A INTERPRETAÇÃO LITERAL DA ISENÇÃO TRIBUTÁRIA NO ART...

Por Pedro Henrique Holanda da Silva Fonseca | 25/04/2017 | Direito

A INTERPRETAÇÃO LITERAL DA ISENÇÃO TRIBUTÁRIA NO ART. 111 DO CTN EM CONTRASTE COM O VALOR DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA[1]

RESUMO

O presente paper de índole relatorial visa debater e expor a aplicação do regramento contido no art. 111 do CTN, mais especificamente o seu inciso II, o qual contêm normas relativas à isenção tributária que tem o condão de ser interpretada na sua literalidade, porém essa previsão legal gera divergências no tratamento hermenêutico aplicado aos casos concretos tendo em vista que o contribuinte vem recorrendo ao poder judiciário para sua interpretação extensiva, o que gera discussão em torno da relativização da interpretação literal exigida do artigo, pois a doutrina transita em volta de uma limitação por vezes restritiva ou ampliativa. Não obstante, isso ocorre subsidiado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia e a análise jurisprudencial, no caso, será de cunho fundamental tendo em vista que por meio dela se tem situações emblemáticas em que a doutrina discorre. Portanto, por meio de pesquisa relatorial será apresentado à temática que assenta nas ferramentas de hermenêutica tributária.

INTRODUÇÃO: 

Aborda-se o tema isenção tributária utilizando do método de interpretação tributária visualizado no CTN no que tange a esse tipo de causa de exclusão do crédito tributário. Entretanto, o que se questiona é quando analisado pela perspectiva crua da lei ele parece não oferecer embates significativos, mas quando contrastado à luz da Constituição Federal, sendo mais específico nos princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana surge a possibilidade de se discutir sua relativização, inclusive sob pena de flagrante inconstitucionalidade (LIRA, 2012). Nessa esteira aparece a interpretação conforme a constituição como controle, mas que não significa necessariamente alterar o conteúdo da lei.

Para que isso ocorra, e, todas as leis, sem exceção alguma, necessitam de interpretação, recorre-se a interpretação jurídica que é um dos objetos da ciência nominada de hermenêutica. Para ser ciência a hermenêutica necessita de objeto de estudo bem definido e metodologia, sendo seu objeto o estudo da sistematização dos processos lógicos de interpretação, integração e aplicação do direito (GASPAR, 2015).

Comentar a isenção tributária é sempre algo salutar, principalmente quando se arvora na exigência de interpretação literal do art. 111 do CTN que gera discussões significativas como aponta a doutrina ao expor a condição de “embora renegado, mal compreendido ou criticado pela grande maioria dos juristas pátrios, conserva uma relevância normativa não desprezível no sistema jurídico brasileiro contemporâneo” (ALVES, BUSTAMANTE, 2012). 

  1.  O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.  

Como mitigar a regra do art. 111 do CTN tendo por base o princípio da dignidade da pessoa humana? Esse é um problema a ser enfrentado. Ora, a indagação exsurge dos diversos casos[4] em que a norma que estatui a isenção subjetiva não consegue prever todas as situações em que se poderia entender como aplicável àquela isenção e, de repente, um indivíduo com uma doença incurável ou uma moléstia grave apercebe que não se enquadra na hipótese legal de isenção expressamente prevista, embora sua doença seja igual ou pior do que a do isento expressamente na norma tributária (LIRA, 2012).

Para isso, Almeida Junior (2002, p. 74) coloca que “o disposto no art.111 do CTN, o qual estabelece que se interprete ‘literalmente’ a legislação tributária que disponha sobre ‘outorga de isenção’. Dele resulta somente uma proibição à analogia, e não uma impossibilidade de interpretação mais ampla”.

Com maestria, Paulo de Barros Carvalho centra sua atenção no aplicador do direito e pontua que “prisioneiro do significado básico dos signos jurídicos, o intérprete da formulação literal dificilmente alcançará a plenitude do comando legislado, exatamente porque se vê tolhido de buscar a significação contextual e não há texto sem contexto.” (2012, p. 119).

            Versando sobre a dignidade da pessoa humana, Bernardo Gonçalves Fernandes cita que “o homem é tomado como um ser especial, dotado de uma natureza ímpar perante todos os demais seres, razão pela qual não pode ser instrumentalizado, tratado como objeto, nem mesmo por outros seres humanos” (2013, p.297).

            A noção de dignidade representa o reconhecimento da singularidade e da individualidade de uma determinada pessoa; razão pela qual ela se mostra insubstituível e igualmente importante para a ordem jurídica (FERNANDES, 2013, p.298).

            De acordo com doutrina empregada por Miguel Reale, constatou-se a existência de três concepções de dignidade de pessoa humana, sendo elas: individualismo, transpersonalismo e personalismo. No individualismo tem-se o indivíduo como ponto de partida, ou seja, direitos inatos e anteriores ao Estado, são direitos contra o Estado, denominados direitos de autonomia e direito de defesa. Num conflito indivíduo versus Estado, privilegia-se aquele.

            Com o transpersonalismo é um pouco diferente, a dignidade da pessoa humana se realiza no coletivo, e não no indivíduo. Portanto, prevalecem aqui os direitos da sociedade em face do indivíduo.

            Na corrente do personalismo, defende-se que haja uma compatibilização da pessoa e do Estado, analisando-se a situação concreta.

            A pessoa não pode ser tratada como meio, mas sim como fim em si mesma. Não deve ser meio para a busca de outros interesses (objetificação). A dignidade seria então, como aborda Fernandes, “um superprincípio, como uma norma dotada de maior importância e hierarquia que as demais, que funcionaria como elemento de comunhão entre o direito e a moral, na qual o primeiro se fundamenta na segunda, encontrando sua base de justificação racional” (2013, p.300).

            A dignidade da pessoa humana é princípio absoluto e deve prevalecer quando confrontar com outro princípio, no entanto, observando-se a proporcionalidade e a ponderação dos interesses constitucionais.

            Portanto no âmbito do Direito Tributário, no que se trata da isenção tributária, deve haver uma interpretação da “letra fria” da lei a fim de garantir a observância do princípio da dignidade da pessoa humana. 

  1.  HERMENÊUTICA HODIERNA E PRINCÍPIOS DA CONSTITUIÇÃO DE 88.  

Em relação aos princípios constitucionais que norteiam o artigo 111 do CTN a doutrina coloca que deve se colocar em relevo o princípio da igualdade na tributação, ou da capacidade contributiva, presente em alguns artigos constitucionais, mas essencialmente no art. 145, § 1º da Constituição. Poder-se-ia adicionar também o princípio da legalidade, em que exigiria uma interpretação “estrita” das disposições tomas por excepcionais assim como os anseios do princípio da segurança jurídica para se garantir um grau de previsibilidade diante das matérias discriminadas nos incisos do art. 111 do CTN, no trabalho em questão a isenção tributária (ALVES, BUSTAMANTE, 2012).

A temática proposta orbita no valor da dignidade humana, ou seja, impõe uma discussão que atinge os direitos fundamentais e para tratar esse ponto nada mais oportuno que a teoria dos princípios de Robert Alexy (2007) e sua distinção entre princípios e regras. Ora, sobre isso Daniel Lira (2012) esclarece que:

constitui o marco de uma teoria normativa-material dos direitos fundamentais e, com ela, o ponto de partida para responder à pergunta acerca da possibilidade e dos limites da racionalidade no âmbito destes direitos. E será, por conseguinte, a base da fundamentação jusfundamental e a chave para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. 

Portanto, ausente uma factível compreensão desta diferenciação, que constitui um modelo das normas de direito fundamental, é impensável elaborar uma teoria plausível dos extremos dos direitos fundamentais, no que tange a colisão entre estes e uma teoria integral acerca da função que eles desempenham no sistema normativo.

