A IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS...

Por Altanir Gonçalves de Almeida | 20/11/2016 | Sociedade

A IRMANDADE DE NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS, COMO INSTRUMENTO DE RESISTÊNCIA NEGRA EM SALVADOR

Resumo 

A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, é conhecida em Salvador por ser um local que abriga religiosidade e cultura, dois temas importantes para uma cidade que traz na sua origem uma carga hereditária AFRO. O presente trabalho tem como objetivo analisar a importância da Irmandade, levando em consideração o sincretismo religioso, que mantem o elo entre adeptos do candomblé e catolicismo.  Tivemos por bem, falar sobre as hierarquias estabelecidas na Irmandade do Rosário, e também seu papel de segregar homens e mulheres e suas respectivas classes sociais. O presente artigo, identificando os meios em que a Irmandade, se destaca ou apresenta-se como ambiente de resistência negra em Salvador, deparou-se com intervenções da religião vigente a fim de romanizar os advindos de outros continentes, optou por fazer releituras de seus cultos, ou seja, inculturar os cultos seria uma forma de trazer os negros a professarem a fé católica. Em seguida fez-se necessário um breve estudo sobre as raízes ancestrais do candomblé para uma maior compreensão da realidade transcendente que se faz intrínseca com a natureza e em consequência com a natureza humana. Daí a comparação dos santos católicos com os orixás do candomblé, resultando no sincretismo religioso ao qual o candomblé ficou subjugado por muito tempo. Hodiernamente não se fazendo mais necessário pela sanção da Lei nº 12.288 de 10 de julho de 2010, sobre a liberdade de culto, conferindo plenos poderes de culto às religiões de matriz africana, que podem atuar, livremente e dessa forma dá liberdade as características próprias da matriz AFRO.

1 INTRODUÇÃO 

Durante grande parte do século XVIII, pelo menos até o momento em que os bantos constituíram o maior contingente de africanos trazidos para o Brasil e para a Bahia, a Irmandade do Rosário dos Pretos do Pelourinho foi formada, basicamente, por negros de Angola e seus descendentes, segundo informações de Cássia (2001). Lembrando-se que no ano de sua fundação, 1685, a irmandade tinha na sua maioria o povo angolano, mais ao adentrar o século XIX, começaram a ingressar crioulos, jejes e outros povos africanos, apesar de serem de tradições diferentes do povo angolano.

Conforme Cássia (2001), de início, as irmandades africanas dividiram-se conforme suas etnias de origem, pois para as classes que as administravam era necessário manter as rivalidades étnicas entre os grupos existentes no Brasil no ápice da escravidão.

O ensino, a catequese a todo africano escravizado, afirma Souza (2007), era de obrigação dos senhores. Essa catequese deu embasamento para as supostas organizações e novas comunidades negras, que mais tarde se tornariam as irmandades leigas de devoção.  Essas irmandades eram tidas tanto pela igreja católica quanto pela administração colonial como instrumentos de controle sobre as comunidades negras, seus costumes, suas crenças a fim de construir por meio da prática do catolicismo uma nova identidade do povo negro.

Este trabalho tem como objetivo analisar a importância da Irmandade, levando em consideração o sincretismo religioso, que mantem o elo entre adeptos do candomblé e catolicismo.

O artigo torna-se importante pela cidade de Salvador, abrigar cerca de 75% de negros fora da África, e muitos serem adeptos ao sincretismo religioso por não conhecerem  suas raízes, uma vez que os negros, seus antepassados  que atravessaram o continente, trouxeram seus orixás a quem cultuavam.  A fé e a crença por sua vez, torna-se perceptível em Salvador, por comportar uma sociedade multicultural e multireligiosa.

Para analise foi utilizada a metodologia de revisão bibliográfica e documental por meio da leitura e análise das mais variadas obras relacionadas ao tema supracitado a fim de encontrar as possíveis contribuições na manutenção e na ligação entre os adeptos do candomblé e católicos, que se uniu e deu origem ao que hoje se tem como sincretismo religioso.

2 A IRMANDADE DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS E SEU PAPEL NA CIDADE DE SALVADOR 

2.1 Ereção da Igreja sede e as distinções hierárquicas dentro da Irmandade do Rosário.        

A Irmandade do Rosário dos homens pretos em Salvador nasce por volta de 1685. De acordo com Carneiro (1954), a data de fundação dela é de origem desconhecida, porém já se encontrava em funcionamento naquele ano.

Conforme estudos realizados por Cássia (2001), em 1685 que a Irmandade do Rosário dos Pretos foi proclamada como tal na Sé Catedral. E só entre os anos de 1703-1704, no início do século XVIII, que se conseguiu erigir a capela de devoção própria às Portas do Carmo. Era de suma importância a aquisição de um ambiente em que seus membros pudessem se reunir, tanto para a realização dos cultos quanto para as atividades sociais voltadas ao povo negro.

