A LEGISLAÇÃO SINDICAL NO BRASIL(1989-1930)
Por Antonio Barbosa Lúcio | 27/01/2010 | FilosofiaAntonio Barbosa Lúcio
O texto visa apresentar e analisar a legislação brasileira voltada para a organização sindical no Brasil, no que ficou conhecido como a primeira fase do Movimento Trabalhista Brasileiro, de 1989 a 1930. Esta fase possui importância vital para os trabalhadores, tendo em vista que, por um lado, ocorreram tentativas de organização contra o capital e, por outro lado, houve a preocupação da elite brasileira em estabelecer regras que coibissem os possíveis avanços que as lutas poderiam ocasionar. Assim, apenas em 1903, tardiamente em relação a Europa, a legislação começa a possuir um caráter especialmente repressivo aos trabalhadores. Cria-se o Decreto nº 979(revogado apenas em 20/12/1933), estabelecendo regras para os trabalhadores rurais, nos seguintes termos: "Art. 1º E' facultado aos profissionaes da agricultura e industrias ruraes de qualquer genero organisarem entre si syndicatos para o estudo, custeio e defesa dos seus interesses (SENADO FEDERAL, DECRETO N. 979 - DE 6 DE JANEIRO DE 1903). (Grafia original)". Almejava-se, prioritariamente, atender a classe patronal, antecipando-se a possíveis organizações de trabalhadores rurais e, especialmente, tornar os sindicatos órgãos de colaboração de classes, tendo em vista colocar na mesma situação profissionais da agricultura e industriais rurais (GIANNOTTI, 1987). Ou seja, estaria implícito, em um Estado brasileiro ainda de feição escravocrata, dominado pela “república dos coronéis”, que a classe patronal deveria sair na frente no processo de organização, tendo em vista que prevalecia a “Lei do Patrão”. Esta, necessariamente, não necessitaria até então de uma legislação que lhes garantissem direitos, tendo em vista que estes já existiam como se fossem naturais. E neste Brasil, de maioria analfabeta, excluída do acesso a terra, dos bens elementares de manutenção da vida, sem qualificação tecnológica e, como assinala Stedele(2002) sem formação ideológica adequada a luta contra o capital, que os sindicatos passaram a existir enquanto formas de organização para além do espontaneismo das lutas existentes. Parece que o intuito, além de impulsionar interesses corporativistas da classe patronal, seria garantir que, se a “Lei do Patrão” realizada na informalidade não funcionasse, a Legislação, com a força do poder estatal e todo o seu aparato coercitivo cumpriria a função de manter a “ordem e o progresso.”
Esse mesmo Estado coronelista impulsiona outras formas de legislação, voltada para o setor urbano. Este, apesar de possuir um proletariado incipiente passava a ser fortalecido por concepções do anarco-sindicalismo. Esta corrente de pensamento, geralmente negava a importância do Estado, enquanto participe do processo de organização dos trabalhadores acreditando que a luta sindical deveria volta-se para a transformação da sociedade, daí a necessidade do fim de qualquer forma de governo. Apesar de equivocadas enquanto metodologia (Cf.LOSOVSKY,1989) de luta contra o capitalismo, o anarco-sindicalismo, pela primeira vez no país, colocava em evidência os males sociais ocasionados pelo sistema e, em um país ainda de feição escravocrata, liderados por uma elite agro-exportadora de feição conservadora. A busca por harmonia se fazia presente diante as possíveis organizações de trabalhadores exigindo, no Brasil, direitos até então inexistentes, a exemplo da realização de greves e condições de trabalho dignas. Essa situação, também era necessária, sob o ponto de vista do capital, tendo em vista que as organizações sindicais brasileiras no início do século estariam sob a direção do anarco-sindicalismo. Assim, o decreto que, de certa forma legaliza os sindicatos urbanos, delimita as formas de atuação e, ao mesmo tempo, exclui os trabalhadores rurais do acesso a liberdade sindical. O Decreto n.º 1.637 de 05 de janeiro de 1907, voltado para os sindicatos urbanos, possui uma suposta preocupação com a liberdade sindical
“Art. 1º E' facultado aos profissionaes de profissões similares ou connexas, inclusive as profissões liberaes, organizarem entre si syndicatos, tendo por fim o estudo, a defesa e o desenvolvimento dos interesses geraes da profissão e dos interesses profissionaes de seus membros. Art. 2º Os syndicatos profissionaes se constituem livremente, sem autorização do Governo, bastando, para obterem os favores da lei, depositar no cartorio do registro de hypothecas do districto respectivo tres exemplares dos estatutos, da acta da installação e da lista nominativa dos membros da directoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da direcção da sociedade ou da gestão dos seus bens, com a indicação da nacionalidade, da idade, da residencia, da profissão e da qualidade de membro effectivo ou honorário (SENADO FEDERAL, DECRETO Nº. 1637 - DE 5 DE JANEIRO DE 1907) (Grafia original)”.
