A LEGITIMIDADE HISTÓRICA E JURÍDICA DO USO DO TÍTULO DE "DOUTOR" POR BACHARÉIS EM DIREITO NO BRASIL

Por kleber da Silva Conceição | 14/08/2024 | Direito

 

A Legitimidade Histórica e Jurídica do Uso do Título de "Doutor" por Bacharéis em Direito no Brasil

Um estudo sobre a apresentação dos profissionais.

 

 

Kleber da Silva Conceição

Bacharel em Direito

 

 

Sumário

O Contexto Histórico. 2

Integração com as Leis Atuais. 3

A Lei Imperial e a Tradição Jurídica. 4

A Consolidação do Costume. 5

Justificativa e Conclusão. 7

Referencias: 8

 

 

 

A Legitimidade Histórica e Jurídica do Uso do Título de "Doutor" por Bacharéis em Direito no Brasil

 

Introdução

 

O uso do título de "Doutor" por bacharéis em Direito no Brasil é uma prática profundamente enraizada no contexto histórico e jurídico do país, remontando ao período imperial. Esta tradição, amplamente aceita ao longo dos séculos, tem sido objeto de debates contemporâneos, especialmente no que diz respeito à sua adequação para aqueles que não possuem um doutorado acadêmico formal. No entanto, a legitimidade desse uso não é fruto de um simples costume, mas de uma combinação de normas históricas e sociais que sobreviveram ao tempo, conferindo ao título um reconhecimento social que vai além das formalidades acadêmicas.

A origem dessa prática está intimamente ligada à criação dos primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827, nas cidades de São Paulo e Olinda, estabelecidos pela Lei de 11 de agosto de 1827. Esses cursos foram responsáveis pela formação da elite intelectual do país, cujos membros frequentemente ocupavam posições de destaque na administração pública, magistratura e política. Naquela época, a titulação dos formados em Direito seguia as tradições das universidades europeias, especialmente a de Coimbra, que teve uma influência direta no sistema educacional brasileiro. Na Universidade de Coimbra, era comum que bacharéis em Direito fossem tratados como "Doutores", o que refletia o prestígio social atribuído a essa formação.

 

O Contexto Histórico

 

Durante o período imperial brasileiro, a educação superior era um privilégio restrito a uma pequena elite, sendo a Faculdade de Direito, criada em Olinda em 1827 e posteriormente transferida para São Paulo, uma das instituições mais prestigiadas do país. Esta faculdade foi responsável pela formação da elite intelectual e política do Brasil, conferindo aos seus graduados não apenas conhecimentos jurídicos, mas também um elevado status social. Os bacharéis em Direito ocupavam posições de destaque na administração pública, no judiciário e na política, e o prestígio de sua formação era amplamente reconhecido pela sociedade.

 

Nesse contexto, o título de "Doutor" passou a ser frequentemente associado aos formados em Direito, Medicina e Engenharia, independentemente de possuírem um doutorado stricto sensu. Essa prática tem suas raízes na tradição das universidades europeias, especialmente em Portugal. Na Universidade de Coimbra, uma das instituições mais influentes na formação jurídica brasileira, era comum que os bacharéis em Direito fossem tratados como "Doutores", refletindo o prestígio e a importância social atribuída a essa formação. Esse costume foi trazido para o Brasil e encontrou um terreno fértil para se consolidar, devido ao caráter elitista e à estrutura social do período imperial.

Segundo o jurista José Cretella Júnior, “a tradição de se tratar os advogados por doutores remonta ao período colonial, influenciada pela prática europeia, especialmente a portuguesa”.

 

A adoção do título de "Doutor" pelos bacharéis em Direito no Brasil tornou-se uma norma socialmente aceita, refletindo o reconhecimento e a valorização dos profissionais formados nas faculdades de Direito. Essa tradição foi se enraizando na cultura jurídica brasileira, sendo perpetuada mesmo após a Proclamação da República e as mudanças subsequentes no sistema educacional. No entanto, como observa o professor Celso Antônio Bandeira de Mello, “o uso do título de Doutor, apesar de consagrado pelo costume, não possui respaldo legal no sentido estrito, sendo mais uma deferência social do que uma obrigatoriedade jurídica”.

 

Integração com as Leis Atuais

 

Embora a prática de chamar bacharéis em Direito e advogados de "Doutores" tenha se consolidado historicamente, as leis atuais no Brasil não concedem formalmente esse título a esses profissionais. Juridicamente, o título de "Doutor" é reservado para aqueles que concluem um doutorado stricto sensu, conforme estabelecido pelo sistema educacional brasileiro. A Resolução CNE/CES nº 1/2001 do Conselho Nacional de Educação define as diretrizes para os cursos de doutorado, esclarecendo que este título é concedido apenas àqueles que obtêm um grau acadêmico de doutorado.

