A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO DEPENDENTE QUÍMICO...

Por Jordano de Araújo Almeida | 21/11/2016 | Direito

A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO DEPENDENTE QUÍMICO ANTE A ALTERAÇÃO DA INCAPACIDADE JURÍDICA OCASIONADA PELA LEI Nº 13.146/15

Tornar-se um dependente químico pode ser um dos piores acontecimentos na vida de uma pessoa. No entanto, apesar da gravidade da descrença que isso pode ocasionar, há grandes chances, com o devido tratamento e com esforço pessoal, de recuperação. Atualmente há várias casas de reabilitação em funcionamento, seja por meio de entidades de apoio gratuito como as Organizações não governamentais, ONGs, por iniciativa privada e até mesmo pelo Sistema Único de Saúde, SUS.

O tratamento é importante não só para reabilitar o indivíduo socialmente, mas também para muni-lo de instruções e estratégias para que ele não venha a sofrer uma recaída, tendo em vista que esta é uma doença crônica, que acompanha o enfermo durante o toda a vida. Há vários tipos de internação, como se verá a seguir, mas o tratamento em si consiste basicamente da mesma maneira, de modo geral.

Primeiramente, ocorre a fase de desintoxicação, marcada pela abstinência total da substância. Nesses casos não é possível a redução gradual, pois não surtiria efeito, a medida que a cada dose que fosse ministrada só aumentaria o desejo por mais dela. Muitos adictos desistem do tratamento ainda nessa etapa ou têm várias recaídas, pela liberdade de entrar e sair, na maioria dos casos, do recinto onde se procede a terapia.

Durante o tratamento, muitas são as estratégias e as áreas de atuação utilizadas para alcançar o fim proposto. Psicoterapias individuais e em grupo, aconselhamento, rodas de compartilhamento de experiências, atividades esportivas, de tudo é feito para retirar o foco do adicto da droga. Nesse ínterim, também é trabalhado o cuidado pessoal, com a aparência, muitas vezes desgastada por conta do vício, com a alimentação; assim como a busca da recompensa em outras fontes de prazer.

 Por fim, têm-se a terapia familiar e o treinamento de habilidades sociais, incluídas ai o ensinamento de evitar pessoas, ambientes e situações que causem fissura e remetam ao uso do alucinógeno. No entanto, mesmo com todos os instrumentos e técnicas necessárias para uma boa reabilitação, o adicto abandona o tratamento ou acaba retornando para as ruas e para aquela vida degradante ao qual se sujeitam os dependentes químicos nesse estágio da doença. Diante disso, foram surgindo pontos de concentração de usuários pelas cidades que fomentaram políticas mais eficazes por parte do Estado, com se verá a seguir.

 

1. A Internação Compulsória anterior à Lei nº 13.146/15

Em 2001, foi promulgada a Lei nº 10.216, estabelecendo diretrizes para uma assistência psiquiátrica condizente com o discurso da Organização Mundial da Saúde. Tinha por objetivo romper com o histórico processo de asilamento psiquiátrico em hospitais, por meio de uma progressiva substituição destes por outras espécies de práticas assistenciais (Amarante, 1994). Ainda que este tenha sido o seu objetivo, a internação psiquiátrica não deixou de existir, sendo regulamentada em seu artigo 6º:

Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

Percebe-se que existem três espécies de internação que foram consagradas na lei da reforma psiquiátrica. A primeira delas é a voluntária: nela o paciente é quem solicita a própria internação ou concorda expressamente com esta modalidade por meio de declaração assinada. A liberação desse regime de tratamento ocorre após a sua solicitação por escrito ou mediante determinação do médico responsável, como prevê o artigo 7º:

Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.

Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.

A internação involuntária, segundo a dicção do inciso II do artigo 6º é aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro, cônjuges, pais, tutores, geralmente um familiar, por analogia ao artigo 1768 do Código Civil. Nessa modalidade, é necessário que o pedido seja elaborado de forma escrita, que seja aceito por um médico psiquiatra e que o estabelecimento dê ciência ao Ministério Público do Estado acerca da internação e de sua motivação, no prazo de 72 horas, parágrafo 1º do artigo 8º:

Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.

  • 1oA internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
  • 2oO término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento

Por último, tem-se a internação compulsória, que é aquela determinada pela Justiça. O médico atesta que o indivíduo não tem mais consciência de seus atos e faz o pedido formal para o juiz competente que, tendo por base o laudo médico do especialista e as condições do estabelecimento que cuidará do paciente, artigo 9º, determina a internação compulsória.

Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.

No mesmo sentido, enuncia o §4º do artigo 15 da Resolução CFM (Conselho Federal de Medicina) nº 1.598/00, que normatiza o atendimento médico a pacientes portadores de transtornos mentais, que “a internação compulsória por decisão judicial resulta da decisão de um magistrado”.

