A majoração do IOF pelo Decreto Presidencial nº 8.731/2016

Por Lucas Brito Ferreira Sousa | 21/06/2018 | Direito

ARTIGO: A majoração do IOF pelo Decreto Presidencial nº 8.731/2016

Lucas Brito Ferreira Sousa

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Diante da Crise política e economia instaurada no Brasil, o Governo Federal tem buscado estratégias para fomentar o mercado interno de capital, bem como trazer boas expectativas aos brasileiros para o ano seguinte. Neste ínterim, no início do ano de 2016, ainda sob a presidência de Dilma Rousseff, o Governo Federal, através do Decreto Presidencial nº 8731/2016, elevou a taxa do Imposto Sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Título ou Valores Mobiliários (IOF), conhecido popularmente como Imposto sobre Operações Financeiras.

Insta destacar que a majoração da alíquota do IOF nas operações de compra de moeda estrangeira evoluiu de 0,38% para 1,1%, sob o fundamento de que a medida não servirá para “tapar buracos”, mas, sim, para estimular o mercado interno de capital.

Diante do breve exposto, surge uma verdadeira dicotomia acerca da legalidade ou não da majoração, posto que o Ministério da Fazenda divulgou a esperança de arrecadação de 2,377 bilhões de reais, ainda no ano de 2016. Porém, o IOF não se destina a simplesmente arrecadar um tributo para o aumento da Receita Pública.

Tal fator estimulou uma grande crítica acerca da medida.

2 QUESTÃO PRINCIPAL

2.1 Dentre as funções dos tributos, em qual delas se encaixa o IOF?

                        A primordial função dos Tributos é a de angariar recursos financeiros para que o Estado movimente as atividades essenciais para atender os interesses sociais primários (HARADA, 2016). Contudo, além disso, os tributos são utilizados para interferir na economia privada “estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia” (MACHADO, 2010, p. 73).

            Deste modo, a partir da classificação doutrinária é possível identificar três diversas funções aos tributos, cada um com o seu peculiar objetivo. São eles: o Fiscal, quando o foco do tributo for a mera arrecadação de recursos financeiros para o Estado; o Extrafiscal, quando a sua incidência encontra motivo de ser na interferência no domínio econômico; e, alguns doutrinadores reconhecem, o Parafiscal, que possui o escopo de fazer valer “atividades que não integram funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de entidades específicas”. (MACHADO, 2010, p. 73).

            Nesta senda, insta destacar que o IOF possui a função Extrafiscal, pois, segundo Harada (2016), o referido tributo possui como principal função a interferência e manipulação da política de crédito, câmbio, seguro e valores imobiliários.

            Contudo, observa-se que a sua primordial função tem se esvaído, posto que “o produto de sua arrecadação não pode mais ser destinado à formação de reservas monetárias ou de capital para financiamento de programas de desenvolvimento econômico” (HARADA, 2016, p. 462).

           

3 ANÁLISE DO CASO

3.1 Possíveis decisões acerca da competência da Presidente da República para a majoração de impostos através de Decreto Presidencial

 

3.1.1 Argumentos fundamentados sob a perspectiva de que é cabível a majoração

 

            Dispõe o artigo 153, §1º, da Constituição Federal que “é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V” (BRASIL, 1998). Assim, diante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é possível averiguar que

 

Imposto de importação: alteração das alíquotas, por ato do Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei: CF, art. 153, §1º. A lei de condições e limites é lei ordinária, dado que a lei complementar somente será exigido se a Constituição, expressamente, assim determinar. No ponto, a Constituição excepcionou a regra inscrita no art. 146, II. A motivação do decreto que alterou as alíquotas encontra-se no procedimento administrativo de sua formação, mesmo porque os motivos do decreto não vêm nele próprio [...] o que a Constituição exige, no art. 150, III, a, é que a lei que institua ou que majore o tributo seja anterior ao fato gerador. No caso, o decreto que alterou as alíquotas é anterior ao fato gerador do imposto (RE 225.602, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 25-11-1998, Plenário, DJ de 6-4-2001).

 

Ademais, o Código Tributário Nacional dispõe em seu artigo 65, que “o Poder Executivo pode, nas condições e nos limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas ou as bases de cálculo do imposto, a fim de ajustá-lo aos objetivos da política monetária”.

