A interface entre a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a Língua Portuguesa para a criança surda no processo de alfabetização

Por Adriana Lanteman Mariano Martins | 04/06/2018 | Educação

FACULDADE DA SERRA – FASE

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

 

                                     

ADRIANA LANTEMAN MARIANO MARTINS

 

 

A INTERFACE ENTRE A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

(LIBRAS) E A LÍNGUA PORTUGUESA PARA A CRIANÇA SURDA

NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

SERRA

2014

FACULDADE DA SERRA – FASE

CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL

ADRIANA LANTEMAN MARIANO MARTINS

 

 

 

A INTERFACE ENTRE A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

 

(LIBRAS) E A LÍNGUA PORTUGUESA PARA A CRIANÇA SURDA

 

NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO

 

 

 

Trabalho de conclusão de Curso apresentado à Faculdade da Serra como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Alfabetização e Letramento.

 

 

SERRA

2014

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Com base em Luft (2000), em seu livro Língua e liberdade, todo ser humano nasce com uma estrutura lingüística podendo aprender qualquer língua. O surdo fala com as mãos e pode aprender uma língua oral-auditiva através delas. Eles percebem o mundo de uma maneira diferente e isto não quer dizer que são necessariamente deficientes. A palavra deficiente mostra aquilo que o indivíduo não tem em relação à outra pessoa, sem levar em consideração que essa diferença, que se assim for tratada, pode contribuir para uma melhor aceitação da pessoa surda pela sociedade. As comunidades surdas vêm lutando por seus direitos, por sua língua materna e por uma educação bilíngue de qualidade.

Sendo a língua um saber próprio do indivíduo, o professor deve, a partir desse saber, promover o desenvolvimento do aluno.

Parte-se do pressuposto que a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS é a língua materna do surdo, reconhecida pela Lei Nº 10.436 de 24 de abril de 2002, sendo esta composta de todos os componentes pertinentes à língua oral, apresentando assim requisitos científicos suficientes para ser considerada instrumento linguístico. É uma língua viva e autônoma, reconhecida pela linguística.

LIBRAS é uma língua gestual-visual que utiliza como canal ou meio de comunicação os movimentos gestuais e expressões faciais.

Uma vez que o ensejo das ações educacionais é tornar o surdo um cidadão inserido no meio social, faz-se necessário que o aluno surdo tenha domínio da leitura e consequentemente da escrita da língua portuguesa. Nesse sentido, é necessário analisar quais as estratégias que podem ser utilizadas na perspectiva de desenvolver o processo de escolarização e alfabetização nos alunos com surdez.

Pensando nisto, busca-se neste artigo, através da pesquisa bibliográfica, como principal objetivo, tornar claro que o aprendizado da língua portuguesa, no caso da pessoa surda, dá-se de forma sistematizada. É preciso um treinamento auditivo para que o aluno perceba as palavras e desenvolva a fala, treinar a respiração, trabalhar a tensão e o relaxamento, sensibilidade e mobilidade orofacial, com exercícios fonoarticulatórios, a fim de trabalhar a fala, o ritmo e leitura orofacial. Para desenvolver a escrita, é preciso apoio na realização das atividades em sala de aula. É um direito do surdo ser bilíngue, a escola deve promover o desenvolvimento da linguagem, incluindo a aquisição da Língua Brasileira de Sinais (L1) e do Português (L2). Neste sentido buscamos conhecer e analisar a metodologia usada no processo de escolarização e alfabetização dos alunos surdos, a partir da visão do Bilinguismo.

 

Para que o ensino-aprendizagem aconteça de forma eficaz, é preciso que o professor domine a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS, somando com os demais recursos, como o material escrito e computadores. Essa metodologia auxiliará principalmente alunos que não tiveram acesso a estimulação precoce.

