A LUTA INCANSÁVEL DO CONTESTADO

Por ERICK ALVES DA CRUZ | 14/09/2016 | História

RESUMO

O presente artigo tende analisar a disputa, ou as disputas, que ocorreram na região denominada Contestado, situado em Santa Catarina. Cem anos após o termino desse conflito que ocorreu no sul do Brasil, cabe agora analisar o que foi esse embate e quais são os reflexos do mesmo para o tempo presente.A guerra do Contestado é vista como sendo a maior guerra civil camponesa da América do Sul, amesma ocorreu de 1912 a 1916 e foi definidora dos territórios atuais de Santa Catarina e do Paraná. Os motivos que levaram a eclosão desse conflito se entrelaçam, os mesmos são ordem social, política, religiosa e econômica.Essa hostilidade entre militares e camponeses iniciou-se em 1912, porém as terras já eram contestadas hámuito tempo. Por esse motivo poderíamos afirmar que foram muitos os contestados, afinal a região passou por disputas entre Argentina e Brasil, Santa Catarina e Paraná e por fim, pelos sertanejos que contestavam e lutavam por um pedaço de terra, os mesmos não lutaram nem por SC nem por PR, mas sim lutaram pelo direito às terras que lhes foram tiradaspor latifundiários e empresas internacionais. Analisar a luta incansável do Contestado, ou dos contestados, é complexo e se faz necessário para compreender a atual situação da região que ainda é estigmatizada e sofre marcas do conflito que ocorreu há cem anos.

INTRODUÇÃO

A Guerra do Contestado teve início em 1912 chegando ao fim no ano de 1916. Esta data citada se refere ao início do conflito direto entre militarese camponeses, pois a região já havia sido contestada há muito tempo. Segundo Fraga (2005), os conflitos nessa região iniciaram a partir de 1680 “quando os portugueses fundaram a colônia do sacramento, na margem esquerda do rio da Prata.”

 A partir de 1881 Argentina e Brasil passaram a disputar o domínio sobre as terras do Oeste do Paraná e Santa Catarina. A Argentina se utilizava dos limites definidos no tratado de Madri do ano de 1750. Essa região que a Argentina estava a reivindicar caracterizava-se como sendo terra nullius, ou seja, “terra de ninguém”. O argumento utilizado pelo Brasil e Argentina era o uti possidetis, como afirma Meirinho (2012, p.30): 

No caso do Oeste do Paraná e Santa Catarina, o Brasil e a Argentina reivindicavam o domínio político do território argumentando sob o princípio da uti possidetis. A Argentina sustentava ainda que, segundo o tratado de Madri de 1750, que ampliou as fronteiras do domínio português na América, toda essa região pertenceria ao domínio espanhol, herdado pela república Argentina. 

Em 1895 fica definido as fronteiras do Brasil devido a defesa de Barão do Rio Branco, o mesmo argumentava que os moradores do Oeste do Paraná e Santa Catarina eram falantes da língua portuguesa, o uti possidetis ficou assim em favor do Brasil. A questão entre Brasil e Argentina foi resolvida, porém, a região ainda continuou sendo contestada e dessa vez era entre Santa Catarina e Paraná que disputavam o domínio político sobre a região.

O Paraná argumentava que as terras situadas ao sul do rio Iguaçu era pertencente a eles. Desde antes de a Argentina disputar essa região com o Brasil, Santa Catarina já não aceitava o domínio paranaense no território ao sul do rio Iguaçu.  Santa Catarina a fim de resolver a questão de limites recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em 1904 o caso foi julgado e o STF definiu que as terras do Oeste ao sul do Rio Iguaçu era pertencente ao território catarinense.

Essas lutas por limites territoriais exercidas entre Brasil e Argentina, Santa Catarina e Paraná, não passaram de questões jurídicas, pois na prática essa região que era tão contestada ficava a margem do desenvolvimento que ocorria nos centros urbanos, a mesma permanecia abandonada a própria sorte.Neste sentido Pereira (apud MEIRINHO, 2012, p. 32-33) afirma que: 