 

Dessa forma, apesar da tradição, o uso do título de "Doutor" por advogados e bacharéis em Direito não possui amparo jurídico nas normativas educacionais e profissionais atuais. Conforme destaca o jurista e professor Paulo Nader, “a tradição de se tratar advogados como doutores é uma deferência social, e não uma obrigação legal”. No entanto, o costume persiste devido à sua profunda inserção na cultura jurídica brasileira e ao respeito histórico que a formação em Direito sempre despertou.

 

Assim, embora o uso do título de "Doutor" não seja juridicamente obrigatório para advogados e bacharéis em Direito, ele continua a ser uma prática comum e respeitada no Brasil. Esse título, mesmo sem respaldo legal específico, é visto como uma homenagem à tradição e ao prestígio histórico desses profissionais na sociedade brasileira.

 

A Lei Imperial e a Tradição Jurídica

 

Embora não exista um dispositivo legal específico no Brasil que estabeleça formalmente o uso do título de "Doutor" para bacharéis em Direito, essa prática tem raízes profundas na história jurídica e social do país. A origem do uso do título remonta à criação dos cursos jurídicos no Brasil, estabelecida pela Lei de 11 de agosto de 1827. Essa legislação foi um marco significativo, pois não só instituiu os cursos jurídicos em Recife e São Paulo, mas também conferiu uma nova forma de prestígio social aos seus egressos.

 

A Lei Imperial de 1827 não especificava que os formados deveriam ser chamados de "Doutor", mas a tradição rapidamente se consolidou. Naquela época, os bacharéis em Direito eram vistos como figuras de destaque na sociedade e na administração pública, e a prática de atribuir-lhes o título de "Doutor" refletia esse status elevado. Este costume pode ser interpretado como uma forma de reconhecimento e respeito por sua formação e contribuição para o sistema jurídico e para a administração pública, que eram considerados de grande importância na estrutura da sociedade imperial.

 

A Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 179, afirmava: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, e terão o direito de serem tratados conforme sua condição e mérito.” Essa disposição, embora não mencionasse explicitamente o uso do título de "Doutor", estabeleceu um princípio de reconhecimento da condição social e profissional dos cidadãos. Para os bacharéis em Direito, isso se traduziu na adoção informal do título como um símbolo de sua posição destacada. A prática de chamar os formados em Direito de "Doutor" pode ser vista como uma consequência desse reconhecimento formal e informal, conferindo um prestígio que estava em linha com as disposições constitucionais e as práticas sociais da época.

 

É importante notar que, no Brasil imperial, a obtenção do título de doutorado em Direito era relativamente rara. O sistema educacional da época não oferecia uma ampla gama de doutorados como conhecemos hoje, e a formação acadêmica em Direito estava concentrada em poucos centros de ensino. Assim, o título de "Doutor" era mais uma questão de prestígio social e profissional do que uma designação acadêmica estrita.

 

Além disso, o uso do título de "Doutor" por bacharéis em Direito refletia uma tradição que perdurou ao longo dos anos, mesmo após a Proclamação da República em 1889. A prática foi legitimada pela ausência de objeções formais e pela aceitação social contínua, consolidando o uso do título como uma marca de respeito e reconhecimento pela formação jurídica.

 

Em resumo, o título de "Doutor" para bacharéis em Direito no Brasil não surgiu de uma norma legal específica, mas sim de uma combinação de tradições sociais, reconhecimento profissional e práticas institucionais que remontam ao período imperial. Essa tradição reflete a importância da formação jurídica na sociedade brasileira e o prestígio associado a essa profissão ao longo da história.

 

A Consolidação do Costume

 

O título de "Doutor" atribuído aos bacharéis em Direito no Brasil tem uma trajetória que se consolidou ao longo do tempo, refletindo uma profunda inserção na cultura jurídica do país. A prática, que emergiu do contexto histórico e social do Brasil imperial, tornou-se uma parte estabelecida da identidade jurídica nacional, com sua aceitação formal e informal solidificada por décadas de tradição.

 

Desde a criação dos cursos jurídicos em 1827, conforme a Lei Imperial, o título de "Doutor" passou a ser um símbolo de prestígio e respeito para os formados em Direito. Essa prática, inicialmente não regulamentada por uma norma específica, ganhou força pela adoção social e institucional. A sociedade, reconhecendo a importância dos bacharéis em Direito para a administração pública e o sistema jurídico, adotou o título como uma forma de honrar e distinguir esses profissionais.

