A LEI DOS REMÉDIOS E A ESQUIPARAÇÃO DOS COSMÉTICOS E SANEANTES A REMÉDIOS
Por Jose Mauro dos Santos Carvalho Filho | 15/08/2017 | DireitoA LEI DOS REMÉDIOS E A ESQUIPARAÇÃO DOS COSMÉTICOS E SANEANTES A REMÉDIOS: Uma análise crítica acerca da tipificação da conduta e sua inclusão no rol de crimes hediondos [1]
Guilherme Rocha[2]
José Mauro dos Santos Carvalho Filho[3]
SUMÁRIO: Introdução; 1 Análise do artigo 273 do Código Penal; 1.1 Conceito; 1.2 Princípios concernentes à questão 1.2.1 Proporcionalidade 1.2.2 Ofensividade; 2 A inserção do artigo 273,CP no rol de crimes hediondos; 3 Da Constitucionalidade; 4 Da Inconstitucionalidade; Conclusão.
RESUMO
O presente trabalho, busca análise cuidadosa no que se refere ao art. 273, CP que explana sobre a falsificação de remédios, e do §1º-A que equipara medicamentos a cosméticos, insumos farmacêuticos, matérias-primas e saneantes. Busca-se analisar também a colisão de princípios envolvidas neste único artigo.
PALAVRAS- CHAVE: Crime Hediondo, Lei dos Remédios, Equiparação, Proporcionalidade
INTRODUÇÃO
A lei 9.677/98 vem sendo debatida pela doutrina penalista no que diz respeito à sua constitucionalidade, pois esta, diz-se, afrontar princípios tidos como fundantes do ordenamento brasileiro, em razão de ser essa lei confrontante com os princípios da proporcionalidade e da efetividade. A lei 9.677/98 inseriu o art. 273 no Código Penal Brasileiro e teve sua conduta tipificada no rol da Lei de Crimes Hediondos, tendo um regime de cumprimento de pena diferenciado, bem como sua desproporcionalidade na aplicação da pena.
A análise do art. 273, CP, terá dois pólos, argumentos pela constitucionalidade e pela inconstitucionalidade, os argumentos serão retirados de entendimentos do STJ e da melhor doutrina penal que debate o assunto ora em pauta.
Buscará também, este trabalho acadêmico, pelas denúncias de influências midiáticas e industriais na inclusão de cosméticos e saneantes no tipo penal, é importante ressaltar que em pesquisa superficial, já encontraram-se evidências de influências de oligopólios e monopólios farmacêuticos na legislação brasileira, bem como da influência da mídia na formação de valores e pensamentos da sociedade democrática de direito.
Irá buscar-se em pesquisas estatísticas pela eficiência do art. 273, CP na atual sociedade brasileira, tendo essas pesquisas o objetivo de diferenciar a penalização pré-1998 e pós-1998.
1 ANÁLISE DO ART. 273 DO CÓDIGO PENAL
1.1 CONCEITOS
Em análise do artigo 273 do Código Penal, percebe-se que é tutelada a incolumidade pública, ou seja, visa-se a proteção da sociedade à que concerne o Código ora à baila. Importante faz-se perceber que o artigo supracitado é fruto de uma mudança da Lei 9.677/98, lei esta que tratou de aumentar severamente as penas aplicadas às condutas tipificadas no já referido artigo.
Faz-se salutar perceber que não somente as penas foram aumentadas, como também o nomen juris do artigo foi mudado de “alteração de substância alimentícia ou medicinal” para “falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”. (GRECO, p.158, 2006).
O legislador, entendeu-a como tão grave que achou melhor inserí-la no rol de crimes hediondos (Lei nº 8.072/90) por meio da Lei nº 9.695/98, quando fez isso, etiquetou-se o referido crime como de máxima lesividade, ou seja, foi de encontro ao Direito Penal mínimo, e classificou-se a conduta como altamente repudiada pela sociedade, hoje, percebe-se, no rol de crimes hediondos, no inciso VII-B do art. 1º, a inserção da conduta tipificada pelo artigo 273, CP.
Desmembrando-se o artigo para uma análise mais cuidadosa pode-se perceber como elementos constantes na figura típica os atos de corromper, adulterar, falsificar ou alterar; produto destinado para fins terapêuticos ou medicinais.
Corromper tem o significado de estragar, decompor, tornar podre; adulterar importa em deturpar, deformar; falsificar significa reproduzir, imitando; alterar quer dizer mudar, modificar, transformar. (GRECO, p. 158, 2006). Vale dizer que Damásio de Jesus preconiza que a conduta deve ser destinada necessariamente à produtos detinados para fins terapêuticos ou medicinais, e os define como “toda substância sólida ou líquida, empregada na cura ou prevenção de moléstias”. (JESUS, p. 355, 2006).
