A intuição como ferramenta mediadora imprescindível para se chegar a novas respostas: indo além do pensamento binário

Por Thamires Botentuit | 30/11/2011 | Direito

 A INTUIÇÃO COMO FERRAMENTA MEDIADORA IMPRESCINDÍVEL PARA SE CHEGAR A NOVAS RESPOSTAS: INDO ALÉM DO PENSAMENTO BINÁRIO

 

Thamires de Mesquita Botentuit*

Angelita Ferreira dos Santos

 

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Mediação; 3 Intuição; 4 Dogmática Jurídica e Intuição Mediadora; 5  Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

 

Aborda-se em presente trabalho a capacidade do mediador de intuir a resolução de conflitos, quando se tratando de conflitos básicos. Para tanto, esclarece-se a respeito do que seja mediação, que lida com tais litígios básicos, para a maior compreensão do papel intuitivo do mediador. Afirma-se que há uma distinção entre a forma binária de resolução de conflitos apresentada pela dogmática jurídica, e a forma criativa dessa mesma solução levantada pela mediação.

 

PALAVRA-CHAVE

Intuição. Mediação. Dogmática Jurídica.

 

1           INTRODUÇÃO

 

 

Os métodos informais de solução de conflitos foram considerados próprios das sociedades rudimentares. Na sociedade contemporânea, desenvolveu-se o interesse pela composição destes conflitos e a importância que as vias alternativas possuem para promover a pacificação social.

Tudo isso se deve, em parte, à crise da justiça, visto ser nítida a não correspondência do progresso cientifico do direito processual ao aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da administração da justiça, que se apresenta para quem dele faz uso, extremamente carente de inovação[1].

A mediação é uma forma de autocomposição dos conflitos, é um meio alternativo de solução de controvérsias, litígios e impasses, onde um terceiro imparcial e de confiança das partes, intervém entre elas agindo como um facilitador, levando as partes a encontrarem a solução para suas pendências.   

O Mediador utilizando habilidade e as técnicas da “arte de mediar”, leva as partes a decidirem na melhor solução para o conflito que os unem. Para tanto, o mediador não pode se reduzir a formas fixas e pré-determinadas visto não haver resposta única na mediação, havendo sempre várias possibilidades de respostas.

Portanto, na mediação é necessário encarar o lado desconhecido da lide e a intuição é um caminho para tal. Sempre que se tiver de lidar com situações para as quais não haverá conceitos pré-determinados, a intuição será a norteadora.

 

2           MEDIAÇÃO

 

 

O poder estatal abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envolvem as pessoas, inclusive o próprio Estado, decidindo sobre as pretensões apresentadas e impondo decisões, de forma a cumprir sua função de promover a pacificação social.[2]

Entretanto, o Estado tem falhado muito em sua função pacificadora, realizado mediante o exercício da jurisdição. O direito regulador não tem se mostrado suficiente para inibir os conflitos que podem surgir entre partes. Isso se dá devido às formalidades que constituem os atos processuais, o que contribui para a grande demora do processo e a elevados custos, causando o estreitamento do acesso a justiça, bem como o enfraquecimento do sistema.  

Abrem-se os olhos, entretanto, para todas as modalidades de soluções não jurisdicionais dos conflitos tratados como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes prezando o diálogo e a cooperação, condicionando uma convivência benéfica, tão pertinente ao nosso meio cuja diversidade étnico-cultural é gritante.[3]

A mediação é o meio alternativo de solução de conflitos onde os interessados utilizam o intermédio de um terceiro imparcial, que diferentemente de um juiz nada decide, mas apenas auxilia as partes na busca de uma solução. Para chegarem a uma decisão final pacificadora, a mediação trabalha o conflito e faz surgir um acordo como mera conseqüência.

A eliminação de conflitos em vida social pode ser verificada por obra de um ou todos os sujeitos conflitantes, onde cada um dos sujeitos pode consentir no sacrifício total ou parcial do próprio interesse.

 

Essa tendência reflete a evolução que se vê aflorando em nosso país, onde as forças opostas, incentivadas pelos interlocutores sociais, deverão se lançar em busca de uma melhor sintonia, de forma a permitir a instituição de um sistema que combine a solução adequada às partes, fazendo uso dos meios alternativos de resolução de conflitos. [4]

 

A mediação busca novas e efetivas intervenções nas questões sociais da atualidade, favorece o desenvolvimento e autonomia, valorizando o diálogo e a cooperação. Além do mais, ela favorece uma convivência positiva nesse mundo atual, onde se percebe certa intolerância em relação às diferenças sociais.

