A lenda da praça

Por Walter   | 19/01/2011 | Contos

O grito cortando a noite não foi ouvido por ninguém, a imensidão da floresta e a densidade das particulas de água suspensas que formavam o nevoeiro contribuiram para que fosse abafado. Nada respirava em quilômetros, nem pequenas formas de vida comuns a regiões de mata, podiam ser ouvidas. A agonia que tomava conta de Fabio multiplicava-se a cada instante, a história que ouvia desde criança parecia fazer sentido agora, logo ele que sempre caçoava da antiga lenda agora estava vivendo a pior parte dela, e para agravar ainda mais a situação ele sabia que o desfecho dessa história nunca era bom para o protagonista, que agora era ele, entrelaçado em correntes tentando sem sucesso se libertar do cativeiro em que estava aprisionado.

O ambiente não possuia luz alguma, e ele chegou desacordado, a última coisa que se lembra foi de estar passeando pela praça a noite, voltando pra casa embriagado e resolveu contorna-la pelo lado escuro após ter visto que era noite de lua cheia, e provar para si mesmo o que sempre disse para todos, essa história de não cruzar aquele trecho com essas condições em que estava era tudo mentira, não havia monstro algum, muito menos maníaco que vagava pelos cantos esperando alguém para saciar sua demência, seja ela qual fosse.

Com a ponta do pés, ele tentava tatear alguma coisa, mas parecia que o chão não estava sob seus pés, sentia apenas uma pressão no seu corpo, como se as correntes que o envolviam fossem as responsáveis por manter seu corpo na situação em que estava. Ainda estava tonto pela embriaguez, por isso talvez não conseguisse identificar se estava na horizontal, vertical, ou até mesmo de ponta cabeça, nunca desejou tanto estar sóbrio. Além da sensação do alcool em seu corpo, sua cabeça latejava, talvez tenha sido deferido um golpe afim de tirar sua consciência em quanto era arrastado até o lugar em que se encontrava, ou talvez tivesse brigado no bar outra vez, mas nada disso importava agora, ele só queria sair dali o mais rápido possível, e entre uma tentativa inútil e outra, adormeceu.

Com o sol brilhando através da janela, ele despertou com uma dor de cabeça insuportável, com ância, vontade de urinar, e levou alguns segundos para recuperar a agonia que tomava conta na noite anterior. Ouviu barulhos atras da porta, como se alguém preparasse o café da manhã. Agora sim podia enchergar melhor o lugar em que estava, era uma espécie de quarto de madeira, com chão batido de terra, as paredes sem pintura e algumas ferramentas, peças, e coisas velhas jogadas pelos cantos, uma teia de aranha isolada estava próxima a porta, logo acima de um baú que parecia não fazer parte do cenário de horror que estava, pois estava limpo, assim como alguns pequenos vasos de flor vazios que estavam ali por perto.

Ao tentar se libertar das amarrações, as correntes balançaram emitindo um som, que imediatamente fez cessar os barulhos vindos de tras da porta que selava o quarto em que estava com os outros cômodos do lugar, seu corpo, que agora podia identificar estar na posição vertical amarrado em uma espécie de madeira parecida com uma porta, e suspenso alguns centimetros do chão, estremeceu com o silêncio, podia sentir seu coração pulsando em seu pescoço, ficou com medo que o sujeito pudesse ouvi-lo respirando e viesse a seu encontro.

Agora outros barulhos vinham de tras da porta, um rangido de madeira como se uma gaveta fosse aberta, e uns barulhos de metal batendo que lembravam aqueles sinos que coroinhas usam nas igrejas, mas que agora não representavam nada, nem mesmo poderia ajoelhar para se redimir de seus pecados, a situação piorava quando passos somaram aos barulhos, e ele percebeu que estavam destrancando a porta, foram segundos que valeriam por anos, perderá naquele momento a noção de tempo, clima, espaço, sua cabeça parece que estava como nos filmes em que as pessoas ficam paradas e tudo ao seu redor passa com tamanha velocidade que você nem percebe. Ao ouvir o estalado da porta abrindo, amoleceu por completo, não conseguia mais fazer forças para soltar as correntes, sentiu alguma coisa estranha e vomitou do jeito que pôde, sujando um pouco sua perna pela posição em que estava, sua barriga doia, e não tinha coragem para levantar a cabeça e encarar seu anfitrião.

-Mas que situação ridícula hein Fabio?

No mesmo instante, ele levantou a cabeça e reconheceu o rosto de seu amigo de longa data, Claudio, e tudo oque tinha pensado de besteiras até agora transformou-se em raiva e gritos contra a brincadeira de mal gosto do amigo.

-Você tem que ver a sua cara agora, hahaha? bêbado, vomitando, amarrado sem poder se mexer e morrendo de medo, hahaha.

-Para com essa porcaria cara, me solta daqui agora!

-Soltar pra que? você sempre disse que era bobeira, que isso não existia, que apostava sua vida como era tudo mentira oque disseram sobre pessoas que desapareciam em noites de lua cheia atras da praça, e agora você está ai, nessa situação ridícula, ou que você dizia ser ridícula, sem poder fazer nada. Sua opinião continua a mesma?

-A minha opinião é que eu vou quebrar a sua cara quando sair daqui!

-E quem disse que você vai sair? Quem disse que eu estou de brincadeira? Você não disse que apostaria sua vida como tudo isso não existia? Acho que você perdeu a aposta?

O rosto de Fabio perdeu a cor novamente, as palavras não conseguiam sair de sua boca e o estado de pânico que tinha sumido reapareceu, olhando por cima do ombro de Claudio conseguiu ver alguns ossos em cima da mesa, terra, flores, os mesmos vazos que viu no quarto em que se achava, e oque parecia ser resto de carne misturada com a terra, e entendeu que não adiantava mais relutar, não havia brincadeira, nem lenda, só uma certeza.