A inversão entre contemplação e ação na era moderna
Por cleverson alves | 31/01/2012 | Filosofia
A Inversão entre Contemplação e Ação na Era Moderna
Cleverson Alves[1]
Resumo: Este artigo procura tematizar sobre a inversão entre contemplação e ação, explicitando as conseqüências desse evento para a Era Moderna. É a partir deste evento histórico que poderemos compreender melhor nossa maneira de conceber a experiência, e a configuração de mundo moderno oriundos da super valorização da técnica em deterioração da filosofia.
Palavras – chave: Contemplação. Ação. Descartes. Era Moderna
Introdução
A Era Moderna compreendida cientificamente se desenvolve entre os séculos XVII com a ciências naturais se estendendo até o século XX. Neste período denominado Era Moderna com as ciências se desencadeou uma série de descobertas que trouxe conseqüências para o mundo moderno. Dentre as descobertas destacamos a de Galileu com a invenção do telescópio e de que é a Terra que gira em torno do Sol e não ao contrário como até então se acreditava. Com o invento de Galileu, ocorreu a partir de Descartes transformações para a filosofia e também para a vida do homem nas suas diferentes dimensões. Aquilo que se acreditava que a Terra era o centro do universo e, agora com descobrimento do telescópio o próprio homem é levado a rever seus próprios conhecimentos ate então apreendidos, colocando esses em dúvida e ocorrendo assim a introspecção humana. É com objetivo de investigar a inversão entre contemplação e ação tentando compreender como se da essa inversão na Era Moderna e suas conseqüências para os homens, é que esse trabalho é dividido em duas partes. Na primeira procura-se fazer uma análise dos três tópicos que compõe o primeiro capítulo de A condição humana de Hannah Arendt, tematizando as inversões entre contemplação e ação para, então compreender como ocorreu a inversão entre contemplação e ação na Era Moderna e as conseqüências que esse fenômeno histórico trouxe para a vida humana e o mundo moderno pretensão da ultima parte.
1 A Inversão entre contemplação e ação nas suas origens
É em sua obra A condição humana que Hannah Arendt apresenta a inversão entre contemplação e vida ativa retornando para isto nos gregos antigos. É precisamente no primeiro capitulo de sua obra dividida em três tópicos que ela apresenta tal inversão.
Ao tratar da vida ativa no primeiro capítulo da obra, Arendt faz a parir dos três modos de vida dignos de um homem entendidos segundo a concepção aristotélica. Estes modos dignos do homem são opostos aqueles dos escravos, pois estes não são livres e tem que se dedicar ao trabalho para sobrevivência e estarem submissos aos seus senhores. Assim também, eram a vida dos artesãos que trabalhavam para garantir sua sobrevivência e, dessa maneira esses modos de vida do escravo e do artesão não condiz com o modo de vida dos homens livres e iguais.
O modo de vida próprios dos homens livres se ocupam do que é “belo” e, por isso, não sofrem coação, isto é, escolhem livremente. São esses os modelos de vida dignos – a vida dedicada aos prazeres, onde o belo é consumido, a vida política que é a esfera da ação do homem, e a vida do filosofo onde a beleza é contemplada em si mesma, sendo o tipo de vida dedicada às coisas eternas.
Nesse sentido Aristóteles difere a vida dos escravos e artesãos da dos homens livres, colocando essa ultima num patamar mais elevado em relação aos outros. Aristóteles entendia que para se exercer a ação política o homem livre tinha que se liberar das funções da casa (óikos) que eram as funções de sobrevivência para se dedicar totalmente a esfera da ação. Esse espaço entendido como deliberação e administração da polis. Porém, com o advento do cristianismo o conceito de vida ativa advinda da atividade política sofreu um grande empobrecimento e passou a ser compreendida como enganjamento nas coisas desse mundo, agora passando a vida do político sendo da mesma espécie da do escravo e artesão. Por fim, a vida do político deixou de ser espontânea transformando-se em condição para a vida terrena. Desse modo, a vida política traduziu-se em suprir necessidades e coisas úteis. De resto a vida contemplativa passa a ser tida como a única forma de vida digna do homem, dando-se então a inversão de valores entre vida ativa e contemplativa, onde essa ultima passa ser verdadeiramente a vida do homem livre.