Daniel Lira (2012) aponta em seu trabalho que para Robert Alexy (2007), o ponto nevrálgico para se distinguir entre regras e princípios é que estes são mandados de otimização, isto é, são normas que coordenam algo que deve ser efetivado no seu aspecto quantitativo e qualitativo de modo mais efusivo, porém em conformidade com as possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Não obstante, podem ser cumpridos em diferentes escalas e que o parâmetro devido de seu cumprimento requisita não somente das possibilidades reais, mas também das jurídicas, isto é, um binômio.

Na sua dicção, a questão se elucida:

Por sua vez, as regras são normas que somente podem ser cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então, há de fazer-se exatamente o que ela exige, nem mais, nem menos. Elas contêm, pois, determinações, no âmbito do fática e juridicamente possível. Isto significa que a diferença entre regras e princípios é qualitativa, e não apenas de grau. Onde, porém, a distinção entre regras e princípios se mostra mais claramente se dá nas colisões de princípios e no conflitos de regras. Embora apresentem um aspecto em comum — o fato de duas normas, aplicadas independentemente, conduzem a resultados incompatíveis — diferenciam-se, fundamentalmente, na forma como se soluciona o conflito. (LIRA, 2012) 

Logo, os conflitos de regras se resolvem na dimensão de validez. Isso quer dizer, apenas podem ser solucionados acrescentando-se uma regra excepcional, relativizando o seu caráter definitivo, ou declarando-se inválida, minimamente, uma das regras. Ademais, uma norma tem validade ou não juridicamente. E se ela é valida implica na sua aplicabilidade a um caso, significa que vale também sua consequência normativa.

Sendo assim, vem à baila a noção que a colisão de princípios se resolve na dimensão de peso, tal como o expressa Ronald Dworkin (2006). Daniel Lira (2012) explica que “quando dois princípios entram em colisão — por exemplo, se um diz que algo é proibido e outro, que é permitido —, um dos dois tem que ceder frente ao outro, porquanto um limita a possibilidade jurídica do outro.”. Entretanto, isso não resulta que o princípio desprezado seja inválido, pois a colisão de princípios se sucede somente entre princípios válidos.

No que tange à sua natureza, as normas jurídicas possuem duas características basilares de coercitividade e de imperatividade, caracteres esses que as distinguem das normas não-jurídicas, à exemplo há normas de ordem moral. Por isso, Daniel Lira (2012) sentencia “não são meros ditames de obediência contingente ou facultativa, mas sim normas jurídicas de aspecto principiológico e dotadas de poder vinculante”.

Ademais, na esfera constitucional, essa coercitividade se expressa de modo mais contundente do que nas outras normas jurídicas, já que as regras e os princípios constitucionais, excedem a noção infraconstitucional de meras normas jurídicas, são normas jurídicas de hierarquia superior, subjugando todo o corpo normativo inferior às suas disposições coercitivas e imperiosas;  oportunamente, atende aos valores consagrados em seu conteúdo, mesmo que implícitos. Inclusive, ressalta-se os seus efeitos de ordem prática, ou seja, não se resume a formação de apenas um conjunto teórico.

Dessa forma, Daniel Lira (2012) leva a crer que:

Encontra-se aqui a base teórica para a construção do raciocínio de que mesmo as normas tributárias que estão relacionadas à coletividade, pela arrecadação tributária e sua reversão para as demandas públicas fundamentais de saúde, educação, segurança et alli, estão amplamente subordinadas aos consectários constitucionais fundamentais, a exemplo da dignidade da pessoa humana, não podendo uma norma tributária, sob o argumento de garantir a arrecadação, infringir tal preceito seja na sua criação ou na sua interpretação e conseguinte aplicação.

 

Logo, a partir dessa inferência, é factível averiguar a necessidade do alcance dos efeitos das regras e princípios constitucionais que se irradiam em toda circunstância fática, inclusive excedendo a esfera estritamente normativa ou jurídica, como, por exemplo, na atividade econômica e na atividade política. A nível exemplificativo Lira (2012) utiliza o processo legislativo, atividades de governo, efetivação de políticas públicas e afins.