Fruto de discussão é também o §1º-A que inclui entre os produtos já referidos no caput, os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico, para melhor visualização, transcreve-se o caput e seu parágrafo:
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Alterado pela L-009.677-1998)
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
Cezar Roberto Bittencourt esclarece que medicamentos são aquelas substâncias destinadas à cura ou ao alívio de doenças, matéria-prima é aquela que ajuda a fabricar ou a produzir outra, insumos farmacêuticos são produtos combinados resultantes de várias matérias-primas, cosméticos são produtos destinados à limpeza, conservação e maquiagem da pele, enquanto que saneantes são produtos de limpeza em geral (BITTENCOURT, p. 243, 2006), em virtude desta inserção, afirma Delmanto que acaba-se por ferir o princípio da proporcionalidade.
A consumação da conduta é quando for praticado os atos elencados pelo tipo penal, em vistas disso, percebe-se que somente existe nesse caso, perigo abstrato, pois não há necessidade de comercialização ou consumo do produto, sendo posssível a tentativa.
1.2 PRINCÍPIOS CONCERNENTES À QUESTÃO
1.2.1 PROPORCIONALIDADE
O princípio da proporcionalidade surge para juntar-se à um princípio mais antigo, o da legalidade. Ao qual não cabia qualquer controle jurisdicional, havia somente a presunção de legitimidade que era justificada pela lei emanar do legislador, entidade suprema que cria as leis.
A proporcionalidade busca, então proteger os cidadãos dos excessos do Estado e serve de escudo na defesa de direitos e liberdades constitucionais. No ordenamento juridico brasileiro, não pode-se interpretar as leis de forma uniforme ou tentar separá-las do restante do texto normativo, deve-se harmonizar a interpretação como método hermenêutico.
O princípio em questão exerce função essencial no que tange ao ordenamento penalista, visto que as penas tratam de refutar ao agente que comete a conduta seus direitos fundamentais, em especial, a liberdade, ou seja, não pode a pena ser desconforme com o restante do ordenamento jurídico, ou mesmo com o grau de lesividade do crime praticado. Assim, pode-se entender que a máxima da proporcionalidade oferece solidez à atividade punitiva estatal. (PRADO, 2007, p. 131)
1.2.2 LESIVIDADE
Para Régis Prado é flagrante o equívoco e a deficiência da técnica legislativa quando equipara medicamentos, cosméticos e saneantes, para tanto Régis Prado utiliza-se das obras de Miguel Reale Júnior e afirma que não há como confundir, no grau de ofesinbilidade à saúde pública os produtos elencados no §1º-A do art. 273 do Código Penal em especial aos cosméticos que somente servem para tratamentos estéticos, há também de se exaltar a inserção dos saneantes a esse rol, saneantes, entenda-se como dito anteriormente, produtos destinados à higienização ou à desinfecção ambiental. No entendimento de Régis Prado, trata-se de produtos autônomos que por serem autônomos não carecem de igualdade conceitual, ou mesmo tratamento punitivo. (PRADO, p. 754, 2007)
Adverte ainda o autor, que a atividade do legislador infraconstitucional vem sendo alvo de debate e críticas na doutrina, visto que estes não respeitam – por parecerem não saber da existência, ou mesmo do que se trata – os princípios constitucionais.
2 A INSERÇÃO DO ARTIGO 273 NO ROL DE CRIMES HEDIONDOS
A Lei de Crimes Hediondos, pode ser vista como um retrocesso no que diz respeito ao direito penal mínimo, em outras palavras, ela vai de encontro ao que diz respeito ao processo de humanização do direito penal, pois endurece a pena, e vai de encontro com o que defende a Carta Magna, a Constituição Cidadã de 1988, é importante perceber que a Lei nº 8.072/90.
Faz-se salutar perceber o momento em que foi afirmada tal lei, tratava-se de um momento de extrema insegurança pública, quando houve uma explosão de sequestros no Rio de Janeiro e em São Paulo, explosão esta que culminou nos sequestros de Abílio Diniz e Roberto Medina. Por outro lado, em 1997, houve também uma interferência da imprensa quando pautou sobre os acontecimentos na Favela Naval, que tinha como principal denúncia a tortura policial, em 1992 o homicídio de Daniela Perez acabou por, em 1994 incluir o homicídio qualificado na Lei de Crimes Hediondos, em 1998, com a falsificação do medicamento Microvlar, e o número alto de mulheres enganadas pelo efeito anticoncepcional do remédio (que por ora tratava-se somente de farinha), culminou na elevação do crime de falsificação de remédios ao rol de crimes hediondos, ora, em virtude do que já fora elencado neste trabalho, é cabível a pergunta: houve um estudo prévio para a formação do rol de crimes hediondos? Ou por mero sensacionalismo da imprensa o legislador infraconstitucional elevou a pena de tais condutas?”.