A vida ativa era tida como uma vida inquietante, pois a expressão vida ativa “compreendendo todas as atividades humanas e do ponto de vista da absoluta quietude da contemplação, corresponde, portanto, mais a askholia grega (ocupação, desassossego) [...] que a bios pólitikos dos gregos” (ARENDT, 2005, p. 23), ao passo que agora os filósofos passam a recomendar o afastamento dessa vida, sendo que apenas uma vida na quietude da contemplação permitiria ao homem chegar a perfeição. “É como a diferença entre a guerra e a paz: tal como a guerra ocorre em beneficio da paz, também todo o tipo de atividade, até mesmo o processo do mero pensamento, deve culminar na absoluta quietude da contemplação.” (ARENDT, 2005, p. 23). Conclui-se, então, que o homem realmente livre não é mais o homem político, mas o contemplativo. Assim a vida ativa foi embaçada pela vida contemplativa, sendo que a primeira passaria agora a ser serva da contemplação dando a este o que lhe falta.
Arendt trata de modo mais detalhado os conceitos de vida ativa e vida contemplativa ao distinguir estes por eternidade e imortalidade. O primeiro tem a ver com o que em metafísica convencionou-se em chamar de trasncedente, ou seja, aquilo que não pertence a esse mundo, definindo-se aquilo que esta alheio ao temporal, sendo que não esta colocado ao fluxo do tempo, permanece fora dele. O segundo, a imortalidade, ao contrario da primeira, pertence a este mundo, é continuidade no tempo. Assim o homem era o único ser no cosmo mortal, os animais eram imortais por se perpetuarem pela espécie. Diferente da vida dos outros seres que é cíclica, a do homem é linear sendo que começa com o nascimento e termina coma morte.
Portanto, a distinção entre animais e humanos é que o primeiro, pela procriação perpetua a espécie, e para o homem não existe procriação uma vez que a humanidade é singular não existindo assim algo que o torne imortal. Diante da certeza de sua condição irrompe com a tentativa do homem em tornar-se imortal neste mundo. Porém, ele descobriu que pode se tornar imortal através de suas obras e feitos. Pelas suas ações o homem pode, então, neste mundo tornar-se imortal como os demais. Pela sua faculdade de produzir coisas imortais neste espaço o homem poderia se tornar divino. Este então é o objetivo do homem, tornar-se imortal e eterno, pois, somente aqueles que “provam ser os melhores e que ‘ preferem a fama imortal às coisas mortais’, são realmente humanos; os outros satisfeitos com os prazeres que a natureza lhes oferece, vivem e morrem como animais”. ( ARENDT, 2005, p. 28).
Logo, são suas obras e feitos - a ação – portanto, que tornaria os homens imortais, de modo que é pela vida ativa e não pela vida contemplativa que os homens podem alcançar a eternidade. Para os gregos que não acreditavam em vida após a morte, modo como os homens se perpetuavam nesse mundo é pela lembrança. As ações e feitos ficam que como legados para outras gerações que quando assim virem o que foi feito lembram do seu agente. Mas é com Platão que ocorre uma inversão: o homem deixa de lado suas ações e feitos – sua eternidade - conquistados na esfera da ação política para voltar-se a contemplação desta vez preocupado com a eternidade de ordem metafísica. A experiência da volta a metafísica é explicita no mito da caverna de Platão onde “ o filosofo, tendo-se libertado dos grilhões que o prendiam aos seus semelhantes, emerge da caverna, por assim dizer em perfeita ‘singularidade’, nem acompanhado, nem seguido de outros. Politicamente falando, se morrer é o mesmo que ‘deixar de estar entre os homens’, a experiência do eterno é uma experiencia de morte; a única coisa que a separa morte real é que não é final porque nenhuma criatura viva pode suportá-la durante muito tempo” (ARENDT, 205, p. 29)
Logo, isso traduz que contemplação é o lugar por excelencia da experiência da eternidade do homem, diferente daquela dos feitos e ações onde a eternidade ocorre pela lembrança desses. Portanto, a sobreposição da vida contemplativa sobre a ativa ocorreu não com especulação filosófica mas com a filosofia cristã. Assim com a queda do Império Romano a história adotou a seguinte máxima - a ação humana não pode durar para sempre e, logo, o homem não pode tornar-se eterno pelas ações desenvolvidas na esfera publica, passando a vida ativa a serva da contemplação
