A LEI MARIA DA PENHA À LUZ DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVINIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
Por Ludmila Moura de Abreu | 20/04/2010 | DireitoA LEI MARIA DA PENHA À LUZ DA CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVINIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
Ludmila Moura de Abreu [1]
Aloísio Krohling[2]
RESUMO
O presente artigo objetiva analisar o Direito Internacional dos Direitos Humanos sob a ótica da Lei Maria da Penha. Inicialmente, buscou-se demonstrar a definição de direitos humanos com ênfase no Direito Internacional dos Direitos Humanos privilegiando a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No segundo momento foram perquiridos sobre os Tratados e Convenções Internacionais de direitos humanos referentes à mulher. Por fim, foi destacada a criação da Lei Maria da Penha, com enfoque à condenação e às pressões que o país sofreu por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos, demonstrando como o caso foi encaminhado para OEA (Organização dos Estados Americanos) e quais foram às recomendações feitas pela Comissão Internacional de Direitos Humanos da OEA ao Estado brasileiro.
Palavras - chave: Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direitos Humanosdas Mulheres, Violência doméstica, Lei Maria da Penha.
INTRODUÇÃO
O contemporâneo artigo tem como objetivo avaliar o Direito Internacional dos Direitos Humanos das Mulheres sobre a perspectiva da Lei Maria da Penha, tendo em vista que a criação da presente lei só foi sacramentada no Ordenamento Jurídico pátrio devido à condenação e às pressões que o país sofreu por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Nesse sentido a Lei 11.340/06, apelidada de Lei Maria da Penha, será referência na contextualização dos movimentos feministas representados pela luta constante das mulheres, que dirigiram-se a concretizar seus direitos de igualdade sobre o sexo masculino, tendo em vista que as mulheres têm sido as grandes vítimas de violências doméstica e familiar. Em específico será aprofundado o caso da farmacêutica brasileira Maria Fernandes que ganhou grande repercussão no âmbito internacional, pois o Brasil se mostrou falho na atuação das medidas necessárias e rápidas para a solução do fato.
Assim, o trabalho em questão busca perquiri sobre a temática direitos humanos das mulheres, haja vista ter sido pauta constante das reuniões dos encontros internacionais de direitos humanos.Destacando as principais legislações internacionais, dentre os Tratados e Convenções ratificados pelo Brasil que resguardam os direitos humanos das mulheres.
Em especial, o estudo demonstrará como o caso da farmacêutica Maria da Penha ganhou visibilidade dentro do Brasil, evidenciando como o caso foi encaminhado para OEA (Organização dos Estados Americanos) e quais foram às recomendações feitas pela Comissão Internacional de Direitos Humanos da OEA ao Estado brasileiro.
Dessa forma, serão contextualizados os Tratados e Convenções Internacionais dos Direitos Humanos das Mulheres ratificados pelo Brasil, objetivando direcionar como foi provável se chegar à criação da Lei Maria da Penha no Ordenamento Jurídico pátrio.
DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Preliminarmente, resta esclarecer o que significa direitos humanos. Na visão da feminista Maria Amélia de Almeida Teles "é a afirmação da dignidade da pessoa humana diante do Estado. Deve ser um instrumento para que os cidadãos possam viver em sociedade, em condições de realizar direitos e respeitar os dos demais segmentos sociais". (2007, p. 28)
Como esclarece Flávia Piovesan (2007, p. 137):
A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos e valor intrínseco à condição humana é concepção que, posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passaram a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos.
A segunda metade do século XX foi marcada pela luta constante das mulheres que buscavam independência financeira, direitos políticos e sexuais. As mulheres lutavam para adquirir direitos iguais, dentro de uma sociedade tão masculinizada, pois estavam cansadas de sofrer violações de seus direitos.
Além disso, foi nesse momento que ocorreu o fortalecimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos,[3] em conseqüência da 2ª Guerra Mundial; portanto, sendo uma manifestação do pós-guerra.
A saber, em decorrência das grandes atrocidades e violências cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, surge a Declaração dos Direitos Humanos, no ano de 1948, determinando a proteção de toda pessoa humana, bem como concedendo responsabilidades aos Estados membros da ONU. Dentro dessa perspectiva que surge o caráter de universalidade dos direitos humanos,inseridos nesse espaço os direitos de liberdade e de igualdade, ou seja, os direitos civis e políticos, e também os direitos sociais, culturais e econômicos. O Estado, portanto, passa a atuar de forma a proteger o indivíduo, visando o respeito aos direitos do ser humano, garantidos pela Carta Maior de cada nação.
