A JURIDICIDADE DOS ATOS DISCRICIONÁRIOS NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Por Larissa de Jesus Lima Araújo | 22/06/2018 | Direito

Larissa de Jesus Lima Araújo[1]

Sumário: Resumo; 1 Introdução; 2 Agências reguladoras no Direito Brasileiro; 2.1 Conceitos; 2.2 Características; 2.3 O controle da atuação das agências reguladoras; 3 Do poder de polícia; 3.1 Conceito; 3.2 Origem; 3.3 Atuação; 4. A juridicidade e os atos discricionários; 4.2 A validade dos atos discricionários das agências reguladoras; 4.3 Limites do Poder de Polícia e a discricionariedade; 5 Considerações Finais; Referências

RESUMO

O enfoque deste trabalho está nas mudanças pelas quais o controle judicial dos atos discricionários da Administração Pública vem passando. Posto de outra forma, o trabalho objetiva demonstrar quais foram e quais vêm sendo os fundamentos que constroem tais argumentação. Neste estudo, merecerá análise aprimorada o poder normativo de que as Agências Reguladoras gozam e as implicações que tais atos podem trazer nas relações que travam com os particulares. Há um enfoque quanto à discricionariedade de que é dotado os atos de polícia e os limites ditados, para que a finalidade seja alcançada: bem-estar social.

PALAVRAS-CHAVE: Agências Reguladoras. Administração pública. Poder de polícia. Atos. Discricionariedade.

  1. INTRODUÇÃO

As Agências Reguladoras vêm sendo criadas no Brasil desde a metade da década de 1990 e regulam setores importantes da economia, impactando diretamente na vida dos cidadãos. De modo, se faz necessário entender o fundamento do poder normativos dessas entidades, seja para controlar tais atos, seja para lhes dar validade. Três diferentes teses que tentam explicar o fundamento desse poder têm sido apresentadas: a discricionariedade técnica, a reflexividade administrativa e a discricionariedade administrativa. A discricionariedade técnica relata que o caráter técnico dos atos normativos impediria o controle judicial de tais atos. A reflexividade administrativa também tenta afastar o controle judicial dos atos exarados pela agência reguladora em virtude de tais atos decorrerem de consenso entre os sistemas interessados. Ambas as teses são tentativas de limitar a revisão dos atos normativos pelo poder judiciário e por isso devem ser rejeitadas. A discricionariedade administrativa segue o primado da lei, de forma que a técnica é aplicada apenas para diminuir a quantidade de escolhas, não para fundamentar a escolha presente no ato normativo, nem para afastar a revisão pelo poder judiciário. Esta tese parece a mais adequada para fundamentar e legitimar os atos normativos das Agências Reguladoras.

No direito administrativo brasileiro, a discricionariedade é entendida como a margem de liberdade atribuída ao administrador público para que este cumpra com a finalidade legal a ele designada em face do caso concreto. A discricionariedade tem seus moldes estabelecidos pela lei e por esta é controlada. No entanto, discute-se qual seria a discricionariedade que as agências reguladoras exercem, particularmente, tendo em vista a alta complexidade técnica dos atos registrados.

Contudo, a tese da discricionariedade técnica, quanto a tese da reflexividade administrativa falha num ponto primordial: a inafastabilidade do controle jurisdicional e ao acesso à justiça em face de atos normativos inadequados. Já na discricionariedade administrativa não haveriam obstáculos para a revisão judicial dos atos normativos que já estão regularmente propostos no Direito Administrativo. Cabe então ao Poder Executivo escolher adequadamente as pessoas detentoras de conhecimento técnico no setor a ser regulado.

  1. AGÊNCIAS REGULADORAS NO DIREITO BRASILEIRO
  2. Conceitos

As agências reguladoras criadas até o momento possuem a natureza de autarquias especiais, constituem a Administração Pública Indireta e são vinculadas ao Ministério competente por tratar da respectiva atividade.

Conforme o autor Alexandre Santos de Aragão (2014, p.275), que define Agências Reguladoras como:

Autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração Centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiado cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada à exoneração ad mutum

 

No que tange a serem consideradas como autarquias especiais, explicita Hely Lopes Meirelles (2015, p. 396):

[...] autarquia em regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública. O que posiciona a autarquia como regime especial são as regalias que a lei criadora lhe confere para o pleno desempenho de suas finalidades específicas, observadas restrições constitucionais.

