tentou libertar-se, para ela tudo não passava de uma brincadeira. -Por que você roubou as minhas frutas? -Porque eu estava com fome! Ela tinha uma expressão tão inocente que eu até me esqueci que estava zangado. Fiquei admirando-a por um longo instante e de repente a reconheci: -Elisha Cutheberg! A menina parou de sorrir e encarou-me séria. Mesmo assim, ainda parecia muito inocente. -O que sabe sobre Elisha Kutheberg? -Elisha Kutheberg desapareceu há cindo anos quando estava indo para a escola. Nunca mais alguém teve notícias dela! -Eu não sou mais Elisha, agora sou Alice, prefiro assim! Elisha ou Alice encarou-me demoradamente e depois passou a mão suavemente pelo meu rosto dizendo: -Eu também conheço você, é Ezequiel Alencar, morava há três quarteirões da minha casa! -Você me conhecia? -É claro! Eu sempre o via espiando pela janela quando eu estava indo para a escola. Afinal, o que é que você tanto olhava? -Nada!- falei timidamente- Mas conte-me, o que aconteceu com você? -Eu me cansei da vida na cidade. Cansei dos carros, dos prédios, da escola e resolvi morar aqui! -Mas e os seus pais? Eles ficaram muito preocupados! -Eu sei, mas eu não queria aquela vida para mim! -Mas como sobreviveu neste bosque durante cinco anos? -Água não falta. Para comer eu pesco e roubo frutas suas, mas dessa vez você percebeu! Elisha foi o meu grande amor da infância, e quando eu a reencontrei percebi que ela ainda era o meu grande amor. -Não conte nada para os meus pais!-ela pediu. -Eu não vou contar! Elisha exibiu novamente o seu lindo sorriso e perguntou: -Você quer conhecer um lugar? -É claro! Ela segurou a minha mão e me conduziu até uma parte do bosque que eu não conhecia. Em menos de cinco minutos chegamos a uma cachoeira; era um lugar paradisíaco, havia pedras enormes e água despencando de quinze metros de altura formando um lago cristalino. Tudo isso protegido por altas árvores. -Vamos nadar!- Elisha falou. Sem pensar, pulamos na água gelada, e eu digo a você que não há nada melhor do que um banho em uma cachoeira ao lado da pessoa amada. Ficamos dentro do lago por um longo período e quando já estávamos cansados nos deitamos na relva. -Quando você sumiu, eu te procurei por toda a cidade, em cada canto!- revelei. -Por quê?-Elisha perguntou surpresa- Por acaso você é da polícia? -Você me via na janela todas as manhãs espiando, espiando você! -Mas por quê? Eu não respondi, levantei-me e Elisha também se levantou olhando-me nos olhos em busca de uma resposta. Eu segurei suas mãos e implorei: -Promete que não vai sumir novamente? Promete que não vai se afastar de mim? Ela não respondeu e continuou a me olhar sem entender muito bem o que se passava. -Eu te amo Elisha, quero você perto de mim, mesmo que para isso eu tenha que fugir de casa para morar aqui no bosque. Ela sorriu e falou baixinho: -Não precisa fugir de casa, eu vou estar sempre com você! Eu a beijei. Senti o seu coração tão acelerado quanto o meu, seus lábios vermelhos me levaram ao céu. Na manhã seguinte todos os telejornais informavam: -Elisha Kutheberg foi encontrada. Ela havia desaparecido aos onze anos e hoje já é uma adolescente! Sua história ainda é um grande enigma, mas a família procura por respostas! É isso mesmo; Elisha ou Alice voltou para casa. Eu disse aos pais dela (porque ela pediu) que eu a encontrei no bosque, feita refém por cruéis sequestradores. Eu lutei contra os bandidos e a libertei. Desde então me transformei em um herói, os pais de Elisha permitiram o nosso namoro, e eu a encontrava todos os dias e às vezes corríamos até o bosque. Elisha para os outros, para mim ela era Alice, o meu amor, a menina do bosque. J.C. Gonsalves da Rocha