A LIBERDADE EM KANT
Por Geovane Mariano de Siqueira | 24/04/2011 | FilosofiaResumo:
O presente artigo remonta a questão da liberdade em Kant, que deve ser vista na relação com a filosofia prática do direito. Portanto, interessa precisar o conceito de liberdade interna e externa, relacionando a primeira com o princípio da autonomia, bem como a distinção entre moral e direito. Inicialmente, para mostrar que a liberdade é um conceito racional puro que se encontra completamente desconectado da experiência. Segundo, para enfatizar que o conceito de liberdade comprova a sua existência através de leis derivadas da razão pura para efetivação de escolhas, que são oriundas de princípios práticos. Concluirei que a liberdade é ponto fundamental de todo o sistema kantiano e condição da lei moral, e que o estado na qualidade de liberdade externa garante a coexistência das liberdades individuais.
1 Introdução
De início, faz-se necessário ressaltar que a liberdade é um conceito racional puro, ou seja, isso significa que ela se encontra completamente desconectada da experiência. No uso prático da razão, o conceito de liberdade comprova a sua existência através de leis derivadas da razão pura para efetivação de escolhas, que são oriundas de princípios práticos, os quais independem de quaisquer condições empíricas, demonstrando uma vontade pura no sujeito, da qual nascem os conceitos e as leis morais.
A liberdade é um conceito que se torna o ponto nodal de todo o sistema kantiano, ao passo que a sua realidade é denotada por uma lei irrefutável da razão prática. Portanto, Kant denota a partir daí que outros conceitos, como o de Deus e da imortalidade, enquanto simples ideias continuam no âmbito da razão especulativa, somente adquirindo consistência e realidade objetiva quando ligados com o conceito de liberdade, a qual é revelada através da lei moral.
A função da liberdade externa, que é representada pelo estado, é a de garantir a coexistência das liberdades individuais. Enquanto a constituição da doutrina do direito é configurada quando o estado, através do seu poder coercitivo, isola o sujeito que esteja ameaçando a liberdade do outro.
O que aqui se busca é a questão da liberdade em Imannuel Kant, pois tal liberdade deverá ser vista na relação com a filosofia prática do direito. Portanto, interessa precisar o conceito de liberdade interna e externa, e o interesse destas para uma fundamentação de necessidade na constituição de uma doutrina do direito, capaz de coagir o arbítrio individual através de normas jurídicas representadas pelo poder estatal.
Para Kant, as leis da liberdade chamam-se morais para distinguir-se das leis da natureza. Enquanto se referem somente às ações externas e à conformidade à lei, chamam-se jurídicas; se, porém exigem ser consideradas em si mesmas, como princípios que determinam as ações, então são éticas. A ação moral é, pois cumprida, não em virtude de um fim, mas tão somente pela máxima que a determina. Ela é posta em movimento por uma inclinação interior, que é o imperativo categórico. Assim, a legislação que erige uma ação como dever, e o dever ao mesmo tempo como impulso, é moral. Aquela, pelo contrário, que não compreende esta última condição na lei e, que consequentemente, admite também um impulso diferente da idéia do próprio dever, é jurídica.
. Portanto, é dever externo manter as próprias promessas em conformidade com um contrato, por exemplo, mas o imperativo de fazê-lo unicamente porque é dever, sem levar em conta qualquer outro impulso, pertence somente à legislação interna. Temos, pois, em conformidade com a perspectiva adotada por Kant, que a distinção entre moralidade e juridicidade é puramente formal, pois diz respeito à forma de obrigar-se, e não ao objeto das ações.
2 O conceito de liberdade
A doutrina moral kantiana está fundada sobre a liberdade, a que se chega por constrição do mundo causal. A liberdade é encontrada na razão prática, ou seja, na vontade. Portanto a vontade é a própria razão prática. Isso implica afirmar que a liberdade pode ser explicitada a partir do conceito de vontade. Nesse viés, assinala Kant:
O conceito de liberdade é um conceito racional puro e que por isto mesmo é transcendente para a filosofia teórica, ou seja, é um conceito tal que nenhum exemplo que corresponda a ele pode ser dado em qualquer experiência possível, e de cujo objeto não podemos obter qualquer conhecimento teórico: o conceito de liberdade não pode ter validade como regulador desta e, em verdade, meramente negativo. Mas no uso prático da razão o conceito de liberdade prova sua realidade através de princípios práticos, que são leis de uma causalidade da razão pura para determinação da escolha, independentemente de quaisquer condições empíricas (as sensibilidade em geral) e revelam uma vontade pura em nós, na qual conceitos e leis morais têm sua fonte (MC, III. p. 64).