O mediador que deseja obter sucesso em sua pratica, precisa ouvir as partes em separado e em conjunto, tendo a compreensão dos pontos de vista, e para tal faz uso de seus conhecimentos adquiridos. A escuta ativa é uma técnica de como se dá o procedimento, que busca chegar a acordos.

 

Para exercer bem o seu oficio precisa de um conjunto de conhecimentos, exemplificativamente: além de ter capacitação de natureza técnica, útil para lidar com os conflitos, necessita de qualificação mediante treinamento, de conhecimentos interdisciplinares de postura corporal adequada, necessita de experiência de vida, sentimentos, percepções, sensações e de intuição. [5]

 

A mediação tende a promover um impacto positivo nas condições de vida, sobretudo nos centros urbanos reduzindo o nível de conflitos interpessoais e entre grupos, fortalecendo a capacidade de as pessoas analisarem situações e tomarem decisões efetivas por si mesmas. Assim, a mediação toma maiores proporções, humanizando as pessoas em relação às outras, ajudando-as a transcender seus pressupostos e perceberem uns aos outros como pessoas reais, respeitando suas preocupações e necessidades, mesmo em meio a um desacordo.

É nesse sentido que a mediação trabalha, como uma alternativa não apenas de promover o individuo, mas também em consonância com a alteridade, respeitando o outro em busca de uma convivência harmônica. Suas ações possibilitam meios de evitar disputas, enfatizando a autodeterminação dos indivíduos e autonomia comunitária, bem como a democratização da justiça, aprimorando as relações sociais e suas condições de vida.

Sob esse ponto de vista, os resultados da mediação apontam para um objetivo comum, favorável a vida em sociedade, orientando suas orientações para o desenvolvimento da cidadania, democratização e o cessamento da exclusão social que nutre as violências.

No Maranhão, foi disponibilizado pelo Ministério Publico do estado um centro de mediação comunitária, localizado no bairro Recanto dos Pássaros[6], que possui como presidente da associação de moradores, e também mediadora, a Sra. Ozinete Oliveira Lisboa. Porém, em entrevista, a Sra. Ozinete afirma que a mediação já foi muito procurada, mais que ultimamente tem sido pouco demandada pela comunidade, devido à falta constante dos mediadores, os quais foram enviados pelo Ministério Público.

 

3           INTUIÇÃO

 

 

Intuição é o processo pelo qual um novo conhecimento ou uma crença surge no mundo dos conhecimentos do sujeito, sem que ele possa apresentar provas lógicas em apoio dessa idéia.

Intuir significa olhar para dentro, não havendo uma fronteira definida que delimite o seu campo de abrangência. Ela é um componente indispensável para a formação da personalidade do homem, ao lado da sensação, do pensamento e do sentimento.

Jung classifica a sensação e a intuição, juntas, como as formas de apreender informações, ao contrário das formas de tomar decisões. A sensação refere-se a um enfoque na experiência direta, na percepção de detalhes, de fatos concretos, o que uma pessoa pode ver, tocar, cheirar. A intuição é uma forma de processar informações em termos de experiência passada, objetivos futuros e processos inconscientes.[7]

Não há resposta única na mediação, há sempre várias possibilidades de se escolher várias respostas, daí a aceitação da intuição como ferramenta indispensável para se chegar a novas respostas, quando nos deparamos diante de um conflito de interesses.

A mediação é tida como um saber e prática multidisciplinares, cujas teorias que convergem para sua organização como método de intervenção nos conflitos provém de domínios cientifico técnico diverso. Pode-se realizar um treinamento em mediação, mas pode-se chegar a ela também leigamente sem nenhum conhecimento das teorias.

 

O conflito pode tomar a forma de uma diferença de interesses, opiniões, sentimentos, necessidades, crenças ou desejos, e é evidente por essa definição que os conflitos são subjetivos mais do que objetivos. É a subjetividade das partes que o conduz, e o mediador, mesmo o mais treinado, não será jamais capaz de não ter sentimentos, não pensar, não valorar, o que não quer dizer, tomar partido.[8]

 

Na mediação precisa-se encarar o lado desconhecido da lide e a intuição é o caminho para tal. Sempre que se tiver de lidar com situações para as quais não haverá conceitos pré-determinados, a intuição será a norteadora.

Não se pode reduzir a realidade ao conhecimento material, assim, a intuição trabalha o lado subjetivo do conflito, oculto, indo além das aparências explicitas. Junto com a mediação, a intuição forma um sistema aberto a qualquer fator que possa está sendo causa do conflito.

