A MARGINALIZAÇÃO DOS ALUNOS

Por Lorena Carvalho Moraes | 09/09/2013 | Direito

A MARGINALIZAÇÃO DOS ALUNOS

Anna Marcelle Cunha Sousa[1]

Lorena Carvalho Moraes 

Sumário: 1. Introdução; 2. O conceito de sistema de controle social informal na modernidade e sua forma de atuação na escola; 2.1 O Labeling Approach e a conduta desviante de comportamento dos alunos das escolas pública e particular; 2.2. A determinação de conceitos pela classe dominante: O maniqueísmo como forma de marginalização do aluno; 3. Considerações finais; 4. Referências 

  1. 1.        INTRODUÇÃO 

Iniciaremos o trabalho explicitando o significado do sistema de controle social informal e tentaremos mostrar de que maneira este irá, não só influenciar, mas também controlar o comportamento, ações e princípios de uma sociedade, sendo que neste artigo enfatizaremos a escola como a principal agência de controle social informal das ações desta sociedade.

Em um segundo momento, conceituaremos a teoria do Labeling Approach e mostrar quem é considerado criminoso ou mau aluno e em quais circunstâncias esse adolescente é etiquetado como tal, procurando observar sempre da perspectiva dos conceitos já (pré) determinados para a real causa.

Dando continuidade ao tópico anterior no qual falamos de conceitos (pré) determinados, neste ensejaremos mostrar quem os constrói, (pré) determina e a quem se aplica. Dessa forma, levando em consideração a questão da visão maniqueísta (Bem X Mau) da sociedade, esta irá contribuir para a marginalização do adolescente, ressalvando-a no sentido etimológico da palavra, isto é, dessas pessoas que são deixadas a margem da sociedade.

É nesse contexto que delimitamos a questão da estigmatização dos adolescentes que estudam na escola pública, “Guimarães Rosa” e alunos que estudam na escola particular, “Machado de Assis” (O nome das escolas são fictícios), enfatizando a dicotomia de conceitos no cometimento da conduta desviante de comportamento entre esses alunos em São Luís – MA.

  1. 2.   O conceito de sistema de controle social informal na modernidade e sua forma de atuação na escola.

 

O sistema de controle social informal é constituído pelas agências de controle - escola, família, mídia, mercado e religião. Essas atuam como forma de determinação da regras de convivência da sociedade, porém, isso se dar de forma difusa, ou seja, não é institucionalizada. Tais agências irão trabalhar de maneira muitas vezes inconscientes, no que diz respeito ao poder que elas possuem em manipular a vida social e econômica dessa sociedade.

É nesse sentido que trazemos o conceito de controle social de Zaffaroni, o qual ele o entende como:

O certo é que toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, com grupos que dominam e grupos que são dominados, com setores mais próximos ou mais afastados dos centros de decisão. De acordo com essa estrutura, se controla socialmente a conduta dos homens, controle que não só se exerce sobre os grupos mais distantes do centro do poder, como também sobre os grupos mais próximos a ele, aos quais se impõe controlar sua própria conduta para não debilitar-se (mesmo na sociedade de castas, os membros das mais privilegiadas não podem casar-se com aqueles pertencentes a castas inferiores).[2]

Já tendo esclarecido o conceito de controle social informal, tentaremos mostrar de quais maneiras este atua nas escolas, sendo assim procuraremos traçar um paralelo entre as instituições pública e particular, de forma a explicitar quais consequências surgem dos “dogmas” estabelecidos pelas classes detentoras do poder.

Primeiramente a instituição escolar exerce forte influência em princípio na formação dos valores cívicos qual seja ser um verdadeiro cidadão. É nessa ótica que trazemos o pensamento do sociólogo Émile Durkheim, que diz: “A educação tem justamente por objeto produzir o ser social”[3]. Esses valores, segundo Durkheim, possuem “caráter coercitivo”, caso o indivíduo venha a desobedecer.