Preleciona a propósito Flávia Piovesan que (2007, p. 118):
A Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar a reconstrução desses direitos. Sob esse prisma, a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como questão doméstica do Estado, e sim como problema de relevância internacional, como legitima preocupação da comunidade internacional.
A partir desse contexto, a doutrinadora Flávia Piovesan defende a necessidade de um mecanismo internacional para proteger os direitos humanos, em decorrência do abuso de poder por parte do Estado. Nessa linha, surge o processo de internacionalização dos direitos humanos[4], que criou mecanismos de proteção internacional desses direitos, objetivando a reconstrução de um novo paradigma, em resposta as violências cometidas durante a 2ª Guerra Mundial.
Por tal razão, o mundo estimulou a busca de mecanismos mais abrangentes que do próprio Estado, culminando nos Tratados e Convenções Internacionais, completando com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos que visa garantir à proteção dos direitos e o controle da atuação do Estado sobre o cidadão e as entidades constituídas.
Nesse sentido, o sistema de proteção internacional de direitos humanos ganhou importância, tendo em vista a necessidade de controlar as manifestações de forças do poder estatal, pois o próprio Estado pode ser o violador dos direitos humanos inerentes à pessoa.
A fonte primária da temática se desenvolveu a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948. Esse documento estabeleceu os princípios de proteção ao ser humano, com fundamento no respeito à dignidade humana, a partir do momento que reconheceu os valores universais do ser humano.
Aduz a mestre Flávia Piovesan, acerca da Declaração Universal dos Direitos Humanos (2007, p.137):
Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos.
À luz desse raciocínio, a criação da sistemática internacional de proteção dos direitos humanos surge em decorrência da universalização desses direitos, tendo em vista que para concretizá-los era preciso um mecanismo de monitoramento e de controle das ações estatais.
Com efeito, o sistema internacional de direitos humanos passa a atuar de forma a proteger os direitos de qualquer ser humano, quando o Estado torna-se negligente e omisso no amparo deles. Por tais razões, os Tratados e Convenções Internacionais[5] são necessários, como forma de frear o poder estatal e proteger os direitos dos cidadãos.
Conforme leciona Maria Amélia de Almeida Teles (2007, p. 32 - 33):
Há, portanto, necessidade de controlar as ações estatais, e esse controle não pode se restringir apenas às instituições internas do Estado. São necessários instrumentos de controle, estabelecidos por declarações, tratados e convenções capazes de surtir efeitos jurídicos e potencializar ações internacionais de defesa dos direitos humanos em qualquer canto do mundo.
Portanto, é necessário controlar as manifestações das forças do poder estatal, pois o próprio Estado pode violar os direitos humanos inerentes à pessoa, por isso a importância do sistema de proteção internacional de direitos humanos, haja vista que esse mecanismo busca proteger os direitos de cada cidadão, assim freando o abusode poder por parte do estado.
DOCUMENTOS INTERNACIONAIS E OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
A temática direitos humanos das mulheres ganhou visibilidade na esfera internacional, sendo pauta constante das reuniões dentro do sistema internacional de proteção dos direitos humanos.
Os documentos internacionais foram um marco na afirmação dos direitos humanos das mulheres. A Convenção Americana de Direitos Humanos,[6] também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificado em 1969, na cidade de San José, Costa Rica, entrando em vigor apenas em 1978, estabeleceu o reconhecimento de todos os direitos inerentes à pessoa humana. De forma tal que culminou com a realização da Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena, no ano de 1993, afirmando que todos os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes, conforme dispõe o parágrafo primeiro da Declaração de Viena.
Nesse episódio as mulheres lançaram uma campanha, tendo como tema "os direitos das mulheres também são direitos humanos". É nesse momento que a violência doméstica e familiar foi reconhecida como forma de violação aos direitos humanos das mulheres.
Em face desse contexto, as mulheres se unem objetivando conquistar seus direitos dentro de uma sociedade tão machista, pois devido ao tratamento diferenciado de gênero os atos de violência contra a mulher [7] tornaram e tornam-se constantes.
Nesse contexto, surgem os grandes movimentos sociais espalhados por todos os países, levantando a bandeira de igualdade de direitos entre os povos, entre mulheres e homens em prol da justiça e da dignidade, buscando consagrar o exercício pleno de todos os direitos e garantias fundamentais pertencente a todas as pessoas independentemente de raça, sexo, condição social.
Nessa linha, merecem destaque os movimentos feministas representados pela luta constante das mulheres, que dirigiram-se a concretizar seus direitos de igualdade sobre o sexo masculino, tendo em vista que a mulher, dentro da sociedade, sempre foi vista ocupando um espaço inferior em relação ao homem.