 

Consideramos como principais teóricos os trabalhos desenvolvidos por Ronice Muller de Quadros e Glades Perlin em que apresenta de forma clara uma proposta para a educação dos surdos através do Bilinguismo e levanta discussões sobre língua de sinais. Tanya A. Filipe, onde ela aborda a estrutura gramatical da LIBRAS. O Programa Nacional de Apoio à Educação dos Surdos MEC/SEESP, que aponta caminhos para a prática pedagógica no ensino da língua portuguesa para surdos. E ainda a concepção de língua materna através do trabalho de Luft. A questão da alfabetização, a aquisição e aprendizagem da língua portuguesa, a estrutura linguística da LIBRAS, descrito por Lucinda Ferreira Brito. Dentre outros.

 

2. O PROCESSO DE ESCOLARIZAÇÃO / ALFABETIZAÇÃO

 

A educação é um direito de toda criança. A Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em seu Título III Do Direito à Educação e do Dever de Educar, Art. 4º diz que “O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: inciso IV – atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade”. Sendo esta um complemento da ação da família, visando o desenvolvimento físico, motor, emocional, cognitivo e social da criança.

 

Nas práticas pedagógicas deve-se valorizar o lúdico, estimular a criança, encorajando-a a fazer descobertas, a buscar novos caminhos, visando sempre o desenvolvimento global dela.

No processo de preparação do currículo escolar, deve-se valorizar principalmente a capacidade de crescimento intelectual do aluno, a diferença cultural e social da criança. Nele (currículo) devem estar inseridos os objetivos específicos, de acordo com Rinaldi (1997, p. 21), formados por diversas áreas de estudo, área psicomotora, cognitiva, expressiva, emocional, moral, religiosa e social. Para atender os alunos com surdez ele deve receber uma complementação específica, adequando-se às necessidades de cada aluno. Valorizando o movimento e a aprendizagem da linguagem.

O surdo tem o direito de ser bilíngue, para tanto, cabe á escola deve promover o desenvolvimento da linguagem, incluindo a aquisição da Língua Brasileira de Sinais (L1) e do Português (L2).

Rinaldi (1997) diz que 80% da nossa linguagem pode ser expressa através de gestos, olhares, expressão facial e corporal, através da música e dos sinais. “Podemos dizer então que, enquanto a língua é um fato, a linguagem é um ato”. (p. 25).

Para a aquisição da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS é preciso que o professor domine-a, trabalhando com temas que façam parte do cotidiano da criança e principalmente que ela tenha contato direto com a comunidade de surdos, a fim de desenvolver uma identidade.

O aprendizado da língua portuguesa, no caso da pessoa surda, se dá de forma sistematizada. É necessário um treinamento auditivo para que o aluno perceba as palavras e desenvolva a fala, deve treinar também a respiração, trabalhar a tensão e o relaxamento, sensibilidade e mobilidade orofacial, com exercícios fonoarticulatórios, a fim de trabalhar a fala, o ritmo e leitura orofacial entre outros fatores. Para desenvolver a escrita, é preciso apoio na realização das atividades em sala de aula.

 

No início do seu processo de escolarização, a criança surda pode frequentar uma escola regular ou uma escola especial. Se ela está incluída em sala de ouvintes, é necessário que este receba apoio de professores especializados em outro horário, para uma complementação específica.

O objetivo de se trabalhar o desenvolvimento e a aprendizagem do Português em crianças com surdez é dar a elas a possibilidade do desempenho da linguagem como objeto de participação interpessoal e social, habilitando-as a comunicar-se oralmente.

 

3. Estimulação essencial

 

Com base em Rinaldi (1997), a estimulação essencial consiste em um conjunto de atividades voltadas para crianças surdas de zero a três anos e para sua família. Ela é de extrema importância para que essa criança tenha um desenvolvimento, seguindo ritmos e padrões próprios de todo criança, servido também para orientar a família sobre a importância que tem neste processo, assumindo a verdadeira responsabilidade, auxiliando a criança no seu desenvolvimento.

