A JUSTIÇA COMUNITARISTA

Por Ana Beatriz Araújo Portela | 10/12/2015 | Direito

A JUSTIÇA COMUNITARISTA

 

Ana Beatriz Araújo Portela

Roberto Almeida Mendes Júnior

 

Sumário: Introdução; 1 O Surgimento do comunitarismo; 2 Justiça liberal e comunitarista ; 3 Pluralismo e comunitarismo; 4 Comunitarismo e valores; Conclusão;

 

 

RESUMO:

Em um primeiro momento, percorre-se pela história do comunitarismo, como ele surgiu, alguns de seus seguidores, além de diferenciar as pretensões do comunitarismo e do liberalismo. De modo que descreva também as semelhanças entre ambas as políticas. Posteriormente discorre-se sobre a critica comunitarista feita por Michael Sandel, à obra de John Rawls, Uma Teoria de Justiça. Estabelecer uma forma de entender as teorias comunitaristas e liberais como forma de esclarecer a como a critica ao liberalismo serviu para dar embasamento à teoria comunitarista. Mostrar como a ideologia comunitarista tem um valor utilitário numa construção política.

PALAVRAS-CHAVE: PRETENSÕES. DIFERENÇAS. SEMELHANÇAS. LIBERALISMO.

 

 

INTRODUÇAO:

           

Como uma forma de extinguir ou minimizar alguns aspectos do individualismo e de contestar o Liberalismo, surge, no final do século XX, o Comunitarismo. Não contrariando totalmente o Liberalismo, mas sim, centrando seus interesses na comunidade e na sociedade A ideologia comunitarista, porém não é contrária ao liberalismo, mas centra seus interesses nas comunidades e na sociedade e não no indivíduo. Acredita-se que as comunidades são a base para que se encontrem as soluções para um mundo melhor e que o liberalismo não vem dando a real importância às questões do nosso tempo, pois o individualismo prejudica as análises sobre questões da contemporaneidade.

O comunitarismo propõe que o indivíduo seja considerado membro inserido numa comunidade política de iguais. E, para que exista um aperfeiçoamento da vida se exige uma cooperação social, um empenhamento público e participação política, isto é, formas de comportamento que ajudem ao enobrecimento da vida comunitária. Consequentemente, o indivíduo tem obrigações éticas para com a finalidade social, deve viver para a sua comunidade organizada em torno de uma só idéia substantiva de bem comum.

1. Surgimento do Comunitarismo:

           

O comunitarismo surge na década de 80, abrindo uma polemica com o liberalismo, tanto o geral, quantos o de Rawls, tal teoria, pode ser uma forma de completar a insuficiência da teoria e pratica liberal. Apesar do comunitarismo se dedicar às comunidades, e que as comunidades são importantes como depositárias de valores, não vão ser as comunidades o principal enfoque do comunitarismo, mas sim o entendimento do sujeito ‘‘liberal’’ e da justiça ligada á distribuição de recursos sociais.

            O comunitarismo é uma ideologia difícil de ser entendida ou conceitualizada, uma vez que, surgiu a partir da reunião de uma diversidade de estudos que tinha em comum uma crítica ao liberalismo. Há um debate com largas raízes históricas, mas atualmente a concentra-se em novos aspectos que é antes de qualquer coisa uma reação a influente obra de John Rawls, publicada em 1971, Uma Teoria de Justiça. É esta obra que em grande parte despoleta a crítica comunitária, através daquela que talvez seja o texto mais significativo da crítica comunitária ao liberalismo, a obra de Michael Sandel, Liberalism and the Limits of Justice, de 1982.

            Delineando o Comunitarismo encontraremos duas vertentes. metodológicas e normativas: Metodologicamente, os comunitaristas defendem que as premissas do individualismo, como a do individuo racionjal capaz de escolher livremente o seu destino, estão erradas, e que a única maneira de entender a conduta humana é através de uma referência aos indivíduos nos seus contextos sociais, culturais, e históricos. Normativamente, os comunitaristas afirmam que as premissas individualistas do liberalismo têm conseqüências morais pouco satisfatórias, redundando, por exemplo, na impossibilidade de uma verdadeira comunidade, ou no abandono de algumas idéias da vida boa defendidas pela comunidade. E em ultima analise, como alternativa ao individualismo, que considera como valor central a liberdade individual do ser humano, o comunitarismo propõe um centramento na solidariedade, considerando como valor central os múltiplos vínculos comunitários.