 

Contudo, observa-se que o Estado para atingir seu objetivo com as privatizações dos serviços públicos criou estes entes em regime especial justamente para alcançar êxito em sua finalidade, isto é, garantir que as delegações dos serviços sejam realizadas e fiscalizadas por entidades com autonomia financeira, administrativa e principalmente técnica, e também com uma relativa independência política em relação ao poder executivo.

Outra definição plausível para agência reguladora é a de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2010, p.84) que afirmam não ser possível atualmente estabelecer uma definição científica de agência reguladora, mas esforçam-se para definir:

[...] trata-se de entidades administrativas com alto grau de especialização técnica, integrantes da estrutura formal da Administração Pública, instituída sob a forma de autarquias de regime especial, com a função de regular um setor específico de atividade econômica, ou de intervir de forma geral sobre relações jurídicas decorrentes dessas atividades, que devem atuar com a maior independência possível perante o Poder Executivo e com imparcialidade em relação às partes interessadas (Estado, setores regulados e sociedade).

 

Assim, fazendo-se um crivo dos conceitos abordados, agências reguladoras são pessoas jurídicas de direito público interno, integrantes da administração pública indireta, criadas sob forma de autarquias de regime especial, dotadas de autonomia administrativa, financeira e técnica. Ressaltando que, as agências têm um maior grau de autonomia em comparação às demais autarquias, mas isso não implica que sejam independentes, pois feririam o princípio constitucional da separação dos poderes e da reserva legal.

 

  1. Características

 

Em nosso país, a exemplo de outras legislações, também são recorrentes as questões ligadas à natureza jurídica das entidades reguladoras, os limites da sua independência, a constitucionalidade da legislação ordinária.

Para atingir suas finalidades, as agências reguladoras são investidas de diversas funções que se assemelham as funções dos três poderes do Estado, não interferindo na harmonia e independência, e sequer lesarem funções de outros poderes (CARVALHO FILHO, 2016, p. 495)

Com relação às funções/características das agências reguladoras, conforme Lais Caliu (2006, p.129), há a função normativa que se depreende no momento em que o Estado necessita regular setores econômicos através de regras abstratas. Como ente de administração indireta, elas publicam atos administrativos através de resoluções, portarias e instruções normativas a fim de regular os setores que foram delegados à iniciativa privada. Ressalta-se que esses atos são infra legais se subordinando diretamente à lei instituidora de cada agência sob pena de ilegalidade por ferir o princípio constitucional da reserva legal.

No tocante a função executiva decorre do poder de polícia que este intrínseco a tais entes estatais pela qual a agência impõe que os entes regulados sejam cumpridos as regras estabelecidas sob pena de sofrem sanções administrativas. Assim, as agências executam suas diretrizes técnicas regulando o setor econômico específico situando-se para que haja equilíbrio entre os interesses dos prestadores de serviços delegados e os usuários desses mesmos bens e serviços (LAIS CALIU, 2006, p. 131-132). Nessa mesma linha de função executiva, encontram-se também os procedimentos licitatórios necessários para a delegação, permissão ou concessão de serviços públicos, conforme dispositivo constitucional do art. 175, que concede ao poder público, através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Por fim, existe a função decisória ou judicante das agências em que seus órgãos colegiados de cúpula decidem em última instância administrativa conflitos de interesses entre a agência e o ente regulado ou entre este e os usuários dos serviços. Destaca-se outro aspecto desta função que ocorre quando surge um conflito entre os entes regulados e a agência atua como mediadora, conciliadora ou árbitra no sentido das soluções alternativas de conflitos. Como as agências possuem o conhecimento técnico do setor econômico, ninguém melhor que está para solucionar as incertezas surgidas entre os entes do mercado. Não se trata aqui de decisão jurisdicional, pois a instituição das agências com suas respectivas funções previstas em lei, não afasta o princípio constitucional da apreciação jurisdicional (art. 5º, XXXV da Constituição Federal). Mesmo as decisões em última instância administrativas poderão ser apreciadas pelo Poder Judiciário no tocante à legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, não se adentrando no mérito do ato administrativo da conveniência e oportunidade.