Para uma melhor forma de solução dos conflitos, o mediador precisa conhecer todas as dimensões deste, assim, o processo de mediação precisa ser transdisciplinar, de modo a construir um conhecimento unificado. Daí a exigência de ser o mediador um agente adepto da intuição, pois ambos focalizam primeiramente o conjunto, devendo ser muito mais que um especialista jurídico ou psicológico, mas um sujeito cujas atividades se voltam a ajudar na implantação de uma sociedade subjetivamente mais saudável.

A intuição aparece como uma característica que é muito útil à mediação.

 

4       DOGMÁTICA JURÍDICA E INTUIÇÃO MEDIADORA

 

 

A Dogmática Jurídica estuda o fenômeno jurídico em todas as suas manifestações e momentos, se destinando ao estudo sistemático das normas, ordenando-as segundo princípios, e tendo em vista sua aplicação[9].

Ela é sempre uma ciência positivada no tempo e no espaço, com base nas experiências vividas. Não existe tal ciência sem referência direta a um campo de experiência social, mas este sempre será norteado pelas experiências de natureza cientifico-positiva, segundo normas objetivadas.

Em virtude do multifacetário processo histórico, as pessoas adquiriram a consciência de prezar pelos valores universais. Quando se respeitam mutuamente, põem-se uns perante os outros como pessoas, só se realizando plenamente a subjetividade de cada um em uma relação necessária de intersubjetividade.

O cumprimento obrigatório da sentença e a limitação das respostas sob as duas ópticas, a do certo e do errado, satisfaz o campo jurídico, mas deixa a desejar no âmbito do social, fazendo com que não haja o equilíbrio necessário que deve existir no Direito.

 

No conflito jurídico, o julgador é obrigado a decidir pelo o que está no processo, pois o que não está no processo não está no mundo. O juiz está limitado ao devido processo legal, às provas concretas, não podendo inferir e presumir algo não provável, salvo o que é público e notório, e isso independe de prova (...). A mediação valoriza o verbal e o não verbal, o sensorial, a postura corporal, o que acontece no nível energético das pessoas, e nada, em principio, deve ser desprezado.[10]

 

Desta forma, o conflito que é resolvido racionalmente, mediante o positivado pela Dogmática Jurídica, pode continuar a existir. O processo ou até mesmo a sentença dada pelo juiz sempre surtirá um efeito negativo para umas das partes, gerando a insatisfação desta e podendo assim ser fruto de um novo conflito. Provavelmente, as partes envolvidas em um conflito que teve “solução” por via jurídica, dificilmente constituirão uma relação harmônica a partir de então.

A intuição na mediação ajuda a encontrar a solução para os conflitos, entendendo este em sua complexidade, trabalhando de forma a responder melhor, procurando tal resposta, sobretudo nos próprios mediandos.

Assim sendo, a Dogmática Jurídica não é algo diverso do social. Todas as regras sociais ordenam a conduta, o que difere é o modo como os dois âmbitos trabalham pra tal. O Direito ordena estabelecendo relações de exigibilidade em meio da objetividade, mas sempre tem de apontar para a realização da convivência ordenada, expressa na composição harmônica de uma estrutura social voltada para possíveis formas de participação e de comunicação entre todos os seus indivíduos.

Há cada vez mais juristas, no entanto, que reconhecem explicitamente o valor da intuição:

 

O estudo da intuição é importante para o aplicador da lei, em especial o juiz, na busca e descoberta da verdade. É fundamental a todos aqueles que aspiram à justiça, pensando numa melhor alternativa para sua distribuição. É um instrumento básico para o cientista e o filosofo do direito na busca, tentativa e encontro daquilo que há de essencial no direito, procurando ultrapassar a barreira congelada do dogmatismo, alcançando o novo e trazendo-o à luz da comunidade como uma descoberta autentica e efetiva.[11]

 

A intuição está ligada à procura de novas respostas para os conflitos. Ela não dá respostas punitivas ou condenatórias, isto é, a solução dada por tal não se restringe a dizer “sim” ou “não”, como forma binária de trabalhar, mas trata-se de um meio condutor mais dialético, que transcende a objetividade.

 

O sistema jurídico positivo procura mais estabelecer a uniformidade, eliminar os desvios, penalizar os culpados, obter a normalidade comportamental. A mediação (e a intuição) trabalha, com o potencial transformador dos desvios para integrá-los na formação de uma nova solução.[12]

 

No centro de mediação do estado do Maranhão, os conflitos mais freqüentes dizem respeito a desavenças entre vizinhos, pensão alimentícia (mais a maioria dos casos são enviados a justiça) e, até mesmo, casos de violência a crianças e adolescente (dos quais a maioria são enviados ao Conselho Tutelar). A mediadora e presidente da associação, Sra. Ozinete, afirmou que quando procurada a mediar tais conflitos utiliza de sua intuição, bem como de suas experiências vividas para encontrar, junto as partes, a melhor solução para o impasse. O que tem dado muito certo.