Entendendo essa legislação a partir do contexto histórico da época, a liberdade sindical voltada para “os interesses gerais da profissão e dos interesses profissionais de seus membros”, como estabelecido no artigo primeiro, apenas fazia sentido se, de fato, não estivesse centrada nessa ampla defesa da classe patronal, ou seja, na realidade a Lei se destinava a organização dos proprietários e, submetia os trabalhadores urbanos a lógica de organização capitalista. Vianna enfatiza que os sindicatos “estavam obrigados a registrar seus estatutos e a enviar a relação dos membros de sua diretoria para a repartição competente, bem como a se pautarem pelos princípios de harmonia entre o capital e o trabalho (VIANNA, 1978: 50)”. Estaria claro, portanto, que haveria sob o ponto de vista do Estado brasileiro a preocupação de colocar os sindicatos sob a ordem estabelecida, sob a tutela do Estado. Esta situação vai ocorrer especialmente a partir do Governo Vargas(1930-1945), com a manutenção dos sindicatos sob os interesses do capital, fato que vai perdurar até a atualidade. O mesmo decreto acima, em seu artigo 8º, estabelece essa relação de subserviência
“Art. 8º Os syndicatos que se constituirem com o espirito de harmonia entre patrões e operarios, como sejam os ligados por conselhos permanentes de conciliação e arbitragem, destinados a dirimir as divergencias e contestações entre o capital e o trabalho, serão considerado como representantes legaes da classe integral dos homens do trabalho e, como taes, poderão ser consultados em todos os assumptos da profissão (SENADO FEDERAL, DECRETO Nº. 1637 DE 5 DE JANEIRO DE 1907) (Grafia original)”.
Apesar de a concepção do anarco-sindicalismo não enfatizar a necessidade da legalidade estabelecida em Lei, a organização sindical brasileira começava a ganhar corpo, não apenas por suas ações enquanto luta contra o capital, mas, também, diante a legislação. Estava explicito que “ a república dos coronéis” buscava legitimar a existência de sindicatos visando controlá-los, procurando harmonizar, pelo menos diante a Lei, a relação capital e trabalho. Entretanto, sua aplicabilidade continuava insuficiente, tendo em vista que não havia por parte da classe patronal entendimento de que tais relações poderiam ser harmoniosas, prevalecendo a força para coibir atos que não fossem condizentes com os interesses patronais e, a utilização do poder estatal coercitivo para dirimir possíveis dificuldades que a classe patronal pudesse sentir diante as possíveis lutas dos trabalhadores. Estas dificuldades estariam sendo delineadas a partir 1906 quando se realizou o 1º COB (Congresso Operário Brasileiro), exigindo, dentre outras coisas, jornada de trabalho de 8(oito) horas semanais.
Ou seja, apesar da autorização de funcionamento dos sindicatos urbanos e da lei genérica de organização dos sindicatos rurais, prevalecia o poder de polícia para dirimir divergências, sempre apoiando a classe patronal, e a lei do patrão que não deixava de utilizar da violência utilizando “capangas” visando amedrontar os trabalhadores. Estes, geralmente com uma organização insuficiente, organizavam-se basicamente quanto os estatutos, as finanças e a organização interna. Entretanto, não possuíam poderes para organização dentro das fábricas ou mesmo nas propriedades rurais. Nestas, a classe patronal possuía o domínio quase que absoluto do trabalhador, aonde regras estabelecidas de forma ainda convencional pelas organizações sindicais, sequer poderiam tornar-se conhecidas dos trabalhadores.
Ao mesmo tempo em que supostamente possibilitava a organização sindical através da legislação, em 1º de Janeiro de 1907 foi instituído o Decreto Legislativo nº. 1641. Este decreto, também conhecido como “Lei Adolfo Gordo”, estabelecia a possível expulsão de estrangeiros que realizasse atividades políticas “ indesejáveis” ao Estado brasileiro. Este decreto visava atacar especialmente as lideranças sindicais do anarco-sindicalismo, geralmente de origem européia.
Mattos (2003) destaca que apenas a partir de meados do século XX, houve maior divulgação da ação sindical entre os trabalhadores. Esta situação ocorre, possivelmente, tanto a partir de maior intensificação do processo de industrialização ocorrido no Brasil a partir da Primeira Guerra Mundial, como mediante a realização de greves nas décadas anteriores passando a disseminar a necessidade de organização sindical nas chamadas sociedades de resistências ou sindicatos. Além disso, a crescente (mais ainda incipiente) industrialização colocava em evidencia a necessidade de ampliação dos lucros patronais, as divergências entre o setor industrial e o agroexportador, o confronto de classes. Este se daria diante a intensificação da exploração e a manutenção de sistemas excludentes de acesso as condições dignas de vida.
A década de 1920 parecia apontar que mudanças poderiam ocorrer na organização sindical e na sociedade brasileira. A influência da Revolução Russa apontava, no Brasil, para mudanças na organização sindical que, aos poucos, deixou de ser hegemônica dos anarquistas para prevalecer sob a direção do recém criado PCB (Partido Comunista Brasileiro). Este, organizado em 1922, passou a redimensionar a luta sindical entendo que o Estado deveria ser ocupado, visando a luta crescente em defesa do socialismo. Assim, compreendia que a organização sindical necessitaria de uma orientação político-partidária e que a ação dos anarquistas não atenderia a luta dos trabalhadores por, em última instância, possuir caráter espontâneo, não ferindo o sistema capitalista. Por outro lado, a influência do PCB nos sindicatos sofreria as consequencias do pós-guerra, com a decadência econômica e a ampliação do desemprego tanto nos países centrais como nos países periféricos, como no caso do Brasil. Esta situação fez com que a busca até então centrada na luta por 08(oito) horas diárias, aumento salarial, condições de trabalho, fosse redimensionada para a manutenção do emprego. Como conseqüência, houve redução da quantidade de greves em relação à década anterior quando a direção sindical estaria com os anarquistas. O que não significa dizer que houve cooperação de classe, mas apenas que as condições objetivas, diante uma organização ampla insuficiente, compreensão ideológica ainda centrada no espontaneismo, uma legislação ambígua e a forte repressão estatal e patronal, dificultaram ações para além da manutenção do emprego. Ao final da década, com os já sentidos efeitos da crise de 1929, a organização sindical, não pode se fazer presente na vida cotidiana dos trabalhadores urbanos e, prioritariamente, se colocou equidistante dos trabalhadores rurais.
Considerações finais
Nesta breve análise da organização sindical brasileira durante o período que ficou conhecido como “República Velha ou República dos Coronéis”, sofreu as consequencias de sua incipiente condição de possibilitar lutas para além do capital. Primeiro, esta situação pode ser verificada quando a classe patronal se antecipou aos interesses dos trabalhadores, subjugando-os. Em relação a classe patronal, esta utiliza o poder de polícia estatal e de milícias patronais para coibir lutas sindicais; segundo, ao estabelecer uma legislação que propunha a manutenção de interesses ideológicos da classe patronal impõe a harmonia entre as classes e; terceiro, não leva em consideração a própria legislação que impõe aos trabalhadores, prevalecendo o uso da violência para coibir a existência de lutas. Em relação a organização dos trabalhadores, o anarco-sindicalismo, com sua visão de exclusão da luta “por dentro”, não compreendeu a importância do papel do Estado enquanto agente mobilizador dos interesses patronais. Assim, coube ao Estado o papel de dirigir os interesses dos trabalhadores tanto através da legislação vigente como apoiando ou se omitindo diante as atrocidades patronais. Os avanços conseguidos pelo anarco-sindicalismo esteve em colocar em xeque o modelo brasileiro de organização estatal centrado no poder dos coronéis, propiciando aos trabalhadores possíveis condições de compreensão sobre o processo de exploração vigente. Questionou as horas de trabalhos excessivas, a forma de utilização dos salários pelos capitalistas visando ampliar os lucros e as demais formas de exploração social. Entretanto, sua atuação foi limitada aos grandes centros urbanos e, nestes, a algumas fábricas, não ampliando a luta para além do economicismo; teve papel secundário no sentido de questionar a estrutura de dominação, tendo em vista o alcance reduzido de suas ações frente a organização dos coronéis. Os comunistas pareciam perplexos diante a crise do capital e, sem uma organização mais efetiva não puderam dar continuidade a uma proposta de superação do sistema, tendendo por suas ações, ao não enfrentamento diante os capitalistas.
Tanto anarquistas como comunistas, sofreram as consequencias dos vícios do movimento sindical, quais sejam: a) não compreenderam como se daria o processo contínuo de exploração capitalista que, mesmo diante de crises, tende a se reorganizar, especialmente clamando aos trabalhadores que os apõem diante as dificuldades, mas quando sanadas tais dificuldades, tendem a voltar e intensificar o processo de exploração; b) não conseguiram, salvo as condições objetivas de então, a crescente união entre os trabalhadores, geralmente excluindo os trabalhadores rurais, maioria até então, da luta sindical e, por vezes, demais trabalhadores urbanos que não estivessem no sistema industrial de produção; c) prevalecia uma burocracia cristalizada nos dirigentes sindicais, esquecendo a base da tomada de decisão, centralizando em interesses de grupos e não de classe e, insistindo em um direcionamento sem o aval dos trabalhadores; d) não criaram mecanismos de resistências que propiciassem condições aos trabalhadores de lutas duradouras contra a classe patronal enfrentando as tentativas de desestabilização dos trabalhadores pelos capitalistas; a falta de educação de classe dificultava o entendimento dos trabalhadores para lutas para além do economicismo e, este, por vezes, se tornava principal atividade dos sindicatos(LÚCIO,2003).
A ação sindical, em sua primeira fase, teve os avanços de ampliar a participação dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, sua ação foi limitada pela metodologia de “condução” do movimento diante os propósitos dos capitalistas. Estes, a partir da década de 1930, usariam mecanismos de manutenção de sues interesses, transformando os sindicatos em “aparelho ideológico do Estado”, conformação dentro da ordem estabelecida pelo capital e, tentativa de perpetuação das relações de dominação. Atualmente, os sindicatos tendem a se conformar com a ordem que deveriam combater, acatando, devido a falta de força política, os interesses do capital sequer lutando para mudanças frente as investidas do capital. Há assim, uma conformação ao Estado e aos capitalistas, centrando suas ações em lutas quase que exclusivamente no economicismo, justamente por ter suas bases distantes do poder de decisão, prevalecer o burocratismo, o clientelismo, e, tendo seus dirigentes distantes da luta contra o capital. Ao aceitar a luta dentro da ordem, deixam de tentar criar uma nova ordem e, que esta esteja sob o controle dos trabalhadores.
Referência Bibliográfica
LÚCIO, Antônio Barbosa. A ação sindical dos trabalhadores rurais a partir da década de 1970: as campanhas salariais dos canavieiros de Alagoas. Campina Grande-PB: UFPB/UFCG, 2003 (Dissertação de Mestrado).
LOSOVSKY, D. Marx e os sindicatos: O marxismo revolucionário e o movimento sindical. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1989.
GIANNOTTI. Vito. A Liberdade sindical no Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
MATTOS, Marcelo Badaró. O sindicalismo brasileiro após 1930. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
STEDILE, João Pedro. História e natureza das ligas camponesas. São Paulo: Expressão Popular, 2002.
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.