As legislações internacionais tornam-se importante os Tratados e Convenções de Direitos Humanos da Mulher, pois buscam resguardam os direitos humanos das mulheres.Todos esses documentos internacionais foram fruto de um marco histórico para as mulheres, o qual adquiriu maior manifesto com a Conferência Mundial de Direitos Humanos, sediada em Viena, no ano de 1993, onde as mulheres levantaram uma campanha, apresentando como tema "os direitos das mulheres também são direitos humanos". Nesse passo, a violência doméstica e familiar foi inserida como forma de violação aos direitos humanos das mulheres.
De modo geral, as mulheres têm sido as grandes vítimas dessas violências, desenvolvidas ao longo da história da humanidade, em que a mulher era vista como inferior ao homem e mero objeto. Trata-se de resquícios do patriarcalismo, configurando uma problemática de cunho histórico e social.
Esse processo foi um marco principal para o Brasil ratificar as Convenções Internacionais no que se refere ao reconhecimento dos direitos humanos das mulheres, a saber: a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, ou Convenção de Belém do Pará.
Dentro dessa perspectiva que a violência doméstica e familiar foi introduzida como uma forma de violação contra o sexo feminino, cabendo aos Estados signatários dos referidos tratados proteger os direitos das mulheres consagrados nos documentos internacionais.
A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW – Convention on the Elimination of all Discrimination against Women), adotada pelas Nações Unidas, em 1979, foi ratificada pelo Brasil em 1984. Esse documento internacional, em seu artigo 1°, definiu a discriminação contra a mulher sendo "toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou conseqüência prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo".
Importa observar que a Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher não enfrenta a temática da violência contra mulher de forma explicita, embora essa violência constitua grave discriminação. (PIOVESAN, 2007, p. 197)
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ou Convenção de Belém do Pará, adotada pelos países da OEA (Organização dos Estados Americanos), em 1994, e ratificado pelo Brasil no ano de 1995, teve como propósito discutir a problemática da violência contra a mulher. Convenção esta que preocupou conceituar, em seu artigo 1°, a violência contra a mulher sendo: "qualquer ação ou conduta baseada, no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico contra à mulher, tanto no âmbito público como no privado". Aproveitando esse conceito, Maria Amélia de Almeida Teles, conclui que (2007, p. 69 - 72):
Violência significa o uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar e impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver grave e freqüente ameaça, ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. Portanto, a violência contra a mulher deve ser entendida como uma relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Quando falamos em violência contra a mulher, referimos-nos à agressão psicológica, física, sexual ou patrimonial direcionada exclusivamente é mulher, nos espaços públicos ou privados. Por outro lado, quando falamos de violência doméstica, referimo-nos a agressões sofridas em casa ou nas relações intrafamiliares. Já o termo violência familiar ou intrafamiliar tem sido usado nos programas nacionais adotados pelos governos latinos e caribenhos.
Dessa forma, o tratamento diferenciado entre mulheres e homens e o discurso masculinizado predominante na nossa sociedade, são considerados fatores que dão margem para os atos de violência contra a mulher.Assim, a violência doméstica e familiar não escolhe classes sociais, afeta todos em qualquer classe, muitas vezes se repete de forma silenciosa e até mesmo oculta.
A CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA
Diante das constantes violações da dignidade humana das mulheres brasileiras dignidade esta assegurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e pelos Tratados e Convenções dos quais o país faz parte, o Brasil foi condenado no âmbito internacional pela negligência e omissão no caso da farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes.
Maria da Penha foi vítima de violência doméstica, sendo mais uma das inúmeras vítimas que tem seus direitos violados todos os dias, dentro do país. Por várias vezes formalizou inúmeras denúncias contra as constantes agressões que sofreu por parte do seu ex esposo, o professor universitário Marco Antônio Heredia Vivero. Mas, a justiça brasileira demorou solucionar o caso e, por tal motivo, em 1994, a farmacêutica escreveu um livro, tendo como título Sobrevivi, posso contar,[8] contando sua história de luta, medo e sofrimento. Em face da publicação do livro "Sobrevivi, posso contar", o caso ganhou grande repercussão na esfera nacional e internacional.
O professor universitário tentou por duas vezes mata-la. Na primeira vez, em 1983, Maria da Penha levou um tiro de espingarda do seu ex esposo, ficando paraplégica, perdeu os movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas. Na época do fato Marco Antônio tentou justificar tratar de um assalto na casa em que viviam, afirmando não ser o autor da tentativa de homicídio.