A estimulação global tende a favorecer condições de atividades psicomotoras no desenvolvimento de qualquer criança, independente de sua deficiência, e a deficiência específica consiste na estimulação específica da linguagem. Desta forma, as atividades estão ligadas diretamente ao desenvolvimento das áreas afetadas pela surdez e áreas que se constituem via de saída para impedir que a surdez acarrete outros problemas.

No trabalho de estimulação precoce, a atividade psicomotora proporciona à criança experiências corporais que auxiliam no desenvolvimento de suas capacidades motoras, dando a elas a possibilidade de conhecer seu ambiente físico e humano. Essas experiências ajudam as crianças nas suas relações interpessoais.

Para Rinaldi (1997), a estimulação precoce é primordial para o desenvolvimento da criança, no entanto, para que aconteça é necessário que fonoaudiólogos, professores e familiares estejam aptos a participarem deste trabalho com muita afetividade, ludicidade e naturalidade. O autor defende que a criança inserida com naturalidade em todas atividades do seu cotidiano seja na escola, em casa ou na comunidade participando de brincadeiras, o êxito da estimulação precoce será alcançado.

 

A estimulação precoce ocorre de zero a três anos de idade, deve ser oferecida em creches, centro de educação especial ou escolas especializadas, deve ser realizada individualmente, com o professor especializado e participação direta dos pais, que poderão estar aprendendo para auxiliar o filho em casa. O desenvolvimento apresentado pelo bebê é de fundamental importância, deve ser registrado por todas as partes envolvidas no progresso da criança surda.

Após os dois primeiros anos de idade, o atendimento pode ser realizado em pequenos grupos, com o objetivo de atingir padrões de desenvolvimento compatíveis aos realizados individualmente.

As áreas sensório-motora, cognitiva e afetiva devem estar envolvidas no processo de estimulação auditiva e linguística, onde as necessidades individuais de cada criança estarão elaboradas em definidos programas.

 

Os recursos didáticos são da maior relevância, uma vez que o aluno precisa de equipamentos para amplificação sonora e de matérias para a estimulação auditiva e cognitiva, a fim de facilitar a aquisição dos conceitos linguísticos e o trabalho de recepção e emissão. (GIUSEPPE, 1997, p.127)

 

O autor ainda defende que para que a aquisição de conceitos linguísticos e estimulação sensorial se realizem são necessários materiais como instrumentos musicais, fitas gravadas, discos, roupas alimentos, utensílios domésticos e brinquedos.

 

4. Alfabetização

 

Para Rinaldi (1997), a alfabetização do aluno surdo pode ocorrer tanto por intermédio do método analítico-sintético ou do global, a preocupação maior é com a leitura e interpretação de textos. Saber ler vai muito além do que decodificar palavras, é preciso de fato entender o que se lê. Para que isso aconteça de fato, o indivíduo passa por dois processos: o sensoriais ou fisiológicos, que ocorrem quando, através da visão, o indivíduo recebe os estímulos, que é a visão gráfica das palavras levado até o cérebro tendo como canal o nervo ótico. Para que a leitura ocorra é preciso que o indivíduo saiba distinguir os diferentes sinais gráficos. Nesse processo, devem-se considerar possíveis problemas como: miopia, astigmatismo ou estrabismo. O processo psicológico e mental ocorre quando o indivíduo consegue perceber de forma global os símbolos gráficos, compreendendo-os, reagindo aos fatos e aplicando-os a sua vivência.

 

O autor orienta que o professor pode percorrer dois caminhos no processo de ensino da leitura, que são os métodos sintéticos e analíticos. O método sintético se processa da parte para o todo e subdivide-se em: alfabético, onde o aluno aprende primeiro as letras, depois as sílabas; em seguida as palavras, para só depois ter acesso ao texto. Fonético ou fônico ocorre quando o aluno começa aprendendo os som das letras, até ser capaz de unir o som da consoante à vogal, a fim de pronunciar de forma correta a sílaba formada. Quando o aluno se encontra na fase silábica, ele é capaz de, usando as sílabas, formar palavras. Ou seja, no método sintético o aluno aprende primeiro a conhecer as letras, depois as sílabas e só depois as palavras e texto.