 

  1. O controle de atuação das Agências Reguladoras

 

Ao Tribunal de Contas cabe fiscalizar os gastos públicos, como órgão auxiliar do Congresso Nacional (arts. 70 e 71, II, da Constituição da República). A Carta Magna ampliou consideravelmente essa atividade de fiscalização externa, permitindo o exame das contas por outro ângulo que não o da estrita legalidade e ampliando o controle para abranger todos os entes que recebam recursos públicos.

Este é o sentido amplo do § único, do art. 70:

Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária

.

Sendo a agência reguladora uma autarquia sob regime especial, integrante da administração indireta está, em regra, sujeita à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, sob os olhares da legalidade, legitimidade e economicidade. É nítido, todavia, que as agências não recebem apenas dotações orçamentárias da União, senão que também possuem fontes próprias de recursos. Pertinente pois a lição de Luís Roberto Barroso (2006, p.79) quando considera essencial, para que se abra a possibilidade de fiscalização, tratar-se efetivamente de uso de dinheiro público, quando então até as pessoas privadas estarão sujeitas à prestação de contas.

No âmbito do direito administrativo, Barroso (2006, p. 81) destaca a prevalência dos princípios da razoabilidade, da moralidade e da eficiência, além os da legalidade, da impessoalidade e da publicidade como princípios norteadores da Administração Pública. Acrescenta, ainda, que a atuação das agências reguladoras é dotada de certa discricionariedade, dando ao órgão administrativo certa liberdade de ação, para satisfazer no caso concreto a finalidade da lei, tal discricionariedade decorrente das relativas lacunas em conceitos e prescrições.

A sociedade também exerce controle sobre as agências de várias formas. As mais comuns são a garantia constitucional do direito de petição juntos aos órgãos públicos e a ação popular do art. 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal que garante ao cidadão promover a referida ação visando anular atos lesivos ao patrimônio público e a moralidade administrativa, aplicando-se esse dispositivo às agências reguladoras por serem entidades públicas.

Outra forma de controle social que está sendo bastante utilizada e que é prevista em algumas leis é a audiência pública. Nela a sociedade em geral e a sociedade organizada são convidadas a participarem da consulta antes de a agência tomar alguma decisão, seja para delegação de um serviço ou para a elaboração de uma norma regulatória. Essa consulta prévia é ato obrigatório que pode gerar a nulidade dos atos posteriores, pois são previstos em lei não podendo ser preterida. Tomando um exemplo, a lei 10.233 de 2001 que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre. (FERREIRA FILHO, 2002, p. 140-141)

Também existe a audiência pública como forma de controle, pois nesse caso, os usuários são ouvidos para manifestarem-se sobre a qualidade da prestação de um serviço público que foi delegado à iniciativa privada. A partir dos elementos colhidos em audiência, é possível a agência tomar medidas cabíveis para fazer com que a qualidade da prestação não seja prejudicada. (FERREIRA FILHO, 2002, p. 143-144)

Por fim, é inegável que as ouvidorias também são formas de controle social. Ali o usuário pode fazer as reclamações, críticas e sugestões que bem entender, e ainda denunciar alguma ilegalidade praticada pelo prestador do serviço ou por um agente da própria agência reguladora, sendo-lhe assegurado o anonimato, característica eminentemente democrática desse controle. (FERREIRA FILHO, 2002, p. 145)

No que concerne ao controle administrativo consiste no reexame no âmbito interno de atos regulatórios da agência. Pode se originar de ofício pela própria agência conforme o princípio da autotutela pelo qual a administração pública pode anular seus próprios atos que forem ilegais, ou ser provocado pelo agente regulado.

Das decisões proferidas em primeira instância administrativa das agências é previsto em lei o direito recursal para uma instância superior objetivando rever a decisão, em consonância ao princípio constitucional do duplo grau de jurisdição, muito embora, não sejam essas decisões genuinamente de jurisdição porque somente ao poder judiciário isto lhe é incumbido a fim de não interferir na separação dos poderes.

De acordo com Bandeira de Mello (2015, p. 139):

[...] dado que as autarquias são pessoas jurídicas distintas do Estado, o Ministro supervisor não é autoridade de alçada para conhecer de recurso contra seus atos, pois inexiste relação hierárquica entre este e aquelas, mas apenas os vínculos de controle legalmente previstos.

 

No entanto, dentro desse processo administrativo de controle interno dos atos da própria agência vale bem frisar que tal espécie de controle interno se fundamenta no Estado Democrático de Direito, exigindo-se do Poder Público que, no desempenho de suas funções, possa sempre auferir a justiça.

