A LOUCURA DO TRABALHO
Por Kátia Maria de Lima Arruda | 18/04/2011 | PsicologiaA Loucura do Trabalho
E a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida.
Espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo.
No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.
(|Gn. 3:17-19)
Somente por volta do século XI foi que a palavra " trabalho" passou a ser denominada como o oferecimento da força pessoal de trabalho de uma pessoa em favor de uma outra.
Segundo (ALBORNOZ, 1997) a palavra "trabalho" tem uma conotação negativa ou depreciativa, significando, nos primórdios dos tempos a dificuldade em viver, ou mesmo de sobreviver, pois tudo o que é difícil de ser alcançado, é denominado de "trabalhoso".
O trabalho passou a fazer parte da vida do ser humano, como algo que deve ser conseguido com muito esforço e para sua, sendo ela física ( alimentos, abrigo, etc. ) ou a sobrevivência emocional (saúde psicológica), que na vida diária fica muito comprometida pelo bombardeio de estímulos e angústias que ele sofre.
Nessa luta pela sobrevivência, o trabalho se destaca como fator primordial para a sobrevivência. Só que essa luta pode causar adoecimento físico e/ou mental, comprometendo sua sobrevivência e de sua família.
Mas, como instinto de preservação, o homem luta contra o próprio homem para evitar essa situação de exploração e adoecimento, conseguindo ao longo da história, uma relação de trabalho mais equilibrada, que vise uma jornada de trabalho mais justa, um salário mais condizente com a realização da atividade e acima de tudo, conseguiu que a saúde do trabalhador fosse considerada uma das prioridades da saúde pública, onde o governo através da Constituição Federal cria políticas específicas.
Antes de cada alteração na forma de produção sempre houve um levante na classe operária, a fim de obter uma melhoria em seus direitos como trabalhadores, para que o trabalho fosse prestado de forma digna e suficiente para o seu sustento e da sua família. Mas nós devemos levar em conta também o fato de que muitas vezes o empregado pretende ganhar mais do que o seu trabalho vale, ou simplesmente mais do que merece, e isto está bem demonstrado na lenda maçônica da construção do Templo de Salomão:
História do Trabalho
Quando o homem habitava na caverna, o trabalho era sua forma de sobrevivência, como a caça, e a pesca, que eram utilizadas para seu sustento. Quando chegou ao período feudal e renascentista, as relações do homem com o trabalho foram se estreitando chegando a haver um vínculo entre os homens e o relacionamento entre o patrão e o empregado vai se consolidando cada vez mais, tornando-se mais denso e causando uma certa tensão entre ambos, uma vez que o homem queria dominar o próprio homem, através da utilização de seu trabalho.
Com a revolução industrial, onde o homem troca a ferramenta rude por máquinas modernas, ele passa agora a ser chamado de operário, o trabalho passa a ser valorado, pelo tempo gasto e o esforço empregado na realização da tarefa. Agora havia uma relação clara de dominação e exploração, se faz então uma corrente que prendia um ao outro, ora pela necessidade do empregado, ora pela necessidade do empregador. Sendo que o empregado é sempre o elo mais fraco dessa corrente.
No capitalismo a situação agravou-se porque para aumentar a produção e levar mais lucros, o patrão passou a explorar o empregado, pagando um salário baixo, que não condizia com o trabalho executado e o esforço físico empregado, além da jornada extensa de até 16 horas/dia, onde as condições de trabalho eram precárias ocorrendo muitos acidentes, gerando um mal estar nas relações, fazendo com que em muitos casos o adoecimento, tendo em vista que ele não podia prover o seu sustento. Isso quando não acontecia o desemprego, que colocava a sobrevivência dele e da família em risco. Nesse contexto sempre esteve presente a luta entre os patrões e os empregados, denominados de capitalistas e proletariado, respectivamente.
O operário do século XIX não era visto como alguém que precisava de cuidados e portanto sua saúde não era levada em consideração uma vez que ele estava bastante exposto ao adoecimento por conta das más condições de trabalho. O importante no caso era manter-se vivo para poder produzir bens e serviços para o patrão, não importando o quanto isso lhe custasse.
Nesse contexto surgem os médicos com uma posição de destaque, quando Pinel, Esquirol e outros criaram o Movimento dos "Grandes Alienistas" que estavam preocupados com os "desvios" e atentados à ordem social. Surge também o Movimento das Ciências Morais e Políticas e o Movimento Higienista. Todos preocupados com a "saúde do trabalhador", cada um segundo o seu posto de vista, ou ponto de vista da produção.
Enquanto esses movimentos procuraram responder pelos desvios aos quais os operários estavam submetidos, sendo eles através do desenvolvimento desses movimentos, inclusive com as pesquisas em psiquiatria. Os operários se organizavam em "Movimento de luta e desenvolvimento de uma ideologia operária e revolucionária"(DJOURS,1992).