Para Kant, o homem encontra-se subordinado às leis da natureza, de onde advém o determinismo e, concomitantemente, as leis da liberdade que originam a moral. Esse argumento redunda no fato de o homem possuir condições de autolegislar-se, bem como de que ele é quem motiva os fenômenos existentes no mundo. Dotado de razão, capta que essa moral, é livre e determinante, e é isso que o diferencia dos animais. É justamente no âmbito da razão que podemos perceber que a liberdade prática ou a independência da vontade pode ser vista quando a razão nos propicia regramentos. E aí vem à tona o que devemos ou não fazer. Essa experiência interior remonta à ideia de liberdade independente da vontade de motivos empíricos, como causa da razão capaz de determinar a vontade de agir ou não através de impulsos, sensíveis isto é, eivados de interesses.
A independência da vontade de motivos empíricos está integralmente relacionada com a fundamentação da moralidade kantiana, em razão da moralidade implicar o conceito de autonomia, pois para Kant todo homem é autônomo. Isso resulta na existência de uma vontade livre de motivos sensíveis. E a partir de então, relaciona-se a ideia de liberdade com a de autonomia. Essa relação é percebida como liberdade referente a direcionamentos desconhecidos pelo homem e como liberdade da faculdade da vontade capaz de permitir a autolegislação.
Indubitavelmente, Kant precisou dessa liberdade, relacionada à dimensão racional do homem, para construir a sua teoria moral. O seu argumento encontra fundamento na ideia segundo a qual sempre que nos pensamos como livres, reconhecemos a consciência da possibilidade de autonomia. Por conseguinte, como ser racional, o homem é dotado de uma vontade livre, capaz de elevada função a fim de permitir a moralidade.
2.1 A liberdade interna e a autonomia
A doutrina moral kantiana encontra-se alicerçada na liberdade. Assim sendo, na introdução à Metafísica dos costumes, a liberdade é um conceito racional puro, que independe da experiência, isto é, um conceito tal que nenhum exemplo que corresponda a ele pode ser dado em qualquer experiência possível de cujo objeto não se pode obter qualquer conhecimento teórico (Cf. Kant, 2003, p. 64). Destarte, o conceito de liberdade não pode ter validade como princípio constitutivo da razão especulativa, mas exclusivamente como seu princípio regulador. Já no uso prático da razão, o conceito de liberdade comprova sua existência por meio de princípios práticos, que são leis de causalidade da razão pura para determinação de escolhas, independentemente de quaisquer condições empíricas que denotam uma vontade ? que origina conceitos e leis morais ? pura em nós. Por isso a liberdade interna encontra-se determinada na moral. Ela se oriunda da nossa liberdade interior, de onde se determina o dever, ocorrendo uma situação autônoma, em que o sujeito está munido de uma liberdade que apresenta impedimentos que se originam dele mesmo
Um imperativo categórico que objetiva mencionar o que é uma obrigação, pode ser assim contemplado: "age com base em uma máxima que também possa ter validade como uma lei moral". Nessa esteira, o sujeito deve obedecer a um parâmetro que seja aceito pelos demais, caso contrário não agirá moralmente. Vislumbra-se aqui a idéia do exemplo dado a fim de ser seguido; porém há limitações numa máxima, encontrando-se uma limitação da liberdade, isto é, a liberdade para ser liberdade tem que ter um parâmetro, não é ilimitada.
Na obrigatoriedade moral em Kant, o sujeito não é forçado a prestar contas à liberdade dos outros. Somente é necessário que admita que cada semelhante faça uso do seu livre-arbítrio. Para Kant, a pessoa que age de acordo com a legislação moral não impede o livre-arbítrio de outrem, porque o preponderante é o seu uso sem a necessidade de uma pessoa adentrar na esfera de liberdade interna de outra, uma vez que tal liberdade é de cunho estritamente íntimo, em que o agir moral é atribuído ao uso do puro dever de forma autônoma. Consequentemente, só age moralmente quem age por puro dever.
Não posso mencionar sobre a liberdade interna sem levar em consideração o princípio da autonomia, que é a qualidade que a vontade tem de ser lei para si mesma (independentemente de uma qualidade qualquer dos objetivos do dever), (FMC, 2007, p. 67). Isso se deve ao fato da vontade moral ser indubitavelmente uma vontade autônoma que não se permite determinar por inclinações ou interesses de fornecer leis a si mesmo. Por intermédio da vontade, o sujeito é dotado de razão e por isso age somente segundo leis dadas naturalmente. No tocante às inclinações assinala Kant:
[... Enquanto o prazer prático, a determinação da faculdade apetitiva, que necessariamente deve ser precedida por esse prazer como causa, se chamará apetite, e o apetite habitual, inclinação. E como a união do prazer e da faculdade apetitiva, enquanto o entendimento julgue essa união válida, segundo uma regra geral (porém, em todo caso, somente para o sujeito), se chama interesse, o prazer prático é, neste caso, um interesse da inclinação...] (DD, 1993, p. 20)
[...]