A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Por george cabral cardoso | 13/12/2016 | Direito

PROCESSO PENAL BRASILEIRO[1]

George Cabral Cardoso[2]

Cleopas Isaías Santos[3] 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

Os consumidores A e B, devido ao fato de não terem feito a composição civil dos danos ou mesmo a transação penal com o Ministério Público, ocorreu-se a denúncia do empresário C, sob a alegação de que este teria cometido o crime tipificado no Art. 64 do Código de Defesa do Consumidor que prevê: “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no Mercado- Pena- Detenção de seis meses a dois anos e multa”.

Após o recebimento da denúncia, e conclusos os procedimentos legais necessários ao andamento do processo, decidiu o Juiz pela condenação do empresário C, ainda que faltassem elementos que comprovassem a prática da conduta imputada ao réu, sendo tal decisão fundamentada no artigo 6°, inciso, VIII, do próprio Código de Defesa do Consumidor, que se refere à inversão do ônus da prova.                                                                                                            

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO 

2.1 Descrição das Decisões Possíveis: 

  • O magistrado não agiu corretamente; 
  • O magistrado agiu corretamente; 

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão: 

  • A decisão de que o magistrado não agiu corretamente é fundamentada, a princípio, pela existência da garantia fundamental da Presunção Inocência, que se extrai do artigo 5°, inciso LVII, da vigente Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Assim é que, conforme aduz Paulo Rangel (2002, p. 23):

o juiz, ao apreciar um processo e verificar, pelas provas dos autos, que a condenação é a aplicação correta e justa da lei, faz uma operação mental, concluindo pela culpa do réu e, por isto, condena-o. Do contrário, se entendesse, pela análise dos autos, que a lei somente seria aplicada corretamente se o réu fosse absolvido, a presunção seria de inocência. Assim, estamos no campo da presunção (operação mental que liga um fato a outro) e, portanto, de um fato indicado em decorrência das provas que foram careadas para os autos.

O juiz, ao analisar o caso concreto pode, a partir do princípio constitucional da Presunção de Inocência, presumir culpado o réu- ou presumir inocente, todavia, jamais poderá condená-lo se não houver verdadeiras provas. Ou seja, a condenação não pode ser em uma mera presunção, mas sim em juízo de “certeza”, fato este que no presente caso não ocorreu, vez que o empresário C foi condenado mesmo na ausência de certeza acerca da prática da conduta a ele imputada.

Do Princípio Constitucional da Presunção de Inocência decorrem regras, e dentre essas regras encontra-se a Regra Probatória. Por meio dessa regra, Renato Brasileiro (2012, p.12-13) asserta que:

a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado além de qualquer dúvida razoável, e não este de provar sua inocência. Em outras palavras, recai exclusivamente sobre a acusação o ônus da prova, incumbindo-lhe que o acusado praticou o fato delituoso que foi imputado na peça acusatória [...] Nesta acepção, presunção de inocência confunde-se com o in dubio pro reo. Não havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos em discussão em juízo, inegavelmente é preferível a absolvição de um culpado a condenação de um inocente, pois, em juízo de ponderação, o primeiro erro acaba sendo menos grave que o segundo.

Assim é que da presunção de inocência decorre a regra probatória do in dubio pro reo de modo que a acusação, a quem cabe o ônus de prova, terá que trazer à baila elementos quem comprove a pratica da conduta pelo respectivo réu. Assim não o fazendo, haverá que se decidir pela sua absolvição, e não condená-lo como feito no presente caso.

Nesse sentido já decidiu a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus 27684, de relatoria de Paulo Medina:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. SISTEMA ACUSATÓRIO. INTELIGÊNCIA DO ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DECISÃO CONDENATÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. DOCUMENTO APRESENTADO PELA DEFESA IGNORADO PELO ÓRGÃO JULGADOR. VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO PENAL E INFRINGÊNCIA AOS ARTIGOS 231 E 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O órgão acusador tem a obrigação jurídica de provar o alegado e não o réu demonstrar sua inocência. 2. É característica inafastável do sistema processual penal acusatório o ônus da prova da acusação, sendo vedado, nessa linha de raciocínio, a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal. 3. Carece de fundamentação idônea a decisão condenatória que impõe ao acusado a prova de sua inocência, bem como ignora documento apresentado pela Defesa a teor dos artigos 231 e 400 do Código de Processo Penal. 4. ORDEM CONCEDIDA para anular a decisão condenatória, para que outro julgamento seja proferido, apreciando-se, inclusive, a prova documental ignorada.