Entretanto, como educação escolar está dentro do controle social, ela é uma das principais formadoras do senso comum penal, pautados nos valores punitivos que vem de uma cultura maniqueísta (Bem X Mau). É o que percebemos no tratamento diferenciado de estudantes das escolas públicas para as da particular quando cometem uma conduta desviante de comportamento, já que o aluno da escola pública é quase sempre rotulado como criminoso, pois muitas vezes eles se encaixam nas características de criminoso descritas por Lombroso, a qual até hoje é utilizada pelo sistema penal e consequentemente pela sociedade, em sua teoria positivista tais quais:

Lombroso apontava as seguintes características corporais do homem delinqüente: cabelos crespos, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, tendência a tatuagem, falta de senso moral e etc.[4]

No que diz respeito à forma de atuação da escola nesse processo de controle social e manutenção do status quo da sociedade essa agência vem a trabalhar no sentido de mostrar para os alunos as formas de comportamento, atitudes e sendo muitas vezes até de algum modo ditadora ao definir ou forçar-los a acreditar o que é bom ou ruim, certo e errado. Fazem isso através do conhecimento dividido em disciplinas, usando grades por toda a escola, como afirma Silvio Gallo citando Foucault:

Foucault denunciou os mecanismos mais explícitos da escola, quando traçou em Vigiar e Punir os paralelos desta instituição social com a prisão. Mostrou que a estrutura física e arquitetônica da escola está voltada, assim como na prisão, para a vigilância/controle de seus alunos/prisioneiros. São muitos os olhos que sentimos sobre nós, o que introjeta o controle e faz com que nós próprios nos vigiemos. Mas o filósofo francês também apontou outros mecanismos da escola muito menos explícitos, como a disciplinarização. Há dúzias de argumentos pedagógicos para explicar a razão de o conhecimento estar dividido em disciplinas: facilita o acesso/compreensão do aluno etc. etc. Mas, por detrás disso, paira o controle: compartimentalizando, fragmentando, é muito mais fácil de controlar o acesso, o domínio que os alunos terão e também de controlar o que eles sabem. Lembremos do sábio conselho do general romano: "dividir para governar".[5]

2.1 O Labeling Approach e a conduta desviante de comportamento dos alunos das escolas pública e particular.

Neste tópico, iniciaremos explicitando o que vem a ser a teoria do labeling approach para que possamos relacioná-la com a conduta desviante de comportamento. Bem, o labeling approach ou reação social, surgiu em reação à teoria positivista e que essa teoria está fundamentada em um conhecimento imediato, ou seja, no senso comum, pois não possui estudos científicos para as reais causas do crime. Segunda a autora Vera Andrade, cita na sua obra que:

A criminologia positivista (desenvolvida com base no paradigma etiológico), não encontra, depois da desconstrução contra ele efetuada pela criminologia desenvolvida com base no paradigma da reação social, nenhuma base teórica e empírica de sustentação. Mas permanece hegemônico, no senso comum (e particularmente no senso comum jurídico dos operadores do sistema penal) porque confere sustentação ideológica ao modelo positivista de “combate a criminalidade” através do sistema, que chega ao século XXI por motivos evidentemente políticos e não científicos, mas fortalecido do que nunca.[6]

Enquanto o positivismo irá fazer a pergunta do tipo: “quem é o criminoso?”, “como se torna desviante?”, “em quais condições um condenado se torna reincidente?”, a teoria da reação social irá se preocupar com, quem é definido como desviante, que efeito irá decorrer desta definição sobre o indivíduo e por fim “quem define quem”. Assim afirma Baratta.[7]

As pessoas que detém o poder político e os grupos formadores de opinião (escola, família, religião, mercado e mídia) são as principais responsáveis em conceituar modelos de comportamento para a sociedade, ou seja, quem não segue os padrões de comportamento (pré) estabelecidos por eles são considerados desviantes.