O século XVII foi tomado por inúmeras tentativas e iniciativas para obtenção de um terreno próprio da irmandade, daí a doação de um terreno por D. João V, iniciando-se a construção da igreja e sua conclusão em 1781. De acordo com Cássia (2001), foram feitas várias restaurações envolvendo de acordo com o consistório: o cemitério, o retábulo da capela mor e o telhado da igreja.

As irmandades foram um dos meios de maior concentração do povo negro para que houvesse a conversão e até mesmo a submissão de diversos grupos étnicos; índios, mouros e negros, ao catolicismo. Pois nos confirma Scarano (1976), que no Brasil, inúmeras irmandades eram submetidas e controladas pela coroa portuguesa, sendo frequentes a fiscalização pelo setor eclesiástico. E que a maioria das permissões para ereção de igrejas foram concedidas pelo poder régio.

Conforme Souza (2007), as irmandades eram associações leigas, voltadas para o culto de um santo, o seu orago, padroeiro. 

Cada irmandade tinha um santo de devoção, cujo altar era mantido por ela. A maioria das igrejas coloniais foi construída por irmandades, que também eram responsáveis pela sua manutenção. As irmandades possuíam bens, como a própria igreja, mais principalmente imagens de santos e objetos utilizados nos cultos religiosos. Além de cuidar do patrimônio que pertencia ao conjunto de irmãos – nome dado pelo qual eram chamados os seus membros [...]. (SOUZA, 2007, p. 116). 

As responsabilidades que cabiam aos membros das irmandades eram cuidar da festa de seu padroeiro, sendo que os principais santos de devoção das irmandades de “homens pretos” segundo Souza (2007), eram Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Além de cuidar do culto ao santo, ficavam responsáveis pelo enterro dos irmãos mortos, ajudavam as famílias dos falecidos se não possuíssem recursos e encomendavam missas em sufrágio.

Eram ainda de responsabilidade, cuidar dos irmãos enfermos e comprar a carta de alforria de alguns.

A isso nos atenta Cássia (2001) que a Irmandade do Rosário dos Pretos teve a necessidade de expandir sua base de sustentação em relação aos seus agregados, e em conseqüência sua economia, essa que por sua vez garantia o prestígio em meio a sociedade e demonstrava por meio da suntuosa ornamentação da igreja, na detenção das melhores indumentárias e dos grandiosos cortejos processionais e funerais.

Para Lahon (1999 apud SIMÃO, 2010), seria provável que uma das principais razões que induziram os negros a adentrarem nas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário tenha sido o acolhimento dos negros, independente de seu estado, condição ou qualidade. “Ninguém era obrigado, para ser aceito como membro da associação, grandes contribuições financeiras, o que em tese possibilitava o acesso de pessoas sem muitas posses ou meios financeiros.” (CÁSSIA, 2001).

            Para aqueles que desejassem fazer parte da mesa da confraria, mesa essa que cuidava da parte burocrática da Irmandade tinha que seguir os seguintes quesitos, que de acordo com o Compromisso de 1820, era exigido: 

Ser pessoa livre, para que sejam promptos em exercer e satisfazer os actos de Irmandade livre d’lgua infamia a que está sujeita a condição servil. Ressalta que pessoas sujeitas poderiam exercer os cargos de mordomo da Festa, desde quando pudessem cumprir suas obrigações e satisfazer as exigências econômicas de costume, assim como, serem Irmãos da Mesa desde quando tivessem bom procedimento e seu cativeiro fosse suave. E que as Juízas, Mordomas, Procuradoras, poderiam ser escravas, porque pela qualidade do sexo não exercitão acto de Mesa. No entanto, acentua que em nenhum caso, poderiam ser escravos, os elementos responsáveis pela direção da Irmandade, ou seja, Juizes, Escrivões, Tesoureiro, etc. (BACELAR e SOUZA, apud. CÁSSIA. 1974). 

2.2 A participação das mulheres na Irmandade

Para Santana (2011), em relação a participação mais direta das mulheres nas irmandades, inclusive nos cargos significativos existem poucos estudos.

Analisando o Compromisso regente da Irmandade (1872, 1949 e 2003), observamos que: 

Será preciso para argumento das festividades da nossa padroeira, a designação de três juízas de festa. Para que se escolha uma, dentre as irmãs mais dedicadas ao culto e que reúnam estado moralizado, e aptidão pousa louvável desempenho deste cargo e bem assim mais doze mordomas 5. (COMPROMISSO de 1872, Art.11, p.9). 

 Daí, vemos vestígios da mudança da realidade feminina na Irmandade do Rosário, podemos perceber mais a frente: “Com a reforma do compromisso de 1949 provavelmente pela pressão do movimento feminista mundial, as mulheres da Irmandade questionavam na divisão do poder. Nesse processo foi criada uma Mesa de Honra formada por mulheres [...]”. (SANTANA, 2011, p. 4). 

[...]

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