O método analítico parte do todo para as partes. Ele se subdivide em: palavração, que é a leitura das palavras; e sentenciação, que é a apresentação de frases para depois dividi-las em palavras e sílabas. O professor pode também usar contos e histórias de forma global, apresentando ao aluno textos com começo, meio e fim. Depois que o aluno já é capaz de ler o texto, o professor parte para a análise das palavras e sílabas.

É muito importante que a família procure atendimento clínico e educacional o quanto antes, para que possa ser detectado o grau de perda auditiva, a fim de saber se o aluno deve ou não usar o aparelho de amplificação sonora para estimular os resíduos auditivos. A criança deve ingressar o quanto antes em creches e pré-escolas, para desenvolver a aquisição da linguagem oral do português e/ou da LIBRAS. Deve receber treinamento auditivo, coordenação motora fina, percepção de figura, posição espacial.

Rinaldi (1997) sugere que, para a construção de textos com alunos surdos, o professor deve buscar assuntos do interesse do aluno e que estejam de acordo com o nível de linguagem dele. Os textos produzidos podem ser refeitos em cartazes com letras de imprensa e ilustrado pelos alunos, podem ser feitos também fichas com as frases do texto, depois se pode produzir um dicionário visual, contendo a palavra, o desenho, o sinal e seu significado.

Todas as fases percorridas no processo de alfabetização devem ser exploradas de forma agradável e lúdica. Todo o material gráfico apresentado deve ser confeccionado em letra de imprensa. O professor deve conhecer a realidade social do seu aluno, a fim de buscar o vocabulário que seja da realidade e do interesse do aluno e seu ritmo de aprendizagem deve ser respeitado, recomenda Rinaldi.

 

4.1  Alfabetização dos surdos numa abordagem construtivista

 

Segundo Rinaldi (1997), na abordagem construtivista deve-se considerar a interação entre estimulação da coordenação motora, cognitiva e afetiva, pois, são fatores muito importantes na construção do conhecimento. Conhecer os diferentes níveis existentes em sala de aula ajudará no processo ensino-aprendizagem. Para isso ele cita Ferreiro, que trabalha a escrita a partir de níveis estruturais, pré-silábico, silábico, silábico alfabético e alfabético: no nível pré-silábico, a criança não se preocupa com o som das letras, mas com a quantidade; normalmente utiliza as letras do próprio nome para escrever outras palavras, percebe que precisa de quantidade mínima na escrita de uma palavra, pelo menos duas ou três diferentes. O nível silábico se divide em dois momentos: o silábico, onde a criança já percebe a diferença entre os sons das letras, e a grafia delas, utilizam da forma aleatória, misturando consoantes e vogais conforme o número de sílabas das palavras; o silábico alfabético é o estágio em que a criança procura escrever de forma ortográfica ou fonética. O nível Alfabético ocorre quando a criança é capaz de perceber que o som da letra nem sempre corresponde ao seu grafema.

No momento em que a criança entra para a escola e começa a ter o contato com a escrita através das atividades desenvolvidas pelo professor, quando este utiliza diversos materiais como os jornais, revistas, rótulos, a criança surda começa a perceber a função social da escrita. Neste momento, surge nas crianças o interesse de transcrevê-los. Quando as crianças surdas chegam neste estágio, considera-se que estão na fase pré-silábica.

Como a ausência dos estímulos auditivos pode dificultar o desenvolvimento da linguagem oral, o autor orienta que, neste contexto, é muito importante uma complementação no currículo, levando em consideração a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), como pressuposto para a aquisição da linguagem escrita. É nesse processo que o uso da datilologia se faz necessário, pois cada letra do alfabeto é representada por uma configuração de mão. A criança surda passa pelos mesmos estágios de desenvolvimento da escrita como as ouvintes, precisando apenas de adequações para a sua aprendizagem.