2 Inversão entre contemplação e ação na Era Modernas e suas conseqüências
Com as descobertas da Era Moderna principalmente a de Galileu que com a invenção do telescópio proporcionou a descoberta de que não é o Sol que gira em torno da Terra, mas o contrário. Com esse evento ocorre a introspecção humana, enfatizando Descartes que com o invento de Galileu que coloca o ponto arquimediano tido antes como ponto fora da Terra para dentro do ser humano. Desse modo na Era Moderna se é colocada a incerteza ao próprio homem e sua introspeção. Com a incerteza do mundo produzido no homem por causa do telescópio, agora toda a certeza de algo é transferido para a subjetividade do homem. Com Descartes se inaugurou a dúvida universal, entendida como evento que provocado pela descoberta de Galileu fez com que Descartes revesseos conhecimentos até então adquiridos pelos sentidos colocando-os em duvida. A partir daí o critério para validade do conhecimento passa a ser o próprio pensamento humano. O conhecimento valido passa a ser aquele que pode ser experenciado no mundo, ou seja, pela ação. A verdade antes adquirida através da contemplação é agora permitido pela ação. A inversão que ocorreu na Era Moderna entre contemplação e ação configurou-se como credito para verdade o que pode ser produzido pela mente humana e experimentado com a realidade. Ou seja, as idéias inatas estão no sujeito que se desenvolve na experiência.
As conseqüências, geradas com a inversão entre contemplação e ação, na Era Moderna é traduzido na diferença entre saber e saber fazer. O problema foi que as duvidas de Descartes ocorreu da descoberta de Galileu, ou seja, a partir de uma descoberta da ciência. E esta aproximação entre a duvida de Descartes com a descoberta heliocêntrica , aproximou a filosofia das ciências naturais fazendo com que a ciência tomasse o lugar da filosofia. Em outros termos a filosofia - forma de vida contemplativa - passou a estar em segundo plano em prol da ciência com a ação.
Na Era Moderna a ciência com sua primazia manipula todo a realidade na tentativa de provar as coisas do mundo. Ou seja, a ciência trabalha com experimentos num circulo vicioso, partindo de especulações humanas elabora hipóteses e modifica o objeto, até que este seja provado por ela, caracterizando a ciência como dona da Verdade. A prova da verdade das coisas esta no mundo. Filosofia por tratar com conceitos puramente metafisios não tem capacidade de acessar a realidade. Resta a ciência essa função. Então, a partir da manipulação dos objetos a ciência consegue provar aquilo que deseja e, o mundo confere supostamente a ela como meio verdadeiro de concebermos as coisas.
A ciência cria pressupostos validando seus conhecimentos através de produção de hipóteses e comprovação destas, criando suas teorias. Tudo isso para mostrar como se da mesmo o conhecimento e, que esse se dá na prática (ação), ou seja , no saber fazer.
A suposta inversão diz respeito a relação teoria e prática. Antes com a contemplação o homem se preocupava com os caminhos para se chegar a Verdade. Agora o que interessa não é a questão por onde, mas como. Não se visa a teoria, mas a prática. Segundo Arendt “ [...] a experiência fundamental que existe por trás da inversão das posições entre a contemplação e a ação foi precisamente que a sede humana de conhecimento só pode ser mitigada depois que o homem depositou sua fé no engenho das próprias mãos. Não que o conhecimento e a verdade já não fossem importantes , mas só podiam ser atingidos pela ação e não pela contemplação” (2005, p. 303). Neste indicativo é explicito de que todo o conhecimento real é depositado na esfera da ação e, portanto da ciência que tem predominância sobre a técnica . A partir da Era Moderna há uma super valorização da técnica em sobreposição da teoria. O conhecimento, assim, tem haver com aquilo que o homem produz.