 

2. Justiça liberal e comunitarista:

 

            O debate que gira em torno do comunitarismo gira em torno da questão de separar o politicamente justo do moralmente bom. Esse dilema se abre por representantes do liberalismo querer separar princípios jurídicos políticos da questão sobre o bem, enquanto os comunitaristas vinculam as questões sobre justiça às questões sobre a eudaimonia.  A justiça comunitarista visa os fins alcançados, através de ações praticadas em função da construção do bem, do social. Em contrapartida o liberalismo político sobrepõe o justo sobre o bem, sendo o justo uma forma de exaltação da moral abstrata, e o bem uma idéia de construção da lei, não se importando com os fins, mas com o processo de sua criação, ou seja, o meio. Na forma de pensar liberalista a justiça é idéia de meio, ou seja, qualquer lei tem que passar por todo um processo legislativo, até ser promulgada, sancionada ou outorgada, isto é,a idéia de justiça não está na lei, mas no processo que de criá-la.

            O liberalismo não exclui a idéia do bem, principalmente os bens primários, essenciais aos cidadãos para que possam ser considerados pessoas livres e iguais, livres para escolherem os seus projetos principais, sem que isso seja imposto pela sociedade.

            Os liberalistas priorizam os direitos individuais, antecedentes de determinação coletiva, ao passo que os comunitaristas priorizam a vida comunitária. Para os comunitaristas, uma sociedade que se baseia só na garantia dos direitos individuais, precisa de força motivadora e integradora capaz de uma coesão solidária suficiente para manter a própria sociedade. Por esse motivo julgam o processo liberalista sem forças para garantir e manter a estabilidade social, a legitimação política e a cidadania.

            Na forma de pensar comunitarista, a idéia de justiça é o fim, está na própria lei. Qualquer processo é válido, desde que surja uma lei justa. A idéia de justiça é perfeccionista, buscando apenas o fim ao qual se destina. Os comunitaristas visam o perfeccionismo buscando o conhecimento da história para a construção do bem, a partir de uma perspectiva teleológica, não importando com os meios utilizados para chegar a um determinado fim. Os comunitaristas supõem que as sociedades são comunidades constituídas em vistas de bens comuns. Para o comunitarismo, na democracia política não basta dar os meios, a conquista da cidadania se dá quando temos que demonstrar que conseguimos discutir e mostrar o resultado, tendo todos os meios possíveis para discutir e chegar a ele.

3. Pluralismo e Comunitarismo.

            Para a corrente comunitarista, o pluralismo não se finda nas diversas concepções individuais sobre a vida digna, porem na diversidade de identidades sociais e culturais presentes na sociedade contemporânea. Para os comunitaristas, reconhecer a existência de sociedades plurais é reconhecer incontornáveis diferenças, é reconhecer que não há respostas únicas, verdadeiras e definitivas para a realização de uma sociedade justa, impedindo, assim, que se alcance uma solução imparcial, universal e deontológica para os conflitos de interesse, conforme pretendem fazer as teorias liberais. Fica evidente, desta maneira, que o comunitarismo, ao adotar uma concepção de pluralismo que exige o reconhecimento das diferenças, ou seja, exige o reconhecimento das diversas identidades culturais, está intimamente relacionado a um particularismo histórico que se opõe drasticamente a qualquer forma de imparcialidade ou universalismo, traços caríssimos às teorias liberais.

Segundo os comunitaristas, não há nenhuma possibilidade de desvincular justiça e comunidade, uma vez que as concepções acerca da justiça serão relativas ao contexto de cada comunidade, seus valores culturais e tradições histórico-sociais, o que torna o indivíduo racional e abstrato, livre de raízes históricas e culturais. De acordo com o pensamento comunitarista, os homens são sempre moldados por valores e pela cultura da comunidade onde vivem, não sendo fático acreditar na hipótese de que estes indivíduos não levariam estes fatores em consideração na hora de escolherem princípios de justiça, como deseja Rawls. Assim, para a doutrina comunitarista, justiça e pluralismo estão interligados não pela realização do individualismo, das concepções individuais de vida, mas sim pelo reconhecimento da multiplicidade de identidades sociais e culturas étnicas presentes na sociedade contemporânea, pelo reconhecimento das especificidades de cada ambiente social, enfim, pelos valores comunitários.