Como as crianças ouvintes, os surdos devem conhecer as letras do alfabeto, com um diferencial, o professor deve lhe apresentar a letra em português e o sinal em LIBRAS. Pode-se construir o alfabeto móvel. Trabalhar com seus nomes, bingo do alfabeto, ditado e todas as demais atividades usadas no processo de alfabetização, mas sempre incorporando a LIBRAS no ensino-aprendizagem, sugere Rinald.

 

5. BILINGUISMO

 

Segundo Rinaldi (1997), organizador da série Atualidades pedagógicas deficiente auditivo, tradicionalmente, o surdo era conhecido como um indivíduo que não possuía condições de ser alfabetizado. Por esse motivo, não tinha nenhuma noção do que seria um espaço escolar, tampouco direito de constituir família ou ter uma profissão, de ser herdeiro de bens, enfim, de ter uma vida livre como os ouvintes. Desta maneira, viviam isolados, tendo que contar com a própria sorte.

Historicamente, a educação dos surdos inicia-se por volta do século XV, onde a real situação dos surdos era:

(...)não havia escolas especializadas para os surdos, pessoas ouvintes tentaram ensinar surdos; Geralano Cordano, um italiano que utilizava sinais e linguagem escrita, Pedro Ponce de Leon, um monge beneditino espanhol que utilizava além de sinais, treinamento de voz e leitura dos lábios”. (Programa de Capacitação de Recursos Humanos do Ensino Fundamental – A educação dos surdos, Volume II, 1997, p. 283).

Também houve a dedicação de alguns educadores como Ivan Pablo Bonet (Espanha), Altoé Charles Michael de L’Épeé (França), Samuel Heinicke e Moritz Hill (Alemanha), Alexandre Graham Boll (Canadá e EUA), Ovide Dulory (Bélgica). Esses educadores ficaram duvidosos quanto ao método certo para a alfabetização de surdos, uns afirmavam que o ensino deveria partir da língua materna, outros afirmavam que seria a língua de sinais, que já era do conhecimento dos surdos e também a interação entre Língua de sinais materna.

Em busca de metodologias específicas para o ensino de surdos, surgiu o oralismo, que vê a surdez como uma deficiência, onde se deve trabalhar a estimulação auditiva a fim de minimizar a deficiência dando a criança uma personalidade ouvinte.

O objetivo do oralismo é reabilitação da criança surda para uma vida normal, como se ela não fosse surda, pois vê na comunicação gestual prejuízo para a aquisição da linguagem oral.

O oralismo enfatiza a língua oral. Quadros, em seu livro Educação de surdos – aquisição da linguagem (1997), levanta uma questão importante e que se deve refletir sobre ela ”(...) é possível o surdo adquirir de forma natural a língua falada, como acontece com a criança que ouve?” (1997, P.22).

Segundo Quadros (1997), apesar de se investir anos da vida do aluno surdo em sua oralização, ela só capta, através da leitura labial, 20% da mensagem e sua produção oral normalmente não é compreendida por aquele que não tem convivência com surdo.

O oralismo é considerado pelos estudiosos como uma imposição social de uma maioria linguística (os falantes das línguas orais) sobre uma minoria linguística sem expressão diante da comunidade ouvinte (os surdos). (QUADROS, 1997, p. 26).

 

A autora supracitada registra ainda que, sendo a proposta oralista uma forma de supressão do sinal e, consequentemente, de não ocultação da comunidade surda, ela não foi bem vista e seus resultados não foram satisfatórios. Diante disso surgiu então uma nova proposta, que era a comunicação total. Ela diz que a Língua Brasileira de Sinais-LIBRAS e o Português são línguas autônomas e de igual importância, porém o objetivo maior da comunicação total não é o aprendizado de uma língua, mas a comunicação.