Guiddens mostra isso em sua obra, Sociologia, em teoria da rotulação que:

As pessoas que representam as forças da lei e da ordem, ou que tem a capacidade de impor aos outros suas definições de moralidade convencional, são responsáveis pela maior parte da rotulagem. Os rótulos que criam categorias de desvio expressão, portanto, a estrutura de poder da sociedade. Em geral, as regras em termos das quais se define o desvio são formuladas pelos ricos para os pobres, pelos homens para as mulheres, pelas pessoas mais velhas para as mais jovens e pelas maiorias étnicas para os grupos minoritários.[8]

Entrando no âmbito da pesquisa que fizemos em duas escolas, pública e privada, aqui em São Luis “Guimarães Rosa” e “Machado de Assis” respectivamente, iremos nesse momento apresentar o que fora observado na pesquisa.

Percebemos que, apesar do etiquetamento como mau aluno, bagunceiro ou criminoso os alunos da escola pública muitas vezes se comportam de maneira mais social em relação aos da particular tendo como base a porcentagem de reincidência do ato desviante de comportamento (brigas, furtos, destruição do patrimônio escolar. etc) em quem na escola pública fora de 10% e a escola particular de 22%. Afirmam essas reincidências com as seguintes frases: “Depende! Se for um erro básico, digamos assim, cometeria novamente o erro”, “Depende, se a provocação for grande, eu faço de novo (brigas).”, “É quase impossível ficar na escola sem cometer alguma infração.”. Outra questão que fora analizada foi se eles tinham apoio de psicólogo, quando cometiam alguma infração e o resultado foi de que 73% dos alunos da escola “Guimarães Rosa” não possuem esse apoio, enquanto 60% dos alunos da escola “Machado de Assis” recebem esse tipo de apoio.

A pesquisa se abrangeu até os professores os quais 70% afirmaram notar algum tipo de diferença nas formas de tratamento do desvio de conduta dos alunos em relação aos dois tipos de instituição (pública e privada), 90% disseram achar algo normal o fato dos alunos de escola pública ficarem reprovados, enquanto 70% afirmam achar anormal isso acontecer na escola particular e em outra questão que lhes fora colocada, no que diz respeito, se eles notam conceituações diferentes para condutas de adolescente quando ele é negro, pobre e estuda em escola pública, para o branco, classe média e estuda em escola particular, 70% responderam que notam essa diferenciação.

Conversando com alguns deles fora possível observar que a discriminação, rejeição ao diferente, cor da pele, classe social, acontece em maior escala na instituição de ensino particular, mesmo porque na pública eles estão praticamente todos no mesmo patamar. E por fim, podemos ressaltar que o etiquetamento dado aos alunos muitas vezes não correspondem à realidade, mas que ele pode influenciar muito a vida de uma pessoa, tal qual essa se esforce para fazer jus ao que os outros dizem que ela é. Afirmamos isso com base na teoria interacionista[9], que fala exatamente dessa interação da pessoa com a sociedade.

2.2 A determinação de conceitos pela classe dominante: O maniqueísmo como forma de marginalização do aluno.

 

Vivemos em uma verdadeira dicotomia entre o Estado democrático de direito X Estado mínimo, sendo que, em tese, este gera desigualdade enquanto aquele, igualdade. Podemos perceber que esses Estados são sinônimos, pois, há uma questionabilidade no sentido que a lei é igual para todos. A igualdade perante a lei nasceu da Declaração Francesa. Essa declaração foi construída pela ideologia neoliberal, que é a cultura maniqueísta da seletividade, ou seja, nem todos são iguais perante a lei[10].

 Por isso, falar de classe dominante é falar na desigualdade social, pois esta é sustentada por um sistema que oprime e exclui. Existe a figura do opressor x oprimido, explorador x explorado. Isso é a lógica do sistema do capitalista que está diretamente atrelada a esse caráter seletista de rotularem os menos favorecidos economicamente como criminosos ou propensos ao delito. Por isso, essa ideologia da separação dos “melhores” da sociedade em detrimento dos “piores” na sua grande maioria desprovidas de recursos financeiros e humanos, é que o alimenta a lógica maniqueísta dos sistemas de controles informais.

Nessa ótica, a escola que tem o papel primordial da educação e da formação humana carrega consigo esse tratamento seleto aos alunos. Quando os alunos passam por uma certa “triagem”, uns recebem melhor tratamento que outros, desvirtuando o papel da formação humano-intelectual, para o seleto-excludente.