Percebe-se que a própria lei não estipula a generalidade de um crime hediondo, ou seja, pode o legislador infraconstitucional elencar os crimes a seu bel-prazer, o etiquetamento do crime é somente uma construção de senso comum, não que o senso comum esteja errado, mas é desprovido de críticas, para ele o crime hediondo é aquele que por si só é repugnante, ainda que existisse o referido rol, percebe-se que não há a mínima similitude do crime tratado nesta pesquisa com os outros elencados pela LCH, pois percebe-se que o artigo 273 do Código Penal trata de crime de perigo abstrato, diferentemente dos outros.
3 DA CONSTITUCIONALIDADE
A Constituição Federal elenca em seu artigo 5º direitos fundamentais do cidadão brasileiro, busca o Código Penal nada mais que a proteção desses direitos, ora, os processos legislativos que modificaram o artigo 273,CP ou mesmo o que incluiu-o no rol de crimes hediondos, foram legítimos, é perceptível a afronta à princípios presentes na Constituição Federal, porém como assevera Bonavides não deve ser nenhuma regra interpretada de modo uno, não deve ela agir da mesma maneira sobre todo o ordenamento jurídico, em vistas disso, a pena visa reprimir uma garantia fundamental do homem, e em forma de sanção exercer o jus puniendi do Estado.
Importante é perceber que não somente em virtude da mídia formou-se o rol de crimes hediondos, mas de um desejo que emanou de toda a sociedade, e como não deve a lei simplesmente fechar os olhos para os anseios do povo tratou de punir mais severamente alguns crimes ditos bárbaros, seja pelo senso comum, ou por parte da doutrina. Ou seja, em nada há que se falar da inconstitucionalidade do artigo 273, CP, pois este formou-se sob a guarida dos pilares da Constituição Federal/88.
4 DA INCONSTITUCIONALIDADE
Em virtude do que já foi elencado na presente pesquisa, é vistoso que a maioria da doutrina defende que não há constitucionalidade no artigo ora em discussão, visto que não há proporção na dosimetria da pena deste se comparado ao restante do ordenamento jurídico, pois o grau de lesividade da conduta infere isto.
Percebe-se que há uma contraposição entre o artigo 273 e o direito penal mínimo, já que este último defende que a intervenção do Estado na liberdade do indivíduo deve ser mínima, já que admite-se que a pena não cumpre essa função ressocializadora tão reafirmada pelos punitivistas, em dados estatísticos percebe-se não o decréscimo, mas o aumento no que diz respeito ao descumprimento de preceitos estipulados pelo Código Penal, ora, em vista de dados da Polícia Rodoviária Federal constata-se o aumento de 315% da incidência do referido crime.
CONCLUSÃO
Em virtude do que fora apresentado na presente pesquisa pode-se aferir com certo grau de certeza a inconstitucionalidade presente no artigo 273, CP, pois em seu § 1º-A há a errônea equiparação de cosméticos, matérias-primas e saneantes a remédios, estees são tratados com similitude, e acabam por serem etiquetados no rol de crimes hediondos. Rol este que estabelece penas mais rígidas que as comuns.
Não pode-se aceitar que o legislador tenha percebido que tutelar a proteção à elementos deste tipo, seria proteger o mesmo bem jurídico constante no caput, a incolumidade pública.
Em monografia de Giullia Gandra Freitas (2010) propõe-se que o rol de crimes hediondos deixe de ser interpretado por meio meramente de sistema legal, mas que este seja tema para interpretação do sistema judicial, propõe-se então, que em vistas do caso concreto perceba-se a hediondez ou grau de lesividade da conduta no caso concreto, não in abstracto.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal: parte especial. Volume IV, Saraiva, 2004.
BRASIL, Márcio. Falsificação de remédIos cresce e fraude chega até farmácias.. Acesso em: 29 mai. 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Volume 3, Saraiva, 2007.
DINIZ, Laura. A lei que muda no ritmo das tragédias . Acesso em: 31 mai. 2012
FREITAS, Giullia. LEI DOS REMÉDIOS: a normatividade principiológica em cotejo com a regra concernente à equiparação de cosméticos e saneantes a remédios para fins de penalização de caráter hediondo. São Luís: Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, 2010. 94 p. Monografia – Curso de Graduação em Direito, 2010.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. Volume IV. Impetus, 2006.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte especial. Volume 3, Revista dos Tribunais, 2004
[1] Paper apresentado à disciplina de Direito Penal Especial II do 5° período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) ministrada pela Professora Maria do Socorro Almeida de Carvalho para obtenção de nota.
[2] Aluno do 5° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.
[3] Aluno do 5° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.