Conforme estabelecido na Resolução do CNE N.º 02/2001, a educação dos alunos surdos pode ser bilingue, facultando a eles e às suas famílias a opção pela abordagem pedagógica que julgarem adequada. Diante da preocupação de tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar, surgiu então o bilinguismo, propiciando ao surdo o direito de ser ensinado através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a Língua Portuguesa (modalidade oral e escrita), com professores diferentes em momentos distintos, a depender da escolha pedagógica da escola e da família. Sua língua natural e, a partir dela, o Português é ministrado. Parece apropriada a afirmação de que

 

(...) é um oxoma afirmar que a língua materna – língua natural – constitui a forma ideal para ensinar a uma criança (...) obrigar um grupo a utilizar uma língua diferente da sua, mais do que assegurar a unidade nacional contribui para que esse grupo, vítima de uma proibição, segregue-se cada vez mais da vida nacional (...) (QUADROS apud UNESCO, 1954).

 

Segundo Quadros (1997), a proposta bilíngue para o ensino da língua portuguesa é baseada em técnicas de segundas línguas. Ou seja, partindo das habilidades cognitivas adquiridas pelo surdo, através de sua interação e experiências naturais com a LIBRAS, ensina-se o português. Para tanto, é preciso proporcionar à criança surda esse contato, visto que, mesmo que ela tenha nascido em famílias de ouvintes, ela não terá condição de aprender de forma natural o português. De uma forma particular, ela usará sinais para demonstrar seus desejos e necessidades e o quanto antes ela tiver contato com outros surdos, melhor e mais fácil será seu desenvolvimento.

 

5.1 Leitura e escrita na perspectiva do ensino de Português como segunda língua para surdos

 

No ensino da língua portuguesa como segunda língua, é de suma importância que os deficientes auditivos recebam informações diversas por meio da leitura.

Conforme Rinaldi (1997), o professor deve estar sempre inserindo o aprendiz na atividade proposta. Quanto mais textos linguísticos e situações extra- linguísticas forem apresentados, melhor serão os resultados.

Recursos gráficos e visuais são auxiliares na aquisição/aprendizagem, já que para os surdos a leitura silenciosa é a técnica mais recorrente, diferentemente do aprendiz ouvinte, que se processa tanto oral como silenciosamente.

 

(...) A leitura é, portanto, entendida de maneira mais ampla, em que certamente o sistema linguístico cumpre um papel fundamental, tendo em vista que ”a leitura do mundo precede a leitura da palavra” e a leitura desta é importante para a continuidade da leitura daquele (FREIRE, 1982: 20 apud BRASIL. Ministério da Educação Especial.-MEC/SESP, 2002).

 

A leitura exige algumas condições para sua realização, cumprindo várias funções, como a de divertir o leitor até aquelas que exigem do leitor processos mentais mais elaborados, onde o conhecimento de cada indivíduo é de grande importância.

Contudo, de acordo com Quadros (1997), professor deve ter uma real preocupação quanto ao ensino da língua portuguesa como segunda língua para surdos, pois através dela o surdo desenvolverá a escrita. Ele deve valorizar a LIBRAS, sendo esta um instrumento no ensino do português. Dessa forma, o conhecimento da LIBRAS e do Português pelo professor são de suma importância.

 

Sabe-se que grande parte do sucesso escolar vem da capacidade de uma boa leitura. Infelizmente, parte dos alunos que passam da fase de escolarização não apresentam noções e habilidades de leitura. Separar a linguagem da leitura de outras disciplinas torna o ensino ineficaz, prejudicando o aprendizado em busca de uma educação de qualidade, no aluno ouvinte, e principalmente no aluno surdo, quando o professor não leva em consideração a língua materna destes.

Segundo Quadros (1997), alguns educadores interpretam a leitura como ato de codificação, estabelecendo a leitura à simples ligação entre símbolos escritos e sons falados, ignorando a bagagem de linguagem oral e/ou gestual que os alunos trazem consigo.