Assim, uma das consequências práticas desse reconhecimento é que diretrizes como, por exemplo, a proteção da dignidade humana deixam de ser meras sugestões valorativas e abstratas para se tornarem imperativos fáticos em toda magnitude do direito espelhado na sociedade.

Sendo assim, fica a lição de Lira (2012)

Se, no âmbito dos princípios os problemas de aparente incompatibilidade podem ser resolvidos pela razoabilidade, o que se pode dizer quando ocorrer um conflito entre uma norma e um princípio constitucional. Notadamente, entre uma norma-princípio criadora e norteadora doutras normas como o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e a legislação tributária, notadamente o CTN, o seu art.111, parece que a solução deverá ser de interpretar a referida legislação conforme a constituição adequando, no caso concreto, o rigor da norma tributária aos ditames constitucionais. 

  1.  O ART. 111 DO CTN: ISENÇÃO TRIBUTÁRIA. 

Com escopo de situar no tempo a temática da isenção e da imunidade tributárias, vamos identificar uma doutrina tradicional – que chamaremos de doutrina clássica –, a qual parece ter influenciado de maneira decisiva a feitura do Código Tributário Nacional - CTN (lei 5.172/66). Possivelmente, o seu maior nome é o saudoso professor Rubens Gomes de Souza.

Para delinear os aspectos a serem trabalhados importante é a definição do doutrinador clássico professor Rubens Gomes de Souza (2000; p.180) que apontava a incidência tributária como sendo "a situação em que o tributo é devido por ter ocorrido o fato gerador" . De outro modo, o saudoso doutrinador entendia a não incidência como o oposto da incidência, isto é, inexistência da formação da relação jurídico-tributária em detrimento da não ocorrência do referido fato gerador. Logo, para ele, isenção correspondia ao benefício fiscal, insculpido em lei, representado na inexigibilidade do pagamento do tributo devido. Portanto, Lira (2012) pontua que a dinâmica do fenômeno isentivo seria “ocorrência do fato gerador, incidência tributária, nascimento da obrigação e dispensa do pagamento do tributo devido”.

Assim é que aludido pensamento fez escola, a ponto de o legislador do CTN adotar como epígrafe do "capítulo V" a expressão "exclusão do crédito tributário" e proclamar no seu art. 175 que a isenção exclui, ao lado da anistia, o crédito tributário.

Rubens Gomes de Souza (2000) classifica as isenções em  duas vertentes, que são: subjetivas, aquelas que consideram a pessoa do sujeito passivo; e objetivas, atentas à natureza do ato, fato ou negócio sujeito ao tributo. Sendo tal distinção de grande importância para a discussão do tema proposto, pois é com base nessa diferença que se estabelecerá um dos parâmetros para se fugir a gramática do art.111 do CTN que prevê a interpretação literal das normas sobre concessão de isenção tributária.

Por derradeiro, segundo o pensamento de Sacha Calmon (2006) acerca do tema há  pressupostos que militam para conclusão que os casos de isenção, tanto quanto os de imunidades, não constituem norma jurídica autônoma, mas somente integram a hipótese de incidência tributária, ou seja, mapeiam o âmbito de incidência da norma, marcando os lindes dos fatos que sofrerão a incidência da norma tributante.

Logo, segundo Lira (2012)

Assim sendo, a competência tributária deve ser compreendida como o conjunto de faculdades legislativas e proibições atribuídas constitucionalmente ao ente tributante, donde constitui equívoco pretender que a imunidade erige-se em limitação daquela competência, é limitação do poder de tributar, não da competência tributária, esta é apenas parcela de poder tributante que o ente possui e que decorre das limitações introduzidas a nível constitucional.Haja vista que as isenções heterônomas são medidas excepcionais no sistema da Constituição vigente, a isenção, de regra, poderá ser concebida como autolimitação da competência tributária.

[...]

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