A INTERFERÊNCIA MIDIÁTICA E O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO...

Por Letícia Prazeres Falcão | 18/08/2016 | Direito

A INTERFERÊNCIA MIDIÁTICA E O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO: A FIGURA DO JOGADOR INDIRETO E SUAS REPERCUSSÕES SÓCIO-JURÍDICAS

Não é de hoje que o chamado “sensacionalismo” midiático vem se fazendo presente cada vez mais no âmbito do Direito Penal e Processual Penal Brasileiros. Trata-se da forte influencia da mídia brasileira na divulgação e construção (talvez às avessas) de certo senso crítico acerca de julgamentos de grande repercussão como o Mensalão e a Petrobrás.  Acontece que da mesma que o Processo Penal deve ser visto como um jogo, existem regras que devem ser observadas e respeitadas na relação do fator mídia e do instituto da Delação Premiada, afinal de contas visa-se o êxito processual e jurídico diante de condutas que vão de encontro à preceitos constitucionais e penais. A influência da mídia na Delação Premiada, sob o viés da Teoria dos Jogos pode tanto ser benéfica, quanto maligna, a depender de cada lado se joga e com quem objetivo se está jogando. Como já mencionado, o Processo Penal deve ser encarado como um jogo, da mesma forma que a leitura das atitudes das partes envolvidas na Delação devem ser interpretadas de acordo com cada tipo de situação, o perfil dos jogadores, as “cartas escondidas na cartola” e o fator coringa do jogo.

INTRODUÇÃO

1 COMPREENDENDO O INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA E SUAS REPERCUSSÕES SÓCIO-JURÍDICAS

 

Como já sabido, o Direito Penal deve ser visto como a ultima ratio dentre as searas jurídicas, isto porque geralmente os direitos que nele são restringidos dizem respeito principalmente à liberdade do indivíduo, não que esta rigidez própria do encarceramento não seja necessária, mas se faz mister analisar a possibilidade e eficácia de outras alternativas penais adotadas no sistema brasileiro.

O instituto da Delação Premiada segundo Jaciara Eliete dos Santos Machado (2012) diz respeito à uma técnica processual onde o delator, o próprio sujeito ativo da infração penal, possui uma participação ativa no que se refere à investigação penal. Seja oferecendo informações relevantes, elencando quem mais participou do delito, revelando onde está certo corpo ou objeto utilizado no modos operandi, a delação premiada visa uma colaboração entre autor do crime e investigadores (num sentido geral, incluindo juiz, Ministério Público etc) em busca da maior eficácia possível das investigações para que o Direito seja aplicado e haja a maximização de seus resultados.

A delação, ou chamamento do co-réu, consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido pela polícia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente  atribui a um terceiro a participação como seu comparsa. (ARANHA, 2006, p.132)

Por óbvio, “em troca” desta espontânea colaboração há a condenação mais branda deste acusado, geralmente, e a depender da sua participação no crime, lhe é dirigida a redução ou não incidência da pena de prisão (a dita “premiação”). De fato, esta conduta “solidária” do delator em contribuir com informações relevantes para o desvendar do caso penal não só facilita as investigações como também atribui ao sistema penal uma faceta mais branda diante do intrínseco caráter de cercear o direito de liberdade quando necessário.

Dentro do sistema brasileiro penal, algumas das leis que abarcam esse instituto são a 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), 9.034/95 (Lei de Crimes Organizados), 8.137/90 (Lei de Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica) dentre outras.Uma vez apresentado seu conceito, faz-se mister analisar algumas das repercussões que tal alternativa penal provoca, afinal de contas, se de um lado acontece uma maximização da eficácia da investigação e eficácia da lei penal, embora  devam ser vistas com cuidado, de outro opera-se condutas inquisitivas e prática de atos ditos “imorais” ou “antiéticos” frente aos demais acusados.

Muitos dos crimes elencados como âmbito de incidência da Delação Premiada, são delitos onde geralmente existe um grupo criminoso, e que na maioria das situações há uma ordem de hierarquia, o que dificulta a rápida elucidação na investigação processual penal. No momento em que se “abrevia” o elucidar da estrutura e composição desses grupos ou organizações, por meio da confissão e delação dos demais integrantes, de maneira mais célere, o Direito pode ser aplicado. Acontece que para alguns, a Delação deve ser vista com cautela, pois apesar de contribuir de maneira significativa para a aplicação da lei penal, ela também pode ser utilizada de maneira arbitrária, restringindo ou minimizando garantias ao imputado que deveriam ser observadas.