Explicar essa relação entre justiça e pluralismo de forma concisa é defender que os princípios de justiça são pluralistas na forma que os diversos bens sociais devem ser distribuídos por motivos, segundo normas e por agentes diversos e que toda essa diversidade provém das interpretações variadas dos próprios bens sociais.

 

4. Comunitarismo e Valores:

 

            Para os comunitaristas, o principal papel de uma constituição não pode ser apenas assegurar direitos e liberdades individuais, mas sim expressar a vontade e os valores compartilhados por uma determinada comunidade. Neste sentido, o debate público é de suprema importância, já que é através dele que as vontades e os valores serão discutidos e escolhidos pela comunidade. Essa realidade exige um modelo constitucional onde o processo de deliberação pública não pode sofrer nenhum tipo de restrição, uma vez que a primazia das liberdades negativas é substituída pela priorização das liberdades positivas, que são as liberdades que asseguram a participação direta do cidadão dentro da vida política, garantindo a capacidade de autodeterminação daquela comunidade. A Constituição representa um efetivo compromisso com certos ideais compartilhados pela comunidade como um todo, um verdadeiro projeto social daquela comunidade, onde estão assegurados valores e histórias comuns a todos os seus integrantes.

A Constituição é assim aquilo que os comunitaristas irão chamar de Constituição - Projeto. Ressalte-se que os comunitaristas admitem que o pluralismo das sociedades atuais impede que a democracia contemporânea seja semelhante à democracia grega, forma mais perfeita de participação direta do cidadão na vida política da comunidade já existente (mesmo que a cidadania ateniense não fosse concedida a mulheres, escravos e estrangeiros). O importante, para os comunitaristas, é que seja dada voz à comunidade, que seja permitida a sua capacidade de autodeterminação, que ela possa definir seus valores e, quando necessário historicamente, modificá-los.

            Para assegurar a eficácia desta Constituição - Projeto, a interpretação constitucional deve ser orientada pelos valores culturais presentes naquela comunidade, valores estes constantemente discutidos e, quando necessário, modificados pela própria comunidade. Para os comunitaristas, subordinar a deliberação coletiva a uma declaração de direitos individuais, como desejam as teorias liberais, viola justamente o grande direito fundamental comunitarista, que é a deliberação pública livre de impedimentos de qualquer natureza. Além disso, a fundamentação destes princípios morais numa espécie de racionalidade humana impede o reconhecimento do particularismo histórico das diversas identidades culturais, um dos pontos centrais da teoria comunitarista.

 

 

Conclusão:

Conclui-se nesse paper destinou-se identificar as principais diferenças entre as teorias liberais e comunitaristas no que tange à questão da justiça social. Essas interpretações acerca do comunitarismo respondem às principais criticas sofrida pelo liberalismo, visando uma concepção de justiça que integre tanto o universalismo quanto o particularismo. Concluiu-se que o justo e o bem são interpretados como complementares, não estabelecendo uma sobreposição dos direitos individuais em relação aos direitos coletivos, mas, sim, operando com uma concepção de justiça política.

È possível perceber que, dentro das duas correntes, há pontos que estão interligados, já que fazem parte do mesmo complexo teórico, uma tese, o liberalismo, e sua crítica, o comunitarismo. Os comunitaristas devem primordialmente representar um efetivo compromisso com certos ideais compartilhados pela comunidade como um todo, deve ser um autêntico projeto social daquela comunidade, assegurando valores e histórias comuns a todos os seus integrantes.

Referência:

ENCONTRO NACIONAL DO COMPEDI, XIX, 2011, Fortaleza: 2010

GONÇALVES, Gisela. Comunitarismo ou liberalismo?, Universidade da Beira Interios: Set. 1998