O mediador não é responsável por dá a sentença, como se delega ao juiz ou qualquer arbitra. Ele também não sugere soluções para os conflitos, mas funciona como uma terceira pessoa, quebrando o sistema binário do conflito jurídico tradicional. As soluções podem ser sugeridas pelas partes, trabalhando a subjetividade inserida em cada situação.

 

CONCLUSÃO

 

Não existe na mediação, como existe no sistema jurídico, um recurso legal para orientar a decisão do conflito. A mediação lida com possibilidade em aberto para encontrar as soluções do conflito, que vai nascer das próprias partes envolvidas.

A mediação está incrustada na subjetividade das partes, dando margem para que a intuição se manifeste para buscar no conflito soluções criativas e novas.

O sistema jurídico não é negado pela mediação/intuição, este estará sempre presente como forma de um inconsciente coletivo, pois sua eventual transação poderá ter efeitos jurídicos.

Algumas disputas são bem melhor resolvidas em ambientes que tenham poucas limitações de ordem procedimental. Com relação a essas disputas o processo de mediação oferece muitas vantagens e flexibilidades as partes em apresentar suas preocupações e prioridades básicas, aumentam o potencial de eficácia da justiça, reforçando as relações presentes e interações futuras, estimulando-as a explorar cada vez mais às soluções criativas que permitam ganhos para todos.

Desta forma a intuição contribui para a mediação na procura de novas respostas para os conflitos, um meio condutor mais dialético, que transcende a objetividade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMARAL, Lidia Miranda de L. Mediação e arbitragem: uma solução para os conflitos trabalhistas no Brasil. São Paulo: LTr, 1994.

 

BUITONI, Ademir.  A função da intuição na mediação. Revista de arbitragem e mediação. ano 5, n.19, out-dez/08.

 

JUNG, Carl G. Psicologia e Alquimia. Trad. Maria Luiz Appy ET alii. Petrópolis: Vozes, 1990.

 

MUSZKAT, Malvina Ester. Mediação de conflitos: Pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Sumus, 2003.

 

PELLEGRINI, Ada; CINTRA, Antonio Carlos; DINAMARCO, Cândido. Teoria geral do processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

 

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

 

THEOPHILO , Roque .  Intuição. Disponível em: http://www.dominiofeminino.com.br /eles/intuicao/intuicao.htm. acesso em: 15 maio, 2009.

 

 

 

 



*  Alunas do curso de Direito vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. E-mail: angelita.fs@hotmail.com e thamybotentuit@hotmail.com.

[1]  Ver. AMARAL, Lidia Miranda de L. Mediação e arbitragem: uma solução para os conflitos trabalhistas no Brasil. São Paulo: LTr, 1994.

[2]   Ver. PELLEGRINI, Ada; CINTRA, Antonio Carlos; DINAMARCO, Cândido. Teoria geral do processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.30.

[3]   Ver. Op. cit. p. 31

[4]   Ver. PELLEGRINI, Ada; CINTRA, Antonio Carlos; DINAMARCO, Cândido. Teoria geral do processo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2009,  p.31 - 32.

[5]   Ver. BUITONI, Ademir.  A função da intuição na mediação. Revista de arbitragem e mediação. ano 5, n.19, out-dez/08. p.57.

[6]   Localizado na Rua Bentivi, Quadra 10, Casa 11, bairro Recanto dos Pássaros.

[7]   Ver.  JUNG, Carl G. Psicologia e Alquimia. Trad. Maria Luiz Appy ET alii. Petrópolis: Vozes, 1990.

[8]   Ver.  MUSZKAT, Malvina Ester. Mediação de conflitos: Pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Sumus, 2003, p. 91-2.

[9]   Ver.  REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 26 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

[10]   Ver. BUITONI, Ademir.  A função da intuição na mediação. Revista de arbitragem e mediação. ano 5, n.19, out-dez/08. p. 56-7.

[11]  Ver. NUNES apud BUITONI, Ademir. A função da intuição na mediação.p.56.

[12] Ver. BUITONI, Ademir.  A função da intuição na mediação. Revista de arbitragem e mediação. ano 5, n.19, out-dez/08. p. 56-7.