Ademais, do princípio supracitado, Aury Lopes Jr. (2012, p.239) afirma que:

enquanto princípio reitor do processo penal, deve ser maximizada em todas as suas nuances, mas especialmente no que se refere à carga da prova (regla del juicio) e às regras de tratamento do imputado [...] A presunção de inocência afeta, diretamente, a carga da prova (inteiramente do acusador, diante da imposição do in dubio pro reo); a limitação à publicidade abusiva (para redução dos danos decorrentes da estigmatização prematura do sujeito passivo); e, principalmente, a vedação ao uso abusivo das prisões cautelares [...] Em suma: a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado com inocente), que atua em duas dimensões [..]

Além da regra probatória, que cabe inteiramente à acusação, do princípio da Presunção da Inocência também decorre a regra de tratamento, em que haverá a publicidade reduzida, com o intuito de obstar a própria estigmatização do réu, bem como a utilização demasiada das prisões cautelares.

Pode-se, concluir, portanto que a decisão tomada pelo juiz é equivocada, sobretudo pelo fato de, desrespeitados o que acima foi citado, haverá prejudicada a Garantia do Devido Processo Legal, plasmo no rol do artigo 5°, inciso LIV, que dispõe que “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

  • A decisão que asserta que o magistrado agiu de forma devida é fundamentada, de logo, pela relatividade do Princípio Constitucional da Presunção de Inocência. Ou seja, não há, em verdade, uma absolutização deste princípio, fato que permite a inversão do ônus da prova no âmbito do bojo jurídico processual penal brasileiro.

É óbvio que a regra é que, no campo do processo penal, o ônus da prova seja da parte que acusa, que se manifesta em juízo através de uma denúncia ou de uma quiexa-crime. Entretanto, o réu pode arcar com o interesse da produção de provas em determinadas hipóteses, como nos casos em que ele alegar em seu benefício fatos que acarretarão a exclusão da ilucitude ou da culpabilidade (NUCCI, 2007)

Ou seja, excepcionalmente caberá ao réu o onus probandi, quando, se assim o fizer, restará a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. Ademais, é possível que a inversão do ônus da prova seja invertida quando tratar-se dos efeitos secundários oriundos de uma condenação penal, as quais se apresentar com característica eminentemente cíveis, com fulcro na reparação do dano causado pelo réu. Tal inversão está plenamente prevista na Convenção de Viena de1988, do qual o Brasil é signatário, o que viabiliza a inversão do ônus da prova (LIMA, 2012).

O magistrado, portanto, agiu de forma correta.

2.3 Descrição dos Critérios e Valores: 

  • Ônus da prova no processo penal: diz respeito à quem caber o “fardo” provar determinados fatos;
  • In dubio pro reo; regra aplicada em favorecimento do réu.
  • Inversão do onus probandi: possibilidade de inversão do ônus de provar;
  • Presunção de inocência: princípio constitucional aplicado ao réu.
  • Devido Processo Legal: princípio constitucional plasmado no rol de Direitos Fundamentais do artigo 5°, inciso LIV.

3 REFERÊNCIAS 

BRASIL. Código Civil e Constituição Federal e legislação complementar. – 18 ed. – São Paulo: Saraiva, 2012. – (Legislação Brasileira).

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Direito Processual Penal. Niterói: Impetus, 2012.

LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002

[1] Case apresentado à disciplina Direito Processual Penal I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;

[2] Aluno do 6º período, do curso de Direito da UNDB;

[3] Professor da disciplina Direito Processual Penal I, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco;