A Literatura Brasileira no Início do Século

Por Manoel Huires Alves | 20/05/2014 | Literatura

A Literatura Brasileira no Início do Século

Manoel Huires Alves

O que se produziu no Brasil, de literatura, até o início do século XX foi uma importação, ou seja, foram os modelos literários europeus contidos na Literatura Portuguesa, que nos foi imposta juntamente com tudo aquilo que nossos colonizadores imprimiram à nossa cultura durante o período em que Portugal dominou o Brasil político-econômica e socialmente. Daí dizer que tal Literatura nunca foi legitimamente brasileira, engajada à realidade. O que se viu, desde então, foi o negro, o índio, os mestiços falarem e agirem como brancos nobres e cultos por ter adotado apenas o padrão culto da Língua, tornando, portanto, a Literatura “Brasileira” um privilégio da elite para a elite.

É só a partir de 1901, que alguns escritores importantes  começam a elaborar obras que têm como tema assuntos retirados da realidade do país, ou seja, obras que contêm personagens e vocabulário (uma linguagem) das mais diversas regiões brasileiras. Como exemplos, temos os seguintes contos: “A Colcha de Retalhos” (do livro “Urupês”, de Monteiro Lobato, que reuniu uma série de 14 contos, tendo como ênfase a vida quotidiana e mundana do caboclo, através de seus costumes, crenças e tradições, publicado em 1918), aonde se ver a manifestação temática que tanto consagrou este autor, isto é, a crítica à decadência da zona rural representado pela decadência em que a menina mergulha. “O homem que sabia javanês”, de Lima Barreto, publicado em 1911, que, embora satírico, é um relato autêntico dos subúrbios cariocas e de sua população, retratando, de um lado, a população pobre e oprimida desse subúrbio, formada principalmente de negros e mestiços, que sofriam na pele o preconceito racial, e, de outro, o mundo vazio de uma burguesia medíocre, formada por políticos poderosos e incompetentes e por militares opressores. “O duplo”, de Coelho Neto, mostra um relato, que parece ser uma experiência sobrenatural do próprio autor sobre a sua concepção de vida e morte, e a dificuldade que se tem de matar o homem velho, preso às velhas convicções, e enfrentar o desconhecido.

Enfim, é a partir 1922, que o sistema literário brasileiro deixa de ser, definitivamente, um mero eco de estéticas estrangeiras e passa a ter como referência principal a própria literatura nacional, produzindo uma literatura sintonizada com a cultura e o falar do povo brasileiro, na qual ocorre uma aproximação cada vez maior entre a linguagem “literária” e a linguagem das personagens.

As concepções de poesia, de poeta, de fazer poético apresentadas nos cinco poemas representativos do chamado Pré-modernismo brasileiro.

O pré-modernismo brasileiro, movimento literário que se configura no período que vai da última década do século XIX até as duas primeiras décadas do século XX, é marcado por um intenso dialogo entre a literatura e a realidade nacional, relacionando-se a uma confluência de estilos que se cruzam num mesmo contexto histórico, assinalando a presença de variadas tendências na literatura brasileira. Desse cruzamento surgiu o “sincretismo”, através do qual se manifestaram, na poesia, os autores mais representativos do Parnasianismo e do Simbolismo-Decadentismo, dos quais cito cinco deles: Manuel Bandeira, José Albano, Menotti Del Picchia, Pedro Kilkerry e Raul Leoni.

O primeiro livro de Manuel Bandeira (1886-1968), A Cinza das Horas, 1917, que lhe deu a inusitada gestação de um dos maiores escritores da língua portuguesa, é marcado pelo tom fúnebre, e traz poemas parnasiano-simbolistas. Num desses poemas, “Desencanto”, o eu lírico vivencia, desalentado pela melancolia, o ato de morrer à medida que (des)escreve sua agonia em seus versos que são seu sangue.

José Albano (1882-1923), do qual, Manuel Bandeira, organizou, revisou e prefaciou uma edição, quase completa de suas obras, em seu Itinerário de Pasárgada, embora algumas vezes romântico, é considerado epígono do estilo parnasiano. No poema “Soneto” vê-se um desencantado de tudo (e de todos), é quase um lema: menos ventura mais sofrimento.

Pedro Kilkerry (1855-1917) é considerado um poeta simbolista e apesar de não ter deixado nenhum livro publicado os seus achados são de valor literário inestimável. Um de seus principais poemas é “É o Silêncio...”, em que o eu lírico se dirige a uma mulher ausente (uma imagem ilusória), porém, paradoxalmente, de presença dominante e impregnadora.

Raul Leoni (1895-1926), autor de apenas um livro, publicado em 1922, Luz Mediterrânea, nos deu um belo poema (quase um poema em prosa), “O poeta falou…”, cujo eu lírico a “presença do poeta na trajetória da humanidade”. Menotti Del Picchia (1892-1988) publica o livro Juca Mulato (1917), que conta a historia da paixão irremediável do Mulato pela filha da patroa. O livro que alcançou inusitada popularidade na época, sendo reeditado inúmeras vezes, é dividido em nove breves partes: Germinal, A Serenata, Alma Alheia, Fascinação, Lamentações, Presságios, A Mandinga, A Voz das Coisas e Ressurreição.

De todos os poetas acima, Manuel Bandeira é um dos que mais viveu o conflito entre as formas tradicionais e modernas. Não se tratava de uma rejeição anticlássica, não, pois ele nunca se libertou das questões do lirismo tradicional, a não ser o formalismo, norteadoras de seu fazer poético desde a sua estreia na poesia, com A Cinza das Horas (1917).