Associar a leitura com a linguagem influencia no processo de pensamento dos alunos, dando-lhes a oportunidade de compreensão da necessidade da comunicação. A leitura de história é muito importante na alfabetização das crianças menores, pois elas usam diferentes estratégias para entender os textos, sendo o ambiente passível de influência na utilização das estratégias de leitura feita pelas crianças. (Rinaldi,1997).

Conforme Spodek e Sarachoi (1998), os linguistas e escritores adquirem visões diferentes da linguagem em seus estudos, alguns estudam a escrita como uma forma de expressão transplantada em símbolos que serão identificados de forma visual, outros codificam a linguagem oral em séries, determinando seu significado.

A linguagem pode ser codificada de várias formas, já no início da comunicação, os desenhos nas cavernas, figuras que foram sendo substituídas por símbolos dando a ideia a cada um deles, demonstravam uma das formas de codificação.

 

Pessoas que falam diferentes línguas e dialetos podem se fazer entender através de símbolos escritos. Podemos considerar como uma desvantagem o fato de ter que aprender um grande número de símbolos para estabelecer a alfabetização básica. As crianças, quando atingem a maturidade, conseguem ultrapassar o vocabulário que escutam.

 

Para que a criança se torne um bom leitor é preciso que ela, desde a educação infantil, tenha acesso à leitura e escrita e seja estimulada a ler histórias infantis.

Quanto à criança surda, as histórias devem ser acompanhadas de muitos recursos visuais. Sempre utilizando da língua de sinais e da língua oral. Mesmo que a criança ainda não saiba ler, o professor pode construir textos coletivos, onde as crianças fazem os relatos de passeios, festas ou outra situação vivida por ela. O professor registra no quadro, deixando claro para a criança que, através da escrita, pode-se registrar tudo para que depois possa ser lido.

A aprendizagem da escrita ocorrerá a partir do momento em que a criança começar a vivenciá-la.

 

5.2  Desenvolvimento da linguagem

 

Baseando-se em Quadros (1997), considerando a proposta bilingue, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) deve ser a primeira língua (L1) da criança surda e a Língua Portuguesa a segunda língua (L2). A autora coloca que a linguagem só é possível nos seres humanos, por ser dotado geneticamente de uma capacidade linguística mental e que o ambiente e a interação social é de suma importância para o desenvolvimento da linguagem.

 

A autora explana também que, no período pré-linguístico, tanto os bebês surdos quanto os ouvintes produzem balbucio, isso demonstra que a capacidade aparece não só pelos sons, mas também através dos sinais. Este balbucio aparece até um determinado tempo, onde a interação social favorece a linguagem oral ou manual. Neste momento os bebês ouvintes param com o balbucio manual e começam a gesticular as primeiras tentativas de fala e os bebês surdos param com o balbucio oral; e se esse bebê for nascido em família de pais surdos começará a desenvolver a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), se nascido em família de pais ouvintes, ele cessará.

 

Segundo a autora, a criança surda, quando filha de pais ouvintes, inicia o estágio de um sinal por volta dos 12 (doze) meses e dura um período de até dois anos. Quando filha de pais surdos, este estágio inicia-se por volta dos seis meses, partindo daí para a aquisição da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

 

Normalmente, as crianças, antes de adquirir a linguagem apontam objetos, alimentos ou o que for do seu interesse. A estimulação neste momento poderá garantir o desenvolvimento da linguagem.

As primeiras combinações de sinais, segundo Quadros (1997), surgem por volta dos dois anos na criança surda e a ordem observada por ela é que durante este estágio a criança surda faz as seguintes combinações: SV (Sujeito/Verbo), VO (Verbo/Objeto), logo depois SVO (Sujeito/Verbo/Objeto); esta ordem de palavras é usada nas relações gramaticais.

Nesse período, o uso dos pronomes EU e TU sofrem erros tanto com as crianças surdas quanto com as ouvintes.