Por fim, o controle judicial que se aplica o princípio constitucional da inafastabilidade da apreciação jurisdicional do art. 5º, XXXV da Constituição Federal.

Então, mesmo que exista coisa julgada administrativa exarada pela agência reguladora, nada impede que o interessado que se sinta prejudicado pela decisão final ingresse no Poder Judiciário a fim de reverter a situação. Isso vale tanto para o agente regulado quanto para os usuários dos serviços públicos.

Assim manifesta Carlos Ari Sundfeld (2000, p.26): “[...] a Administração Pública, aí incluídas as agências, tem de produzir e aplicar Direito na forma do Direito; e o Poder Judiciário vai controlá-lo”. No entanto, as normas abstratas produzidas pelas agências reguladoras que visam a regular o setor econômico que foi delegado não poderão ser controladas pelo Supremo Tribunal Federal, pois não podem ser objetos de ação direta de inconstitucionalidade.

Ademais, deve-se destacar também que a doutrina e a jurisprudência já sedimentaram entendimento no sentido de que o controle jurisdicional dos atos administrativos se limita na verificação da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade do ato, não podendo o judiciário enfrentar o mérito do ato no que diz respeito à conveniência e oportunidade da administração, sob pena de afrontar o princípio constitucional da separação dos poderes. Além disso, os atos regulatórios advindos das agências são intimamente técnicos e essa discricionariedade não pode ser controlada judicialmente, razão pela qual se firma ainda mais a agência na sua autonomia técnica em benefício da sociedade. (BANDEIRA DE MELLO, 2015, p. 157)

 

  1. DO PODER DE POLÍCIA

 

  1. Conceito

 

Pelo conceito clássico, atrelado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia compreendia a atividade estatal que limitava o exercício dos direitos individuais em benefício da segurança (DI PIETRO, 2016, p. 116).

Pelo conceito moderno, adotado no direito brasileiro, o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público (DI PIETRO, 2016, p. 117). Assim sendo, este interesse público diz respeito a vários setores da sociedade, como: segurança, ordem social, moralidade,  saúde, educação,  propriedade e outros.

Vejamos alguns conceitos abordados pelos autores, como Hely Lopes Meirelles (2015, p. 147) que assevera que o Poder de Polícia é um instrumento posto à disposição da Administração Pública para que esta possa intervir de modo coativo sobre os cidadãos e administrados do Estado. Assim, vem a ser uma faculdade representada pelo Poder de Império que o Estado possui.

Por outro lado, Cretella Júnior (2009, p. 549) explicita que o Poder de Polícia é a faculdade discricionária do Estado de limitar a liberdade individual ou coletiva, em prol do interesse público.

No direito brasileiro, encontra-se conceito legal de poder de polícia no artigo 78 do Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25/10/1966), que dispõe:

Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único: Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

 

Assim, conforme todos os conceitos acima descritos, entendemos se possa conceituar o poder polícia como a prerrogativa de direito público que, posta na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade, tais como a proteção dos bens, da liberdade, da saúde, da economia, da moralidade, da ordem social, jurídica, propriedade pública e particular, necessários à manutenção do bem-estar.

 

  1. Origem

 

A palavra polícia origina se do grego politeia, e do latim politia, ligado com o termo política, ao vocábulo polis sendo utilizado para designar todas as atividades da cidade-estado.

Na Idade Média, durante o período feudal, o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politiae e que designava tudo o que era necessário para a boa ordem da sociedade civil sob autoridade do Estado.

No final do século XV, o jus politiae volta a designar, na Alemanha, toda a atividade do Estado, compreendendo poderes amplos de que dispunha o príncipe, de fiscalizar a vida privada dos cidadãos, sempre sob o pretexto de alcançar a segurança e o bem-estar coletivo. No entanto, logo se estabeleceu uma distinção entre a polícia e a justiça; a primeira compreendia as normas baixadas pelo príncipe, relativas à Administração, e eram aplicadas sem possibilidade de apelo dos indivíduos aos Tribunais. A segunda compreendia normas que ficavam fora da ação do príncipe e que aplicadas pelos juízes. Esse direito de polícia do príncipe foi sofrendo restrições em seu conteúdo, deixando de alcançar, paulatinamente, primeiro as atividades eclesiásticas, depois as militares e financeiras, chegando a um   momento que se reduzia as normas relativas à atividade interna da Administração. (DI PIETRO, 2016, p.115).