Com a confiança depositada na técnica o homem ficou cada vez mais dependente desta fazendo com que não se dedique mais aos bens cotidianos, mas a sobrevivência. Então, o conhecimento passa a ser dado pela ação. Todas as hipóteses elaboradas pela ciência só se confirmam a partir da realização do pensamento e da realidade. São as relações entre meios e fins. Se acham os meios para se atingir os fins precisos.
Por fim, o homem só conhece realmente aquilo que ele produz. A técnica passa a ser o meio para isso. A sociedade da tecnologia da qual o mundo moderno é marcado vem cada vez mais reforçar a idéia, que o saber fazer esta acima de qualquer outra verdade e que os homens cada vez mais passam a confiar na ciência como este verdadeiro meio para o qual se acessa o conhecimento. Toda a verdade não encontra-se fora do homem e que esse tem que buscá-la, mas reside em si mesmo e pode ser provada pela sua ação no mundo, cujas transformações são produtos de suas mãos. A filosofia resta apenas questionar a Verdade e os fundamentos produzidos pela ciência, uma vez que essa é colocada em sobreposição a outra. A filosofia esta condenada a seguir o que é ditado pela ciência , dando a filosofia o papel de refletir sobre a ela e seus conhecimentos. Segundo Arendt, “ depois que Descartes passou baseou sua filosofia nas descobertas de Galileu, a filosofia parece condenada a seguir sempre um passo atrás dos cientistas e suas descobertas [...]”. (2005, p. 307)
Conclusão
A busca pelo verdadeiro conhecimento desde os primórdios da existência humana sempre foi uma incógnita. Entre os gregos antigos a esfera da ação era o lugar especifico para o conhecer. Mas foi com a vida contemplativa que se radicalizou a busca pelo saber. O saber é algo a ser buscado e isso acontece na esfera contemplativa através do silêncio. O que importa ao conhecimento é o percurso que é feito para chegar a Verdade. Com o cristianismo essa idéia de conhecimento dado pela contemplação enfatizou-se mais trocando o ideal da vida ativa pela vida contemplativa.
Na Era Moderna, principalmente com a invenção do telescópio, o homem experenciou na prática que ele mesmo pode alcançar o conhecimento do mundo pelas suas próprias mãos. Foi um invento humano que propiciou o homem conhecer, e não uma revelação. Essa experiência humana se deu pela ciência o que provocou um enorme impacto no modo do homem concebe a Verdade. O homem passou a rever os conhecimento adquiridos e colocá-los em dúvida. Porém, isso foi feito provocado por experiências cientificas. A partir daí a ciência passa a ser tida como o meio por excelência de se alcançar o conhecimento das coisas do mundo. Isso provocou que a ciência passa a ter toda a primazia, para uniformizar e comandar o modo como o homem pode conhecer a realidade. Nessa primazia o ideal contemplativo perde seu valor e com ele a filosofia. Se a filosofia era uma vida almejada por ser contemplativa e meio para a Verdade, agora com a ação perde seu lugar.
O que a ciência provocou é que é a ação humana que pode provocar o real alcance do conhecimento, portanto, é a prática e não a teoria. Importa são os resultados. A isto se conferiu a técnica o poder do homem se apoderar do verdadeiro saber. Nisso o mundo contemporâneo herdou essa configuração de conhecimento e deposita na ciência e na técnica os meios possíveis de compreensão da realidade. Isso gerou um contexto herdado de humanos que colocam sua autosuficiencia a prova todo instante. Reduzimos o verdadeiro sentido do conhecimento a simples técnica, sendo o conhecimento instrumentalizado e fragmentado. Perdemos a conotação do que é conhecer e conferimos a pratica para que de conta daquilo que sabemos. Trocamos a vida do filosofo pela do cientista. Logo, ocorreu a inversão de valores, nos importamos não com o que é feito, mas com o como fazer.
Referencias
ARENDET, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005