Assim, a partir da análise do Resumo da Política Econômica do Governo para o ano de 2016, é possível constatar como objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial

[...] a manutenção das condições prudenciais e regulamentares para que a expansão do mercado de crédito ocorra em ambiente que preserve a estabilidade do sistema financeiro nacional; e a preservação do regime de taxa de câmbio flutuante. O alcance desses objetivos deve observar a evolução da economia brasileira, em linha com as medidas conjunturais implementadas (BRASIL, 2016, p. 20).

 

Por fim, vale rememorar que a função do Tributo Extrafiscal é diferenciada da função Fiscal justamente por atuar com o escopo de interferir sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja estimulando, seja inibindo certos procedimentos, tudo isso para ordenar a economia e as relações sociais(ATALIBA apud CORATTO, 2012).

Assim, diante do exposto, a Presidente da República é competente para majorar o Imposto através de Decreto.

 

3.1.2 Argumentos fundamentados sob a perspectiva de que é incabível a majoração

 

Utilizando as palavras do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, à época da publicação do Decreto Presidencial nº 8.731/2016, “a expectativa do governo de alta anual da arrecadação é de R$ 2,37 bilhões” (MARTELLO, 2016). Assim, diante da fala do Ministro é possível averiguar desde logo um desvio de finalidade do tributo, posto que a sua instituição deve ser essencialmente extrafiscal e não arrecadatória.

Ademais o excessivo e repentino aumento da alíquota pode ser configurado como uma violação ao Princípio do não-confisco. Embora o artigo 150, IV, da Constituição Federal assevere que é vedado “utilizar tributo com efeito de confisco”, tal expressão é vaga e imprecisa (HARADA, 2016). Contudo, conforme descreve Harada (2016, p. 416), “para saber se um tributo é confiscatório ou não, deve-se analisar o mesmo sob o princípio da capacidade contributiva que, por sua vez, precisa ser examinado em consonância com o princípio da moderação ou da razoabilidade da tributação”.

     Nesta senda, segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que aduz que

 

"O Estado não pode legislar abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público – Tratando-se, ou não, de matéria tributária – Devem ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do substantive dueprocessoflaw (CF, art. 5º, LIV). O postulado da proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade." (RE 200.844-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 25-6-2002, Segunda Turma, DJ de 16-8-2002.) No mesmo sentidoRE 480.110-AgR eRE 572.664-AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 8-9-2009, Primeira Turma, DJE de 25-9-2009).

 

3.2 A fundamentação disposta no texto do Decreto Presidencial é compatível com o discurso da crítica ou o do governo federal?

           

            Diante do exposto, é possível analisar o Decreto Presidencial nº 8.731/2016 com enfoque mais crítico e apurado, principalmente no que tange à fundamentação utilizada no ato normativo.

            Assim, o artigo 84 da Constituição Federal atribui a competência privativa ao Presidente da República para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis; em seu artigo 153, §1º faculta ao Poder Executivo alterar a alíquota dos impostos, inclusive o IOF, desde que atendidas as condições e os limites em lei; a Lei nº 8.894/94, que dispõe sobre o IOF impõe o limite de 1,5% ao dia para a majoração da alíquota, além de expor em seu § 2º que “o Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal”.

            Nesta senda, é possível concluir que o Decreto Presidencial é compatível com o discurso do Governo Federal.

 

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988.

 

BRASIL. Resumo da Política Econômica do Governo. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/orcamento/documentos/loa/2016/elaboracao/projeto-de-lei/proposta-do-poder-executivo/mensagem-presidencial/resumo-da-politica-economica-do-governo>. Acesso em: 03 out. 2016.

 

CORATTO, Bruno Pinto. O fenômeno extrafiscal no sistema tributário brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11244&revista_caderno=26>. Acesso em: 02 out 2016.

 

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário.25. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Atlas, 2016.

 

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 31. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Malheiros Editora, 2010.

 

MARTELLO, Alexandre. Governo sobe para 1,1% IOF para a compra de dólar em espécie. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/seu- dinheiro/noticia/2016/05/governo-sobe-para-11-iof-para-compra-de-dolar-em especie.html>. Acesso em: 02 out. 2016.

 

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