Por isso, a lógica maniqueísta presente nas instituições de ensino impõe uma visão preconceituosa, sobretudo àqueles que são oriundos de bairros mais carentes da sociedade, sem falar na questão da cor da pele que é outro fator determinante no etiquetamento dos indivíduos. Com isso é perceptível que, as escolas apresentam essa distinção do certo e do errado, porém com opção tendenciosa a atribuir o caráter de delinqüente aos provenientes dos meios mais subalternos da sociedade.

  1. 3.   Considerações Finais

 

A escola, por fazer parte do sistema de controle social informal, vem a produzir meios os quais irão, como já diz, controlar a sociedade, sendo assim ela irá procurar métodos para que isso aconteça. Tendo a função primordial de formar cidadãos esta irá intervir na moral e na ética daqueles. Isso ocorre quando a instituição estipula modelos de  comportamentos, sendo que esses são estabelecidos antes por uma classe social dominante, influenciada nesse momento pelo modelo de governo neoliberalista, e nesse modo de governo é preciso que se manipule o aprendizado das pessoas para que elas não causem algum tipo de mudança do status quo, a escola entra nisso fragmentando as disciplinas, de modo que os alunos não tenham um raciocínio lógico e muito menos temporal dos assuntos e limitando o conhecimento, para que as pessoas não tenham um conhecimento crítico, isso para, como já fora dito, não causar nenhum tipo de mudança.

A teoria da reação social critica a seletividade quanto ao cometimento da conduta desviante quando envolve as classes sociais menos favorecidas. Isso reflete nas escolas quando públicas e privada, os alunos dessas, ao cometerem condutas reprováveis, as sanções são aplicadas de forma discriminatória, quando são ásperas para uns e mais brandas para outros, mesmo que as condutas praticadas sejam as mesmas. A pesquisa que fizemos fora de suma importância pra que pudéssemos visualizar de uma maneira crítica essa situação, já que não costumamos nos preocupar com o problema quando ele não nos atinge diretamente. Podemos visualizar e concluir que apesar de serem muitas vezes discriminados, rotulados como maus alunos ou desviantes, os alunos da escola pública, referimo-nos claro a que fizemos a entrevista, a maioria deles não são compatíveis com essas características.

Ao finalizarmos este artigo, percebemos que toda a lógica da seletividade e da marginalização dos alunos das escolas públicas se da pelo fato deles pertencerem a uma classe excluída da sociedade, excluída pelo fato de não obterem grandes influências políticas ou não intervirem nas formas de controle social, isso tudo porque são estigmatizadas por uma teoria que é bastante utilizada no sistema penal, porém não comprova a sua tese como verdadeira já que não possui um cunho científico.



[1] Alunas de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB

[2] ZAFFARONI,Eugênio Raul; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.5.ed.rev.e atual.São Paulo: Revista dos tribunais. 2004.p.60

[3] DURKHEIM, Émile.As regras do método sociológico.2.ed.São Paulo: Martins Fontes,2007.p.6. cap.1.(coleção tópico)

[4] CALHAU, Lelio Braga. Cesare e Lombroso: criminologia e escola positiva de direito penal. Revista Jus Vigilantibus.jul.2003. Disponível em:< http://jusvi.com/artigos/421> . Acesso em: 22 ago.2009.

[5] GALLO, Silvio. Educação e Controle. Simpro Cultura, Campinas,São Paulo, V.12.N.23.1995. Disponível em: <http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/educa/07educontrole.htm>. Acesso em: 20 ago.2009

[6] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X Cidadania mínima:Códigos da violência na era da globalização.2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2003. P.34

[7] BARATTA,Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: Introdução a sociologia do direito penal. 3.ed.Rio de Janeiro: Revan,2002.p.88.

[8] GIDDENS, Anthony. Sociologia.Tradução:Sandra Regina Netz.4.ed.Porto Alegre: Artmed,2005. p.178.

[9] TURNER, Jonathan H. Sociologia: Conceitos e aplicações. Tradução: Márcia Marques Gomes Navas. São Paulo: Makron Books,1999,p.76-88, cap.6

[10] ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Op.cit.p.71

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