Em síntese, nessa fase, conhecida como Estado de Polícia, o jus politiae compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que se colocavam fora do alcance dos tribunais.

Mas foi no começo do século XVIII, a polícia passa a corresponder a atividade pública interna. A partir daí o sentido amplo de polícia, dando lugar à noção de administração pública. O sentido de Polícia se restringe, principalmente sobre influência das ideias da Revolução Francesa, da valorização dos direitos individuais e das concepções de Estado de Direito e Estado Liberal (DI PIETRO, 2016, p.116).

No direito brasileiro, a Constituição Federal de 1824, em seu art. 169, atribuiu a uma lei a disciplina das funções municipais das câmaras e a formação de suas posturas policiais; a lei de 1º de outubro de 1828, continha denominado Posturas Policiais (DI PIETRO, 2016, p.116).

A partir desse momento, firma-se no nosso ordenamento jurídico o uso da locução Poder de Polícia, para definir o poder da Administração Pública e de limitar o interesse público.

 

  1. Atuação

 

O poder de polícia se ampliou muito, hoje é encontrado em pleno exercício diversos setores da Administração Pública sempre com a finalidade de garantir o bem-estar geral. Observa-se que, o poder de polícia possui um âmbito ocorrência bastante amplo sendo organizado em toda atividade estatal. A atuação do poder de polícia se dá inicialmente através de atos normativos de alcance geral e também de atos específicos e concretos.  

Ensina Di Pietro (2016, p. 154) que:

Como todo ato administrativo, a medida de polícia, ainda que seja discricionária, sempre esbarra em algumas limitações impostas pela lei e mesmo com relação aos motivos ou ao objeto ainda que a Administração disponha de certa dose de discricionariedade também deverá exercida nos limites traçados pela lei.

 

Sabe-se da importância em impor limites as medidas de polícia até mesmo quando nos referimos a sua competência e à forma, isso se faz necessário para que não aconteça o abuso de poder. Podem ser observadas também como forma de limitação: a finalidade do poder de polícia, pois este poder só deve ser exercido para atender ao interesse público, até mesmo com a lei colocando à disposição várias alternativas possíveis os meios de ação do poder de polícia ainda assim sofrem limitações.

Nesse sentido, Meirelles (2015, p. 145) destaca que:

Sob a invocação do poder de polícia não pode a autoridade anular as liberdades públicas ou aniquilar os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados na Constituição, dentre os quais se inserem o direito de propriedade e o exercício de profissão regulamentada ou de atividade lícita.

 

Quando a polícia administrativa for exercer seu poder, sempre deverá respeitar as liberdades públicas e os direitos individuais previstos na Constituição Federal, caso contrário, não será considerado legítimo e proporcional o seu ato. A coibição do exercício de poder de polícia, quando houver excessos, é feita pelo controle judicial ou administrativo podendo ainda não haver prejuízo da responsabilidade criminal, civil e administrativa dos servidores envolvidos, porém cabe indenização ao lesado através do art. 37, § 6.º da CF.

 

  1. A JURIDICIDADE E OS ATOS DISCRICIONÁRIOS

 

  1. A validade dos atos discricionários das Agências Reguladoras

 

A atividade da Administração Pública, seja ela vinculada ou discricionária, está pautada nos ditames legais, isto é, um ato administrativo necessita de uma lei que o autorize e o justifique, pois é submisso e dependente de uma normatização legal prévia.

Conforme assevera Bandeira de Mello (2000, p. 11-12), o Estado de Direito deve se sujeitar sempre aos parâmetros da legalidade. Segundo o autor, o Estado de Direito é o produto da junção do pensamento de ROUSSEAU e de MONTESQUIEU. Rousseau parte da premissa da igualdade, sustentando a soberania popular, que em sua obra defende o ideal de democracia, em que o poder estatal seria o resultado direto da vontade dos indivíduos que formam o todo social (a existência de um contrato social). Por outro lado, Montesquieu se baseia no pensamento de que todo aquele que tem poder tende a abusar dele. Assim, para se evitar tiranias, é preciso limitar o poder, tal raciocínio surge da separação dos poderes.

