A intertextualidade de E.T.A. Hoffmann
Por Mariana Frederico J. dos Santos | 22/08/2011 | LiteraturaA INTERTEXTUALIDADE DE HOFFMANN
Na obra O Pequeno Zacarias Chamado Cinábrio,temos a presença de diversos intertextos que acabam por criar um certo dialogo com outras obras,inclusive do próprio Hoffmann.
Logo no início da obra, temos um determinado trecho que nos remete a história do Pequeno Polegar,escrita por Perrault (1697), as característica deste vão ser utilizadas no Zacarias, pois este assim como o pequeno polegar possui em comum um tamanho pequeno, provêem de uma família paupérrima e, com a ajuda de encantamentos conseguem altos cargos na monarquia, consequentemente um lugar de destaque e poder. O Pequeno Polegar é citado diversas vezes pelo próprio autor. As pessoas referem-se a Zacarias como o Pequeno polegar, como é possível ver no decorrer da narrativa: "Aquele a quem Fabian dirigiu a pergunta de nada sabia,bem como os demais aos quais Fabian passou passou a narrar o que sucedera entre ele e ao Pequeno Polegar, que dizia ser um estudante." (Hoffmann, p.59)
A pobre camponesa Liese, mãe de Zacarias pensa em abandoná-lo diversas vezes para que este não sofra com a fome e a vida que (ela achava) o destino havia preparado para o pequeno, tal atitude, nos remete novamente aos contos de fadas como ocorre em João e Maria e novamente no já citado O Pequeno Polegar, os pais ao buscar por poupar os filhos da miséria acabam por ajudá-los a construir uma vida melhor, o Polegar com sua bota de sete léguas acaba tornando-se o mensageiro do rei, e com isso melhora a vida de toda a família, os irmãos João e Maria, ao saquearem a casa da velha bruxa que os mantinham presos acabam por encontrar moedas que não os deixariam mais na miséria, Liese, ao entregar Zacarias para o pároco após este ser encantado por Rosabalverde, acaba por ajudá-lo a também ter uma vida melhor com algum estudo e que de alguma forma acaba fazendo com que este se torne conselheiro do rei.
A intertextualidade porém, não encontra-se somente com contos de fadas conhecidos popularmente,mais também com elementos de outras narrativas de Hoffmann, como por exemplo no conto O Vaso de Ouro, Anselmo, assim como Balthasar também é estudante e vítima de um encanto,porém Anselmo é a vítima do encanto,enquanto Balthasar não passa de um terceiro que sofre com o encanto de Cinábrio. Além disso,em ambos os contos temos a presença de reitores, as personagens almejam bons cargos públicos e as personagens principais apaixonam-se pela filha de seus professores / reitor, que por encantamento não podem ter,no caso de Balthasar, seu amor por Cândida é impedido pelo encanto de Cinábrio,enquanto Verônica não pode ter o amor de Anselmo devido ao amor que este nutre por Serpentina. Tem-se ainda, em ambos,a presença de dois personagens considerados excêntricos, em o Vaso de Ouro temos o arquivista Lindhorst e em O Pequeno Zacarias Chamado Cinábrio temos o professor Alphanus, ambos são figuras que possuem poderes "sobrenaturais" e que buscam ajudar os protagonistas com esses "poderes", vivem em casas afastadas da cidade e envoltas da natureza.
A intertextualidade de Hoffmann porém, não encontra-se somente com sua própria obra, ele dialoga também com outras obras dos mais variados autores, fazendo menção a estes em algumas partes do conto do Pequeno Zacarias, como por exemplo o Pequeno Polegar já citado.
Tomemos como exemplo o nome próprio Zacarias, que é um nome que vem do hebraico e que significa aquele de quem Deus se lembrou, e que também persuadia os governantes de sua comunidade para conseguir a construção de um templo, em seu livro na Bíblia, Zacarias descreve algumas visões noturnas de cunho apocalíptico e "grotesco". Assim como o Zacarias bíblico, o Zacarias do conto, para as pessoas que o viam sem o encanto da fada Rosabalverde, era também uma criatura grotesca e que causava um certo estranhamento para as pessoas. Nasceu também no dia 10 de agosto, dia de São Lourenço, considerado o protetor dos aleijados, cegos, coxos, entre outros.
Hoffmann ainda faz um intertexto com outras obras consideradas importantes, como por exemplo ao citar Hamlet do dramaturgo inglês Shakespeare:
" É fato consumado que você pertence àquele tipo estranho de pessoas que tomam todos os que elas vêem vagando solitários por tolos melancólicos, e querem logo trata-los e cura-los à sua maneira, como aquele cortesão quis fazer com o digno príncipe Hamlet,que lhe deu uma boa lição no momento em que o homenzinho confessou não saber tocar a flauta. " (Hoffmann, 1818, p.47)
Shakespeare foi de uma grande importância para o romantismo alemão,uma vez que influenciou percussores do romantismo como por exemplo Goethe, um vez que este dava ao escritor o direito de criar sua própria obra, quebrando com alguns padrões estéticos da época, como também a valorização da natureza, que também está presente na obra que está sendo analisada.
Não só de Shakespeare é a influência, mais também de outros autores alemães de grande renome como Chamisso, que também é citado no decorrer da narrativa, que, no ano de 1818 havia chego do Pólo Norte: " dois filósofos assim como um naturalista que, de regresso do Pólo Norte, ali estava justamente de passagem." (HOFFMANN, p.123). Chamisso, era botânico e dedicava-se as pesquisas na área, assim como o pai de Cândida, o professor Mosch Terpin, que, após abandonar a licenciatura passou a dedicar-se as pesquisas botânicas na área,porém suas pesquisas o levaram somente a um cargo figurativo, sem valor algum como por exemplo na descoberta da escuridão: " Depois de muitos experimentos físicos, ele teve êxito na descoberta de que a escuridão provém principalmente da ausência de luz." (Hoffmann, p.45)
O autor cita também em sua obra com o também autor romântico, Friedrich Schlegel, que foi influenciado pela filosofia de Fichte e Shakeapeare, o conto contém inclusive com uma citação literal de sua peça Alarcos, quando Cinábrio morre e o medico diz que "por medo de morrer,ele acabou deveras morrendo" (Hoffmann, p.177).
Está presente na narrativa também um certo diálogo entre o narrador e o leitor, há por parte do narrador em diversos momentos uma antecipação da narrativa.
"Como você pode perceber, oh, meu prezadíssimo leitor, alguém pode ser um grande erudito sem ter o menor conhecimento de fatos muito comuns da vida, e entregar-se aos sonhos mais bizarros a respeito de coisas universalmente conhecidas." (HOFFMANN, 1818, p.43)
Este acaba por explicar em alguns momentos a história ao leitor, antecipando inclusive alguns acontecimentos, há portando uma fundição entre ficção e realidade, o que caracteriza a chamada verossimilhança, que nos remete ao envolvimento do leitor à narrativa, fazendo com que este fique mais atento aos fatos narrados.