A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO
Por rafaela coelho rodrigues lima | 29/08/2016 | DireitoRafaela Coelho Rodrigues Lima
1 DESCRIÇÃO DO CASO
Por não ter feito composição civil de danos com os consumidores A e B, nem transação penal com o Ministério Público, o empresário C foi denunciado pela prática do crime tipificado no art. 64 do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê como crime a conduta de “deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no Mercado”. A denúncia foi recebida, e após todo o processo, o Juiz D decidiu condenar o empresário C, mesmo que o Ministério Público não tenha comprovado a prática da conduta pelo réu, fundamentando sua decisão no próprio Código do Consumidor, que prevê a inversão do ônus da prova (art. 6º, inc. VIII).
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 Descrição das Decisões Possíveis
2.1.1 O Juiz agiu corretamente.
2.1.2 O Juiz não agiu corretamente.
2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão
Partindo do Pressuposto de que o processo é um instrumento de reconstrução de um determinado fato, que visa a analise dos fatos que giram em torno de um crime que se pretende elucidar e consonante a esse entendimento, durante a instrução processual a prova vai ser um dos elementos utilizados pelo juiz e partes como instrumento hábil para auxiliar esta reconstrução.
Segundo conceito extraído por AURY LOPES JR, “provas são os meios através dos quais se fará a reconstrução do passado de um determinado fato histórico, destinado a proporcionar conhecimento ao juiz”. Para analisar-se a produção de provas no direito brasileiro é pertinente recordar aqui, a incidência desse instituto dentro dos sistemas processuais, são eles: o inquisitório e o acusatório.
No sistema acusatório a produção de provas fica a cargo das partes, acusação e defesa, o juiz funciona como um mero expectador atuando de forma imparcial, equidistante das partes e, portanto, alheio às atividades investigatórias e probatórias. Já no sistema inquisitório a gestão das provas cabe à figura do inquisidor, no caso o juiz, que propõe, produz, valora a prova e no final profere a sua decisão atuando de ofício.
Há quem afirme que o sistema adotado no Brasil é misto, Sistema brasileiro é misto, predominando no Inquérito Policial o sistema inquisitivo e durante o processo predomina o sistema acusatório. Outra parte da doutrina afirma ser o sistema brasileiro Neo inquisitorial, no tocante a gestão da prova, já que continua sob a responsabilidade do juiz (inquisitório), com alguns traços do sistema acusatório, pela possibilidade de ampla defesa, contraditório, etc.
Partindo do Pressuposto de que toda prova deve ser produzida em juízo e sob o crivo do contraditório, a prevalência desse princípio implica em duas premissas: informação e participação, portanto é inerente ao princípio do contraditório que as partes sejam informadas dos atos processuais e que a partir dessa informação possa contraditar aquilo que lhe interessa ou que lhe seja de alguma forma desfavorável. Segundo o art. 155 do CPP, o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação ressalvadas as provas cautelares, não repetitíveis e antecipadas.
O titular da tarefa de provar a materialidade e autoria do crime é a ACUSAÇÃO, por força do princípio da Presunção da Inocência. A presunção da inocência tem uma implicação processual interna, na qual o juiz ou o acusador (ministério público ou querelante) devem tratar o réu como inocente e outra externa, que visa limitar a publicidade abusiva evitando que este prejudique desarrazoadamente o réu. Atrelado à ideia de provar a materialidade delitiva e autoria do fato, é necessário que exista a certeza de sua culpabilidade, e no caso de dúvida, haverá a absolvição do réu por força do princípio do in dubio pro reu.
