A JUSTIÇA DO CALIFA

Por Renato Ladeia | 28/10/2012 | Crônicas

 Leio no jornal que Samuel Cutrufelli, um ladrão de 31 anos abriu um processo contra o senhor Leone, que reagiu a um assalto na Califórnia, EUA. Cutrufelli invadiu a casa de Leone e foi baleado pelo dono. O criminoso está exigindo uma reparação por danos físicos e morais. Parece um absurdo, mas deve ser verdade considerando a fonte. Essa notícia me fez lembrar uma velha historia árabe contada por minha professora de literatura no colégio, Hamide Assain José, também de origem árabe nos anos setenta. A história é a seguinte:

Um ladrão ao invadir uma casa, apoiou-se em uma janela e esta, mal conservada, quebrou fazendo com que o ladrão despencasse e quebrasse um braço. O ladrão inconformado com o acidente foi reclamar ao Califa do lugar, um homem que tinha mania de justiça. Como se sabe, os califas tem autoridade militar, religiosa, jurídica e administrativa como manda a tradição.

Diante do poderoso califa o ladrão expôs o seu problema, acusando o proprietário da casa de negligência com relação à manutenção da casa, causa direta do seu infortúnio. O Califa ouviu as argumentações do ladrão e mandou que seus guardas trouxessem a sua presença o proprietário da casa. Esse, diante dos fatos apresentados alegou que não tinha culpa, pois mandou um carpinteiro consertar as suas janelas e pagou por esse serviço, um bom preço. Diante disso, alegou que se alguém é culpado, só pode ser o carpinteiro. Diante da explicação do proprietário o califa mandou que os guardas trouxessem a sua presença o tal carpinteiro. Ouvido, o carpinteiro apresentou a sua versão dos fatos. Explicou que enquanto consertava a tal janela, sua atenção foi desviada por uma bela jovem com um vestido colorido que passou diante da casa. Diante disso, explicou o carpinteiro, se alguém é culpado, esse alguém só pode ser a bela jovem.

O califa concordou e mandou que buscassem a jovem para se explicar. A jovem diante do poderoso califa argumentou que não tinha culpa, pois a sua beleza fora Alá quem deu e o vestido foi confeccionado com o tecido de um conhecido comerciante do lugar. Assim, alegou à jovem, o culpado só pode ser o comerciante.

O coitado do comerciante, um homem muito grande, tremeu diante do califa e não conseguiu contra argumentar, assumindo a culpa pelo acidente do ladrão. O Califa ficou satisfeito em ter promovido a justiça diante do seu povo e ordenou que enforcassem o comerciante. Levado o acusado para a execução surgiu outro problema: ele não cabia na forca por causa do tamanho. Os soldados voltaram ao califa e explicaram o problema. Diante do inusitado, o califa determinou que executassem o primeiro comerciante baixinho que encontrassem. Assim, o Califa pode dormir em paz, pois mais uma vez fizera sua justiça.

Não é que a história do ladrão norte-americano guarda semelhança com a história do califa. É muito provável que o juiz que julgar o caso não vai utilizar os mesmos critérios de julgamento do Califa, pois seria absurdo nos modelos modernos de justiça alguém pagar pelos crimes de outrem. Mas no Brasil é provável que o dono da casa assaltada seria julgado por tentativa de homicídio e poderia ser condenado a pagar as despesas médicas e cestas básicas. Isso se não tiver problemas com porte de armas, que não existe nos EUA, onde as pessoas compram armas por reembolso postal.

Pensando bem, o caso do mensalão, ora em julgamento no Supremo Tribunal Federal, guarda alguma analogia com o caso.  Os juízes que estão julgando o caso e condenando os réus são agora acusados de direitistas retrógrados a serviço dos partidos de oposição e se tornou um tribunal de exceção para julgar os defensores da “democracia”. De juízes passaram a ser réus pelos padrões dos partidários dos acusados.

Infelizmente os critérios de julgamento do califa ainda existem, apesar da historinha ter centenas de anos e parecer um conto da carochinha.  Muitas vezes o poder necessita de um bode expiatório para ocultar as suas mazelas.