 

Após a Proclamação da República em 1889, o sistema educacional e as estruturas jurídicas brasileiras passaram por diversas transformações. A modernização do ensino superior trouxe novas dinâmicas e exigências acadêmicas, mas o uso do título de "Doutor" pelos bacharéis em Direito persistiu. Esse fenômeno pode ser atribuído ao valor histórico que o título adquiriu e à continuidade do respeito social pela formação jurídica. A tradição, consolidada durante o período imperial, manteve-se relevante, adaptando-se às novas realidades sem perder seu significado original.

 

O reconhecimento do título de "Doutor" transcendeu o âmbito acadêmico, estendendo-se a diversas esferas da prática jurídica. Nos tribunais, a advocacia e a docência em Direito, o uso do título tornou-se uma prática comum e aceita. Esse reconhecimento é uma extensão do prestígio associado aos bacharéis em Direito, refletindo não apenas sua formação acadêmica, mas também sua expertise jurídica e o papel social significativo que desempenham. Em muitos contextos, o título de "Doutor" representa mais do que uma formalidade; é um sinal de autoridade, competência e respeito no campo jurídico.

 

A persistência do uso do título de "Doutor" pelos bacharéis em Direito, mesmo sem uma base legal específica que o estabeleça, demonstra a força da tradição e o impacto duradouro das práticas sociais e institucionais. A prática consolidou-se como uma parte integral da cultura jurídica brasileira, mantendo-se relevante e respeitada mesmo com as mudanças ao longo dos anos.

 

Portanto, o título de "Doutor" para bacharéis em Direito no Brasil é um exemplo claro de como costumes e tradições podem se institucionalizar e perpetuar, refletindo a importância e o prestígio associados à profissão jurídica. Ele simboliza a continuidade de um reconhecimento social e profissional que se desenvolveu ao longo de mais de um século e que continua a ser valorizado na sociedade contemporânea.

 

Justificativa e Conclusão

 

O uso do título de "Doutor" por bacharéis em Direito no Brasil é sustentado por uma combinação significativa de fatores históricos, culturais e sociais que remontam ao período imperial. Apesar de não haver uma regulamentação formal específica que consagre este título, sua adoção generalizada e a prática contínua ao longo dos anos legitimaram sua importância e significado na sociedade brasileira.

 

Historicamente, o título de "Doutor" começou a ser associado aos formados em Direito com a criação dos cursos jurídicos pela Lei de 11 de agosto de 1827. Essa associação não era prevista explicitamente pela legislação, mas emergiu como um reconhecimento da posição de destaque dos bacharéis em Direito na sociedade da época. A Constituição Imperial de 1824, ao garantir que todos os cidadãos fossem tratados conforme sua condição e mérito, contribuiu para que a prática de usar o título de "Doutor" fosse adotada como um sinal de prestígio e respeito.

 

Culturalmente, o título de "Doutor" transcendeu as fronteiras da formalidade acadêmica para se tornar um símbolo de autoridade e competência no campo jurídico. Esse reconhecimento se manifesta em diversas esferas, como nos tribunais, na advocacia e na docência em Direito. O uso do título não se limita a uma mera formalidade, mas reflete a expertise e a responsabilidade inerentes ao papel dos bacharéis em Direito como intérpretes e aplicadores das normas jurídicas. Esse papel é fundamental para o funcionamento do sistema jurídico e a manutenção da ordem social, o que confere ao título um valor simbólico substancial.

 

A continuidade da prática, portanto, pode ser vista como uma forma de preservar e reconhecer a importância histórica e social da formação jurídica no Brasil. O título de "Doutor" é uma marca de respeito e prestígio que honrou a tradição jurídica e sua evolução ao longo do tempo. A manutenção dessa prática não apenas preserva um aspecto significativo da cultura jurídica brasileira, mas também reforça o valor do conhecimento jurídico e a responsabilidade associada à profissão.

 

Em conclusão, o uso do título de "Doutor" para bacharéis em Direito no Brasil é uma tradição que merece ser reconhecida e respeitada. Sua base histórica, valor simbólico e consolidação na cultura jurídica brasileira justificam sua continuidade. A prática, embora não formalmente regulamentada, representa uma deferência ao papel crucial desempenhado pelos profissionais do Direito e reflete a importância contínua da formação jurídica na sociedade. Portanto, a manutenção dessa tradição é um reconhecimento legítimo do impacto e da relevância dos bacharéis em Direito na estrutura social e jurídica do país.

 

Referencias:

 

CRETELLA JÚNIOR, José. O papel do advogado na sociedade brasileira. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1975.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2022.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 13. ed. São Paulo: Forense, 2021.

BRASIL. Lei nº 11, de 11 de agosto de 1827. Cria as Faculdades de Direito de São Paulo e Olinda. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1827.

BRASIL. Constituição do Império do Brasil, de 25 de março de 1824. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 1824.

 

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