“As semelhanças na aquisição do sistema pronominal entre crianças ouvintes e surdas sugerem um processo universal de aquisição de pronomes, apesar da diferença radical na modalidade”. (Quadros, 1997, p. 73). Ou seja, mesmo parecendo simples dizer EU e TU apontando para si e para o outro, neste estágio é normal às crianças apontarem de forma invertida.

 

Quanto ao uso do sujeito, Quadros coloca que em alguns casos, quando o sujeito é obvio, ele é omitido, como no caso da frase a seguir: AULA, IR. Ou seja, (Eu) vou à aula. O verbo não foi flexionado. Em outros momentos, o sistema pronominal é usado de forma correta como na frase: EU, SAIR. TCHAU! Ou seja, Eu estou saindo. Tchau! E ainda ELE, OLHAR ELE. Ele olhou para ele. (p. 73).

No estágio de múltiplas combinações que ocorrem por volta dos dois anos e meio a três anos é quando as crianças surdas começam a usar formas diferentes para nomes e verbos (CADEIRA e SENTAR).

Aos quatro anos, as crianças surdas ainda não usam de forma corretas a concordância verbal. (...) “elas não estabelecem associações entre local e a referência, dificultando a concordância”. (...) (Quadros, 1997, p. 75). Enfim, aos cinco e seis anos, as crianças já usam os verbos de forma adequada. Pois adquiriram a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização desta pesquisa oportunizou perceber que ainda há muito que se fazer no processo de escolarização e alfabetização do aluno surdo. Rever as práticas pedagógicas, o currículo educacional que ainda favorece muito ao aluno ouvinte, faz-se necessário suprir as escolas com equipamentos e treinamento para os professores quanto a sua utilização, a fim de incluir o aluno de fato, explorar todo o conhecimento já adquirido pelo aluno, estimulando e encorajando-o às novas descobertas. Ter o apoio de um profissional capacitado, que domina a língua de sinais é de suma importância.

Neste sentido faz-se necessário rever também as práticas pedagógicas utilizadas na escolarização do aluno surdo. Segundo ESTEBAN e ZACCUR (2002), através da prática acontecem os questionamentos, onde o objetivo está sempre mediado pela teoria. Professor e aluno são elementos que se interagem num movimento de ida e volta estabelecendo relações recíprocas assimilando conhecimentos, habilidades e atitudes.

Para que uma proposta bilingue se torna real, é preciso um apoio maior as escolas que estão abertas à inclusão, mas, não se encontram preparadas. É preciso uma sala de apoio onde o professor intérprete num processo de interação com o professor da sala regular, favoreça o desenvolvimento do aluno surdo de forma integral, para que este possa aprender através da LIBRAS a Língua Portuguesa. Sua oralização deve ser trabalhada em outro momento por um profissional capacitado.

REFERÊNCIAS

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DESPORTO. Secretaria de Educação Especial. Ensino da língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica/ Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEE SP, 2002.

BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DESPORTO. Secretaria de Educação Especial. Deficiência Auditiva. Organizado por Giuseppe Rinaldi. Brasília: SEESP, 1997.

ESTEBAN, Maria Teresa e ZACCUR, Edwiges. A Pesquisa como eixo de formação docente. IN: ESTEBAN, Maria Teresa e ZACCUR, Edwiges (orgs). Professora-pesquisadora uma práxis em construção. Rio de Janeiro: D P & A, 2002.

FREIRE, 1982 apud BRASIL. Ministério da Educação Especial -MEC/SESP, 2002.

LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: Por uma nova concepção da língua Materna. 8ª edição. São Paulo: Ática, 2000.

QUADROS, Ronice Muller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

RANGEL, Mary. Dinâmicas de leitura para a sala de aula. 17ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

RINALDI. Giuseppe (Org). Deficiência Auditiva. In: BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DESPORTO. Secretaria de Educação Especial.Brasília: SEESP, 1997.

SPODEK, Bernard & SARACHOI, Olívia N. Ensinando crianças de três a oito anos. Trad. Claudia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: Art Med, 1998.

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