Após alguns dias do ocorrido, ainda se recuperando da agressão sofrida anteriormente, mais uma vez Maria da Penha foi agredida, dessa vez seu ex esposo tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.
Em 1983, iniciaram as investigações, mas a denúncia só foi oferecida ao Ministério Público de Fortaleza no ano seguinte. Apesar da justificativa, o inquérito apontou ser Marco Antônio o acusado pela tentativa de homicídio.
O professor universitário foi a júri, no ano de 1991, sendo condenado a oito anos de prisão. Entretanto, os recursos interpostos contra decisão do tribunal do júri e a falta de uma legislação específica no que tange a violência doméstica e familiar contra a mulher, o julgamento de Marco Antônio foi anulado. Em 1996, novamente foi levado a júri, dessa vez foi condenado a uma pena de dez anos e seis meses. Outra vez recorreu em liberdade e apenas 19 anos depois do crime cometido contra Maria da Penha que Viveiros foi preso, cumprindo somente dois anos da pena imposta.
Diante dos fatos, Maria da Penha formalizou inúmeras denúncias às autoridades competentes brasileiras não obtendo o resultado esperado: a justiça. Com isso, o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL), o Comitê Latino Americano de Defesa dos Diretos da Mulher (CLADEM), além da farmacêutica Maria da Penha, encaminharam a denúncia para a Comissão Internacional de Direitos Humanos da OEA[9].
O fundamento da petição baseou nos dispositivos 44e 46 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e no artigo 12 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ambas tratam da legitimidade dos peticionários; afirmaram violações aos dispositivos 1°(obrigações de respeitar os direitos), 8° (Garantias Judiciais), 24 (Igualdade perante a lei), 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana de Direitos Humanos; e ainda aos artigos 3°, 4°, a,b,c,d,e,f e g, 5° e 7° da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, bem como os artigos II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.
E ainda, acrescentaram que a República Federativa do Brasil foi negligente no caso, pois não tomou as medidas cabíveis para processar e, posteriormente, punir o agressor. Portanto, configurando violação dos direitos das mulheres brasileiras e, até mesmo, um ato que desrespeita os Tratados e as Convenções que o Brasil é signatário, bem como afronta a própria Constituição Federal de 1988, que consagrou o princípio da igualdade entre mulheres e homens.
Diante dos motivos apresentados, o Brasil, em 2001, foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA,[10] tendo como sanção o pagamento de indenização de 20 mil (vinte mil) dólares em favor de Maria da Penha, bem como a criação de uma legislação específica para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
A decisão fundamentou-se na violação, pelo Estado, dos deveres assumidos em face da ratificação da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). É a primeira vez que um caso de violência doméstica leva à condenação de um país, no âmbito do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos. (Piovesan, 2007, p. 315 - 316)
No ano de 2002, o processo contra o agressor de Maria da Penha acabou sendo encerrado e, em 2003, Marco Antônio foi preso. Ao mesmo tempo, o Presidente da República acatou a recomendações da CIDH, e sancionou no dia sete de agosto de 2006, a Lei 11.340.
Em decorrência da pressão que o país sofreu por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, no ano de 2006, entrou em vigor no Brasil a Lei 11.340/06, batizada de Lei Maria da Penha, objetivando a criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, nos termos do parágrafo 8°, do artigo 226 da Constituição da Republica Federativa do Brasil, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, bem como da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
A Lei 11.340, de 2006, apelidada de Lei Maria da Penha, recebeu este nome em homenagem a esta mulher que cansada de ser vítima de violências doméstica e familiar, passou a lutar pelos seus direitos. Tardiamente, Maria da Penha obteve respaldo jurídico dentro do Brasil com a criação da lei que visa combater a violência doméstica e familiar, portanto, sendo uma conquista não apenas de uma Maria, mas de todas as 'Marias' que são vítimas todos os dias da violência no seio familiar.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, surgiu um núcleo éticoa partir da criação da ONU queapós a segunda guerra mundial reconheceu que todo indivíduo é dotado de direitos, independente do sexo, raça, idade, classe social, e cabe ao Estado proteger, respeitar e concretizar esses direitos.
Por tal razão, a sociedade impulsionou a busca de mecanismos mais amplos que do próprio poder estatal nacional , culminando nas legislações internacionais, a saber: Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos, acrescentados de mecanismos como o próprio Sistema Interamericano de Direitos Humanos que visa à proteção dos direitos humanos e o controle da atuação do Estado sobre o cidadão e as entidades constituídas.
Nesse contexto, ganha referencial o sistema de proteção internacional de direitos humanos, pois é necessário controlar as manifestações das forças do poder estatal, tendo em vista que o próprio Estado pode violar os direitos humanos das pessoas, como aconteceu no Brasil, no caso da farmacêutica Maria da Penha.