Sob essa égide, afirma-se que não é possível à inversão do ônus da prova no Processo Penal Brasileiro, este cabe exclusivamente à acusação. Essa afirmativa é extraída a partir da concepção da natureza do processo penal, a Teoria do Processo como Situação Jurídica defendida por James Goldschmidt, encabeça esse entendimento, ele considera o processo como uma guerra, na qual a chance de haver uma sentença condenatória é tal qual a de haver uma absolutória, preceitua uma guerra que é decidia com a liberação de cargas (produção de provas). (MENDRONI, 1999)
É dependendo dessa produção de provas, que aumenta ou diminui a possibilidade de uma sentença favorável. No caso da defesa, não existe a possibilidade dessas cargas, não existem ônus para a defesa; haja vista que o ônus é exclusivamente da acusação. O que existe é a ascensão de riscos por parte da defesa, no momento em que esta deixa de praticar determinados atos. Porém esses atos não são ônus, não são de encargo obrigatório, são apenas chances que a defesa tem para convencer o juiz do seu direito. Mas, se a defesa não praticar esses atos, não é possível a aplicação de uma penalidade. (MENDRONI, 1999)
O que a defesa disponibiliza-se a fazer, é aquilo que Franco Cordeiro nomeia por captura psíquica do juiz, uma oportunidade de convencer o juiz da sua inocência, mas nada impede de que este utilize-se do direito de ficar calado, haja vista que ele não é obrigado a provar que é inocente, pois esse ônus é presumido, sendo esta tarefa da acusação. No caso de dúvida ou falta de provas que comprove a materialidade delitiva e autoria do crime prevalece o princípio da presunção da inocência. (CORDEIRO, apud BRUSCHI, 2012)
Em contrassenso há uma corrente doutrinária que afirma haver a inversão do ônus da prova no processo penal Brasileiro. Se a defesa alegar algo é esta que deve provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos da acusação, no caso da legítima defesa, cabe à defesa provar que o réu agiu para se defender. Esse entendimento foi extraído do habeas corpus nº 109.176
HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO USO DE ARMA, CONCURSO DE AGENTES E RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DA VÍTIMA. ART. 157, § 2o., I, II E V DO CPB. PENA-BASE: 4 ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO. TOTAL CONCRETIZADO: 7 ANOS, 5 MESES E 7 DIAS DE RECLUSÃO. REGIME INICIAL FECHADO. UTILIZAÇÃO DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE APREENSÃO E PERÍCIA DA ARMA. DESNECESSIDADE PARA A APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. RESTRIÇÃO DA LIBERDADE DAS VÍTIMAS POR CERCA DE 30 MINUTOS. CARACTERIZAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DO ART. 157, § 2o., V DO CPB. DOSIMETRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA PARA A MAJORAÇÃO, EM 5/12, DA FRAÇÃO RELATIVA ÀS CAUSAS DE AUMENTO. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, TÃO-SÓ E APENAS PARA FIXAR NO MÍNIMO (1/3) O PERCENTUAL REFERENTE À CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ART. 157, § 2o. DO CPB. 1. A apreensão e a perícia da arma de fogo utilizada no roubo são desnecessárias para configurar a causa especial de aumento de pena, mormente quando a prova testemunhal é firme sobre sua efetiva utilização na prática da conduta criminosa. 2. A regra é que uma arma possua potencial lesivo; o contrário, a exceção. Se assim alega o acusado, é dele o ônus dessa prova (art. 156 do CPP). Se restou comprovada a utilização da arma de fogo, como no caso concreto, o ônus de demonstrar eventual ausência de potencial lesivo deve ficar a cargo da defesa, sendo inadmissível a transferência desse ônus à vítima ou à acusação, por uma questão de isonomia, porquanto inúmeros fatores podem tornar a prova impossível.
(STJ, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 28/10/2008, T5 - QUINTA TURMA)
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFIO
MENDRONI, Marcelo Batlouni. A doutrina do mestre Goldschmidt. 1999. Disponível em: < http://www.ibccrim.org.br/boletim_editorial/100-80---Julho---1999>
BRUSCHI, Aline Angela. O uso (indevido) das provas ilícitas no processo penal e a “captura psíquica” do magistrado à luz dos princípios constitucionais. 2012. 97 f. Monografia (Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais). Curso de Direito. Universidade de Passo Fundo, Carazinho, RS, 2012 Disponível em: < http://repositorio.upf.br/xmlui/handle/123456789/215>