Ferraiolli (2010) ao analisar a situação descrita diz que chega a ser sedutor para o criminoso a aceitação da proposta de acordo de delação que muitas vezes é feita pelos investigadores. Levando em consideração o “pesar” de uma condenação integral e a amenização desta, prefere-se aceitar o acordo premiado auxiliando assim nas apurações criminais.

Ora, na delação premiada, o acusado abandona “voluntariamente” seu estado de sujeito de direito, e passa à condição de objeto da investigação. Uma testemunha, não como outra qualquer uma vez que seu futuro depende da efetivação da sua colaboração, desde que as finalidades constantes no termo de colaboração sejam atingidas. Além do mais, há na delação uma antecipação do juízo de condenação ao delator, pois ao homologar o acordo entre a defesa e a acusação o juiz aceita a condição de culpado sem a instrução criminal. (SOUSA, 2015, p. 18).

Em muitos jogos, existe a necessidade de fazer aliados para que batalhas sejam ganhas e o acordo de Delação Premiada não deixa de ser um exemplo. A proposta realizada seja pelo Ministério Público, pelo magistrado ou delegado visa o encurtamento e eficiência das investigações, ora, de acordo com a dinâmica da Teoria dos Jogos descrita por José Augusto Moreira de Carvalho (2007, p. 218), “as ações de cada jogador afetarão as escolhas dos demais e vice-versa, obrigando que cada agente atue levando em consideração a decisão do outro jogador”. Destarte, a opção pela propositura da delação visa a inversão da situação de bônus presente em certo jogo. Se em certo momento a investigação encontrava-se travada, em outro, passa-se a ter os caminhos necessários para seu desvendar. Se em certo momento, o autor do delito era visto como um adversário a ser combatido, em outro e diante deste mecanismo de meio de prova, ele passa a ser uma espécie de aliado para a aplicação da lei penal. Resta dizer entretanto, que este aliado a depender do crime, das circunstancias, e da veracidade das informações prestadas, pode ter ou não um perdão judicial.

Como já dito, o processo penal segundo a Teoria dos Jogos, deve ser visto como um jogo propriamente dito, onde o movimentar de cada peça deve ser pensado levando em consideração as possíveis condutas da parte adversária. A delação premiada pode assumir a depender do caso concreto uma espécie de “trapaça” por parte do réu que aceita o acordo. Afinal de contas a conduta de delatar não deixa de ser uma traição perante os demais componentes de uma associação criminosa, e no momento que se entrega nomes, há por parte do delator certo auferir de benefícios. Em geral, o ato de trapacear é visto como algo repudiável dentro da cultura dos jogos propriamente ditos, representa uma conduta anti-ética ou imoral diante da “boa vontade” de quem ali participa e joga de maneira “limpa”.

Uma vez apresentada algumas facetas do instituto da Delação Premiada, passa-se a tecer até que ponto a intervenção midiática pode ser considerada um elemento do jogo processual, bem como a intensidade das suas implicações diante da alternativa penal denominada Delação Premiada, afinal de contas, esta a depender de quem são os jogadores pode assumir diversos papeis, e diante da constante presença dos setores de comunicação na seara e debates jurídicos, nada mais razoável do que levantar um estudo dessa interferência midiática no Direito Penal e Processual Penal Brasileiro.

2  A INTERFERÊNCIA MIDIÁTICA NA DELAÇÃO PREMIADA DE ACORDO COM A TEORIA DOS JOGOS

Há quem diga que a mídia seria uma espécie de quarto poder dentro de um Estado, e aqui cabe ressaltar que ela deve, de fato, ser vista como característica de um Estado Democrático de Direito, onde as liberdades de comunicação e expressão são respeitadas e resguardadas não só no texto da Carta Magna de 1988 como também nas legislações infraconstitucionais. Acontece que nos últimos anos, esta vem apresentando uma forte presença em grandes casos do Direito Penal, não só no que diz respeito ao efetuar a comunicação com a sociedade, no tocante à informação que deve ser veiculada, como também nota-se a presença deste quarto poder direta ou indiretamente nas tomadas de decisões e conduções do Processo Penal Brasileiro.

A Teoria dos Jogos segundo Alexandre Morais da Rosa (2014), deve ser entendida como um jogo de estratégia, onde ocorre a interação entre jogadores e suas jogadas devem ser sempre levadas em consideração, explica-se: Em um jogo não há como efetuar manobras sem pensar nas condutas que o adversário pode tomar, bem como, sendo um jogo onde haja parcerias, as jogadas dos grupos devem ser tomadas de maneira sincrética, simultânea. Fatores tempo e espaço também fazem parte dessa estrutura. O ato de jogar, para esta teoria, é o avançar de casas sempre visando um objetivo e percebendo e analisando que condutas os demais jogadores vão tomar.

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