A Lenda Contada De Uma Vida Escondida

Por Luis Garcia | 20/05/2008 | Contos

Esta é a história de um homem que se perdera em África, a história de António Africano e dos filhos de um coração que ele julgara ter desencontrado na selva».

Pela preponderância da acção em detrimento da descrição das personagens, nota-se, num primeiro olhar, que A Lenda Contadade uma Vida Escondida é uma narrativa com traços inequívocos da novela popular. Encontram-se, neste texto, temas e formas populares.

A percepção de que a arte popular abrange os grandes temas da vida social – religião, costumes, aspectos do imaginário, da vida psíquica e festiva – tem permitido a sua afirmação como forma representativa do pensamento e da filosofia de vida das pessoas comuns.

Esta novela podia muito bem ser um conto a começar com o característico "era uma vez" - ainda para mais com figuras que lembram sempre um tempo remoto (de carpinteiros, padres e meretrizes), aldeão e provinciano. Também pelo artesanato dos nomes, como se se tratasse das primeiras sílabas aprendidas por uma criança: o «Patudo», por exemplo.

E quanto aos artifícios literários? É evidente que estamos no reino do folclórico. Literatura popular é, pois, a que corre entre o povo - a arte do «comum povo» de Fernão Lopes – e poucas são as leis por que se regula esta narrativa, como poucos são os estudiosos que enunciam os recursos estilísticos que esteticamente a valorizam. Multiplicidade de estrofes, vozes descompassadas, encadeamento de ideias que sobram e faltam - nada que a narrativa dita culta não exiba igualmente como característico da sua irmã popular.

Nas novelas populares existe muitas vezes uma sentença que conduz à morte, quase sempre à morte física. Tal é «a desgraçada sorte do carpinteiro» que, nesta história «acerca de mãos que trabalham a madeira, mãos que trabalham o coração, mãos que magoam, mãos que separam e mãos que não se souberam reencontrar», acaba por transformar-se em livro, em memórias de um jovem escritor que alguma vez perdeu a sua infância.