Partindo do pressuposto dos dois pensamentos anterior, formou o modelo do Estado de Direito. Se partirmos da premissa de que todo poder emana do povo e de que há a tripartição no exercício do poder (artigos 1°, §1° e 2°, da Constituição da República de 1988), a atuação estatal, sobretudo a administrativa, não é mais do que o cumprimento dessa vontade geral estabelecida, num primeiro momento, na norma constitucional, e, em seguida, na lei.

Bandeira de Mello (2000, p. 48) conceitua a discricionariedade da seguinte forma:

A competência administrativa (não mera faculdade) de avaliar e de escolher, no plano concreto, as melhores soluções, mediante justificativas válidas, coerentes e consistentes de conveniência ou oportunidade (com razões juridicamente aceitáveis), respeitando os requisitos formais e substanciais da efetividade do direito fundamental à boa administração pública.

 

Assim, fazendo uma correlação dos atos discricionários com as agências reguladoras, chega-se à conclusão de que a discricionariedade, assim como as agências reguladoras, não se apresenta como uma faculdade a ser exercida de cunho pessoal do agente administrativo, mas como o dever a ele atribuído de exercer suas funções públicas de modo a atender o interesse público. Assim, como bem colocou o autor, “a autonomia do aplicador é limitada pela necessidade de realizar certo fim.

 

  1. Limites do Poder de Polícia e a discricionariedade

 

Outra característica que se costuma atribuir à polícia administrativa é a de que a mesma consiste numa faculdade discricionária da Administração. A Administração Pública goza de diversos poderes e prerrogativas para garantir a busca do interesse público. Esses poderes estão limitados pela previsão legal, pelo princípio da legalidade, que serve para impedir abusos de poder por parte dos administradores públicos. Ato discricionário é aquele em que o administrador público pode optar por mais de um comportamento previsto em lei. Há margem de liberdade para que ele possa atuar, porém, dentro do limite legal, ou seja, o ato de polícia tem de estar de acordo com a lei. Nem sempre a lei conferirá ao administrador margem para atuar, mas quando tiver, terá que optar entre as possíveis soluções valendo-se de conveniência e oportunidade (CARVALHO FILHO, 2016, p. 61).

Ensina Cretella Júnior (2009, p. 52-54):

O poder de polícia informa todo o sistema de proteção que funciona, em nossos dias, nos Estados de direito. Devendo satisfazer a tríplice objetivo, qual seja, o de assegurar a tranquilidade, a segurança, a salubridade públicas, é a competência para impor medidas que visem tal desideratum. É a faculdade discricionária da Administração de limitar as liberdades individuais em prol do interesse coletivo.

 

Para Lucia Vale Figueiredo (2000, p. 190), o que diferencia os atos discricionários dos vinculados é que este é praticado quando o administrador está diante de conceitos unissignificativos, isto é, conceitos que admitem solução única. De outra parte, discricionários são os atos em que o administrador tem opções diferentes, e independentemente da qual for escolhida, haverá o cumprimento da norma legal. Embora a discricionariedade esteja presente na maior parte das medidas de polícias, nem sempre ela ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade para o administrador quanto à apreciação de determinados elementos, como o motivo ou o objeto do ato, ou até mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir a atuação de polícia. Porém, em outras hipóteses, a lei estabelece que diante de determinadas condições, a Administração terá que adotar solução prevista em lei, sem qualquer possibilidade de escolha.

Importante salientar, como dito anteriormente, que o ato discricionário deve ser praticado nos limites da lei, e, preenchidos todos os seus requisitos, não ser confundido com ato arbitrário, que é contrário a lei e, no entanto, um ato inválido.

 

REFERÊNCIAS

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: O papel das agências reguladoras e fiscalizadoras, in: Agências reguladoras, Alexandre Moraes (organizador). São Paulo: Atlas, 2002.

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_________, Celso Antônio. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2. ed. São Paulo: Malheiros. 2000.

SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. São Paulo: Malheiros, 2000.

CRETELLA JÚNIOR. José. Curso de Direito Administrativo.17ª Edição. Rio de Janeiro: Forense,2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2016.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CALIL, Laís. O Poder Normativo das Agências Reguladoras em face dos Princípios da Legalidade e da Separação de Poderes, em Agências reguladoras e democracia. Rio: Lumen Iuris, 2006.

 

 

[1] Aluna do 7º período noturno, do curso de Direito, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;

 

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