Os operários organizados conseguem conquistas e só vieram surgir leis sociais específicas sobre a saúde do trabalhador no final do século XIX.
No século seguinte foi denominado de trabalhador e não mais operário , surgindo então novas atividades laborais, não apenas na indústria e conseguiram benefícios trabalhistas, como: redução da jornada de trabalho, limite de idade mínima para iniciar no trabalho, salários mais condizentes com as atividades exercidas.
Após essas conquistas restou um corpo doente, que busca agora outras conquistas, como a luta pela saúde mental, melhores condições de trabalho, fazendo surgir então na contemporaneidade a Medicina do Trabalho, que visa procurar manter o bem estar físico mental e social do trabalhador, tendo como apoio a fisiologia e a ergonomia.
Psicopatologias do Trabalho
O organismo controla o sofrimento nas relações de trabalho, usando a estratégia defensiva, como forma de evitar o adoecimento, procurando evitar as descompensações, que podem causar as neuroses, psicoses e depressões, mas bem sabemos que tais distúrbios mentais para acontecerem precisam que o indivíduo tenha uma estrutura de personalidade pré disposta a tais patologias.
A descompensação gera uma queda na produção, tal queda é observada quando é exigido do trabalhador um desempenho maior do que aquele que ele pode ter, a pressão o coloca em situação de crise, como: crise de choro, desmaios. Quando isso acontece, o trabalhador é imediatamente afastado do setor, de suas funções, ou uma solução mais desastrosa é não se perceber doente, mesmo estando à beira da fadiga ou de uma crise psicossomática.
Para conseguir o afastamento por motivo de doença o trabalhador tem que apresentar uma dispensa médica acompanhada de um receituário com prescrição de analgésicos ou psicostimulantes. Isso ajuda a disfarçar o sofrimento mental. Mas, mesmo com todo esse sofrimento no trabalho, não cria doenças mentais específicas, pelo menos na legislação.
As descompensações para que ocorram é necessário que se tenha uma estrutura pré definida, como dito anteriormente, que pode explicar como isso acontece.
Segundo (DJOURS, 2002), para explicar uma descompensação devem-se levar em consideração três componentes da relação homem-organização do trabalho: a fadiga, que faz com que o aparelho mental perca sua versatilidade; o sistema frustração-agressividade reativa, que deixa sem saída uma parte importante da energia pulsional; a organização do trabalho, como correia de transmissão de uma vontade externa, que se opõe aos investimentos das pulsões e às sublimações".
Não sendo o trabalho considerado uma fonte de doença mental, outra explicação seria a "Síndrome subjetiva pós traumática" que aparece após ocorrer um acidente ou uma cicatrização de um ferimento, causando sintomas que podem levar o trabalhador a se afastar do trabalho, colocando-o em um estado de doença que é a depressão, ou enfrentando o perigo do trabalho e o medo.
A medicalização apresenta-se como única saída para as cefaléias, vertigens e problemas visuais causados pela "Síndrome subjetiva pós traumática", servindo de ponto de apoio para o processo de medicalização.
A doença psicossomática é outro tipo de sofrimento mental que afeta o trabalhador. Aparecem principalmente em indivíduos que apresentam uma estrutura mental caracterizada pelas poucas defesas mentais.
A organização do trabalho, a maneira como ela determina o conteúdo da tarefa, não somente o conteúdo significativo, mas também o conteúdo ergonômico, quer dizer, os gestos, postura , o ambiente físico. Quanto mais rígida for à estrutura do trabalho, menos ela facilitará estruturações psicossomáticas favoráveis.
Considerações
A organização do trabalho, é capaz de neutralizar as defesas do indivíduo colocando-o em situação de risco, uma vez que ele encontra-se lesado em suas potencialidades neuróticas e é obrigado a funcionar em uma estrutura comportamental. Ele não tem um como se defender dessa organização, que o adoecer, mas que ao mesmo tempo ele precisa dela para sua sobrevivência e de sua família.
O trabalhador já conseguiu muitas conquistas nessa relação de trabalho, desde o período das cavernas até os dias atuais. Mas ele continua lutando, porque a agora a relação de trabalho é globalizada, não se levando em conta que o sujeito é um ser biopsicossocial, provido de subjetividade, o que os diferencia um do outro e que essa subjetividade vai fazer com que ele possa aceitar ou não essa relação de trabalho que pode lhe causar sofrimento físico e/ou mental.
REFERÊNCIA
Dejours, Christophe. A loucura do trabalho. Editora Cortês. São Paulo: 1992.
ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho, 6ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1997,