O país não tomou as medidas necessárias para processar e punir o agressor, sendo negligente por mais de 15 (quinze) anos, portanto, por tais motivos foi encaminhada uma denúncia ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em decorrência da violação dos direitos da mulher brasileira.
REFERÊNCIAS
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia. O Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Max Limonad, 2007.
TELES, Maria Amélia de Almeida. O que são direitos humanos das mulheres. Coleção primeiros passos. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 2006.
[1] Graduanda do curso de direito da Faculdade de Direito de Vitória (FDV). e-mail: ludy.abreu@hotmail.com.
[2]Pós-Doutor em Filosofia Política,Doutor em Filosofia (Instituto Santo Anselmo, Roma, Itália). Mestre em Teologia e Filosofia pela Universidade Gregoriana em Roma, Itália. .Mestre em Sociologia Política (Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Graduado em Filosofia pela Faculdade Anchieta em São Paulo. Graduação em Ciências Sociais pela Loyola University, Chicago, USA., Professor de Filosofia do Direito do Mestrado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV),atuando como coordenador do Núcleo Temático "Direitos Humanos, Educação, Ética e diversidade".
e.mail: krohling@gmail.com.
[3] Ao definir Direito Internacional dos Direitos Humanos, afirma Richard B. Bilder: "O movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvidos para implementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial" (apud, PIOVESAN, 2007, p.06). E ainda acrescenta Flávia Piovesan: "Os tratados internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, ao mesmo tempo que afirmam a personalidade internacional do indivíduo e endossam a concepção universal dos direitos humanos, acarretam ao Estado que os ratificam obrigações no plano internacional. Com efeito, se, no exercício de sua soberania, os Estados aceitam as obrigações jurídicas decorrentes dos tratados de direitos humanos, passam então a se submeter à autoridade das instituições internacionais, no que se refere à tutela e [sic] fiscalização desses direitos em seu território" (2007, p. 09).
[4] "O movimento de internacionalização dos direitos humanos constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. A era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, que resultou no extermínio de 11 milhões de pessoas [...]. Neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea [...]. Neste sentido, em 10 de dezembro de 1948, é aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos direitos humanos" (GOMES; PIOVESAN, 2000, p.17-18).
[5] No dizer de Louis Henkin: "O termo tratado é geralmente usado para se referir aos acordos obrigatórios celebrados entre sujeitos de Direito Internacional, que são regulados pelo Direito Internacional. Além do termo tratado, diversas outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais. As mais comuns são Convenção, Pacto, Protocolo, Carta, Convênio, como também Tratado ou Acordo Internacional" (apud, PIOVESAN, 2007, p.44).
[6] "Segundo dados da Organização dos Estados Americanos, dos 35 (trinta e cinco) Estados-membros da OEA, 25 ( vinte e cinco) Estados são hoje partes da Convenção Americana ( Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela). Neste universo, o Estado Brasileiro, foi um dos Estados que mais tardiamente aderiram à Convenção, fazendo-o apenas em 25 de setembro de 1992" (PIOVESAN, 2007, p. 236).
[7] Como esclarece Maria Amélia de Almeida Teles: "[...] O termo violência contra a mulher, foi construído, ideológica e historicamente, no calor das manifestações feministas dos anos de 1970-1980, como também por ser a mulher o principal alvo desse tipo de violência. É uma expressão que sintetiza a realidade e destaca uma situação absurda, em que mulheres têm seus direitos humanos violados porque são mulheres" (2007, p. 71).
[8] Maria da Penha Fernandes, Sobrevivi, posso contar. Fortaleza, 1994.
[9] Como atenta Flávia Piovesan: "É competência da Comissão examinar as comunicações, encaminhadas por indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entidade não governamental, que contenha denúncia de violação a direito consagrado pela Convenção, por Estado que dela seja parte" (2007, p.241).
[10] "A corte tem jurisdição para examinar casos que envolvam a denúncia de que um Estado-parte violou direito protegido pela Convenção. Se reconhecer que efetivamente ocorreu a violação à Convenção, determinará a adoção de medidas que se façam necessárias à restauração do direito então violado. A Corte pode ainda condenar o Estado a pagar uma justa compensação à vítima. A decisão da Corte tem força jurídica vinculante e obrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento. Se a Corte fixar uma compensação à vítima, a decisão valerá como título executivo, em conformidade com os procedimentos internos relativos à execução de sentença desfavorável ao Estado" (GOMES; PIOVESAN, 2000, p. 45).