Ela pode ser decretada, como se observa, sem a anuência do indivíduo que se pretende internar ou mesmo de sua família. Põe à margem direitos constitucionais, mesmo que somente para determinadas situações e por um curto período de tempo, a ser delimitado em sentença.

Isso por si só já seria o suficiente para longas discussões acerca da legalidade da norma em apreço, no entanto, a temática exorbita essa questão à medida que este instituto foi utilizado para promover uma internação em massa, em cidades brasileiras, e, ainda, de dependentes químicos, hipótese não prevista, expressamente, na lei.

 

1.1 O procedimento para a internação compulsória

A internação compulsória prevista na Lei nº 10.216/2001, assim como as outras, tem como propósito a internação das pessoas portadoras de transtornos mentais. No entanto, ela passou a ser utilizada, também, para promover a internação compulsória em massa, no Rio de Janeiro, em 2012, e posteriormente em São Paulo, dos dependentes químicos, gerando grande debate a respeito, pelos profissionais, tanto da área jurídica quanto da área médica, e pela população em geral.

O argumento utilizado é que tal modalidade é abalizada pela Constituição uma vez que segue um tramite, sendo necessária uma ordem judicial e uma prévia interdição judicial do enfermo. Desta forma, há um procedimento legitimado mais restrito que garante um controle mais rígido sob o crivo do juiz, em que haja uma perícia médica para atestar a necessidade da medida, e a defesa do doente (Kelter e Silva, 2013).

Logo, o Estado pode se valer da previsão da internação compulsória contida na Lei nº 10.216/01, ampliando, na prática, o rol dos sujeitos a esse procedimento aos dependentes químicos, desde que acate as normas de Direito Civil e de Direito Processual Civil.

Vale destacar que esse procedimento é feito excepcionalmente quando o interdito se encontra em estado severo, não aceitando qualquer forma de tratamento, de maneira a colocar a própria vida e a de terceiros em situação de risco. O Estado tem então o poder/dever de intervir no meio social para promover a saúde e para coibir o uso de drogas e os diversos crimes a ele associados, demonstrando-se, destarte, uma questão de saúde e de segurança pública, como se pode extrair do julgado:

ESTADO DA PESSOA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO A DEPENDENTE QUÍMICO. GARANTIA DE TODOS E DEVER DO ESTADO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOR A AÇÃO, POSTULANDO TRATAMENTO A DEPENDENTE QUÍMICO, INCAPACITADO TRANSITORIAMENTE EM RAZÃO DO VÍCIO. RISCO A SUA INTEGRIDADE FÍSICA E DE SUA FAMÍLIA. LIBERAÇÃO DO JOVEM QUE ATINGIU A MAIORIDADE DESCABIDA. TRANSFERÊNCIA DE NOSOCÔMIO APTO AO TRATAMENTO. AGRAVO PROVIDO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70040007171, OITAVA CÂMARA CÍVEL, DESEMBARGADOR: LUIZ ARI ALAMBUJA RAMOS, JULGADO EM 22.11.2010)

Percebe-se, também, com isso, o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público para propor a ação de internação compulsória do dependente químico, que tem cabimento sempre que este se encontre incapacitado para gerir sua vida em decorrência de enfermidade mental ocasionada pelo vício, com se evidencia no julgado em mesmo sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. TRATAMENTO CONTRA DROGADIÇÃO. AVALIAÇÃO MÉDICA. DESNECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. VEROSSIMILHANÇA NAS ALEGAÇÕES. Considerando que a pretensão da parte autora é a de que seja realizada, inicialmente, avaliação médica compulsória do filho, dependente químico que não se submete a exames médicos voluntariamente, inviável determinar a juntada de comprovante médico para a concessão do pleito antecipatório. Determinação de avaliação médica para que seja diagnosticada a enfermidade mental do paciente e, sendo constatada a dependência química, que se proceda à internação compulsória. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM MONOCRÁTICA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70047680129, OITAVA CÂMARA CÍVEL, DESEMBARGADOR: RICARDO MOREIRA LINS PASTL, JULGADO EM 01.03.2012)

Na prática, a internação compulsória foi instituída para solucionar os casos extremos de comprometimento do usuário em que não há familiar para solicitar a internação involuntária, como mencionado anteriormente. Com isso, o pedido ao Judiciário de internação compulsória do paciente pode ser requerido pelo Ministério Público ou mesmo pelo setor próprio da área de saúde pública, quando o indivíduo estiver momentaneamente impossibilitado de decidir sobre os próprios interesses, no caso a própria saúde.

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