A região do Contestado era constituída por um território sem a presença de um poder político definido e estável, como é corretamente concebido em outras partes do mundo. Figure cada um o que poderá suceder num território do tamanho do Estado de Alagoas ou da Bélgica, no qual, durante séculos, o poder político não esteja claramente definido, onde as autoridades estejam em permanente conflito de jurisdição, onde a presença do Estado se caracterize por uma efêmera e intermitente instalação de postos fiscais destinados a cobrar tributos e, praticamente, nada mais. Diz-se efêmera e intermitente instalação de postos fiscais, por que ora uma província, ora outra, determinava incursão de seus agentes na região para exteriorizar o uti possidetis, sem que isso durasse muitos anos. (...) Esta indefinição fronteiriça, por período tão dilatado, seja no território disputado à Argentina, seja no que as províncias do Paraná e Santa Catarina disputavam entre si e que compreendia não somente aquele, mas outros 28.000 km² deixavam como terra de ninguém essa enorme porção do solo brasileiro... Raras autoridades fiscais, policiais, judiciárias, e nem uma militar. Raríssimas escolas de ensino primário, assim mesmo mantidas pelos moradores da região. Raros os padres, nem um convento, nem um hospital, nem um médico. Algumas dezenas de milhares de habitantes analfabetos ou semianalfabetos viviam ali entregues à própria sorte. Fruto desse abandono, aí se refugiavam os índios perseguidos em outras regiões (...). Escondiam-se aí, por sua vez, os perseguidos pela polícia ou pela justiça ou ainda pelos oligarcas locais. Constituíam novas famílias e educavam-nas na base da exclusiva e única segurança pessoal, desapossados que estavam de qualquer proteção de poderes públicos e sujeitos a toda sorte de violências de abusos, arbitrariedade e riscos. 

Esse total desinteresse das autoridades com a região contestadapode ser colocada como um dos motivos para gerar tantos conflitos na região. Com essa afirmação sobre o abandono dessas “terras de ninguém”, também poderíamos colocar em dúvida a afirmação do Brasil, que dizia ser dono dessa região pelo fato de que, os que habitavam ali eram falantes do português, pois como se garante na citação acima,as raras escolas que predominava nessa regiãoeram mantidas pelos moradores, possivelmente haviacerta quantidade de pessoas que também falavam o espanhol. No meio dessas disputas estavam os caboclos do Contestado, os mesmos, poderiam afirmar que o domínio político era deles, afinal foram eles que tiveram que elaborar estratégias para possuírem o mínimo de condição para as suas existências. É nesse momento que surge o messianismo.Maria Isaura (1965, p. 7 citado por CARVALHO, 2009, p.20) afirma que o movimento messiânico “se destina a concertar o que de errado existe”.

Na região do contestado surge a figura de três homens, que na mentalidade camponesa seriam a mesma pessoa. João Maria de Agostini, João Maria de Jesus e José Maria, eram homens distintos, porém com uma semelhança: pregavam a humildade e a caridade. Com essas características presente no “Monge”, “Peregrino” e “Profeta”, os caboclos encontraram neles um refúgio para os seus sofrimentos e abandono. Esse movimento messiânico mobilizou os caboclos na luta pela defesa de suas terras, originando o que Meirinho (2012) diz ser “o terceiro Contestado”.

A batalha do caboclo nesse terceiro Contestado não defendia nem Santa Catarina nem Paraná, mas era sim, uma batalha pelo direito a vida e ao trabalho de uma forma digna. Esse terceiro Contestado é o que iremos destacar a partir de agora, buscando compreender as causas e consequência. Essa luta do caboclo contra a força estadual e federal inicia-se em 1912 e vai até 1916, no entanto,  com marcas que refletem ainda nos dias atuais a região contestada.

Os caboclos do Contestado foram vistos pelo poder público, como sendo fanáticos ou monarquistas, como muito bem destaca Heller (2012, p.12) 

Em geral os sertanejos do cruzamento de índios, negros e europeus são considerados boçais, ignorantes, supersticioso, indolentes e vagabundos. Não se diz que eles abriram clareiras de civilização, construíram estradas e veredas, fertilizaram a terra com seu suor; que se dedicaram à coleta e ao beneficiamento da erva mate no sul do país, onde se introduziram criações e lavouras. Não se diz o muito que contribuíram com o seu trabalho para o desenvolvimento nacional e a acumulação de fortunas pelos coronéis papa-terras. Mas, quando deixam de se humilhar e espoliar, reclamam um pedaço de terra para viver em paz e pegam em armas contra a repressão inevitável, são imediatamente acusados de fanáticos e bandidos.

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