A interdisciplinairdade na interface da Psicologia aplicada ao Direito

Por Diógenes de Paula e Monteiro | 23/12/2012 | Direito

A interdisciplinairdade na interface da Psicologia aplicada ao Direito

Diógenes de Paula e Monteiro e Kênnia Suelen da Silva[1]

RESUMO

 

Consideradas isoladamente, ciências são ineficazes. Máxime o Direito, que tão somente por si geraria o injusto, vez que a pureza da norma se contrapõe à imperfeição do homem. Embora a lei zele pelo bem-estar da sociedade, não pode suprir todas as necessidades dos cidadãos através da mera aplicação de dispositivos legais, sem prejuízos, numa infinidade de situações em que a atuação de ciências como a  psicologia é indispensável para o alcance do objetivo precípuo do direito; a justiça.   

 

 

Palavras-chaves: psicologia, direito, interrelação, homem, sociedade. 

 

“As mentes diferem ainda mais

do que os rostos” (Voltaire)

 

INTRODUÇÃO

   

Para estudar o Direito, a questão interdisciplinar é imprescindível, com obrigatoriedade de conhecimento quanto, a título de hipótese, à psicanálise. Quando se trabalha  o comportamento humano, os processos mentais de cada indivíduo, as razões e explicações para os acontecimentos da vida em geral, a correta aplicação da lei exige o auxílio de outras matérias, realizando uma integração do conhecimento.

Como marco teórico serão utilizadas as obras da literatura geral ligada às ciências psíquicas, não necessariamente didático-doutrinárias, tal qual o livro “Meu vizinho é um psicopata”, “Paciente 67”, e “O processo”, de Franz Kafka.

A metodologia será a dedutiva e o transcorrer do presente trabalho se dará linearmente, vez que uma metódica divisão seria contraproducente ao tema aqui abordado, que significa a integração de diferentes faculdades do saber, apresentadas como frutos da mesma árvore – o conhecimento.

DESENVOLVIMENTO

 “Onde há o homem, há a sociedade; onde há a sociedade, há o Direito” – conhecida citação do filósofo da Macedônia, Aristóteles, a qual demonstra sucintamente a relação do homem com seus pares, e o consequente surgimento do Direito.

O ser humano é gregário, por sua natureza, sendo dependente do suporte e do convívio de outros indivíduos – fato este mais evidente quando, ao nascer, o bebê não tem qualquer autonomia; não pode se alimentar sozinho, nem consegue se comunicar claramente além dos choros, sequer consegue se manter sentado. Nesta fase, o bebê já é sujeito de direitos e obrigações asseguradas na Constituição Federal e por todo o ordenamento, o que na perspectiva aristotélica, seria uma tentativa do Estado de prover aos seus cidadãos a “felicidade” – que seria a disponibilização de condições para a uma vida digna, oferecer meios para o desenvolvimento de trabalho do indivíduo, e garantindo sempre o seu bem-estar físico e mental, como numa tríade. Porém, confiar sem reservas na capacidade de autoexecução dessas leis poria em risco o cidadão, desde o seu nascimento até à época de início da proteção post mortem de sua memória.

A lei, solitariamente, ainda é incapaz de funcionar em harmonia com a realidade fática. Por si só, seriam apenas um gigantesco e positivado conjunto de regras de conduta e vida em sociedade; o Direito sozinho não pode sustentar a complexidade das relações humanas, tão instáveis e inconstantes. Fôssemos seres mecânicos, dotados de processos comportamentais lógico-matemáticos, tais quais as máquinas, aí, sim, poderíamos conviver tão somente com as três leis da robótica, criadas por Isaac Asimov em sua obra “Eu, robô”, e teríamos, mesmo que inumana, uma sociedade ideal.

No século XX, acreditava-se que o homem nascia bom, qual tábula rasa, mas era posteriormente corrompido pelo meio social em que viveria. A dimensão do termo “corrompido” abrigaria o necessário para justificar as imperfeições de caráter dos indivíduos, aduzindo que embora fossem maus, corruptos, criminosos, um dia foram puros, vítimas das circunstâncias e pessoas que o cercavam. Embora seja uma grosseira síntese, este é um escorço da origem do termo “sociopata”, que seria a denominação para aquele transgressor radical dos valores e condutas de uma sociedade, um alguém entendido como socialmente doentio.

O homem nasceu bom. O mundo o corrompeu. Até então, a ciência psicológica ainda galgava presa aos estudos do psiquiatra austríaco Sigmund Freud, o chamado “pai da psicanálise”, o qual desenvolveu as primeiras ideias acerca do complicado comportamento psíquico do homem, ideias que hoje, cientificamente falando, têm imenso valor acadêmico e didático, mas pouquíssima aplicação prática.

Pois bem, eram ditos sociopatas aqueles homicidas seriais, estelionatários compulsivos, ou seja, todos que causassem choque a qualquer homem mediano por suas condutas repulsivas, das quais não se observava constrangimento algum. Com a evolução das ciências médicas, pelas avançadas pesquisas através do corpo humano – inclusive com a descoberta do “código da vida”, o ácido desoxirribonucleico, mais conhecido com DNA, pelos britânicos Watson e Crick – foi extensa a investigação da mente, ou em melhor técnica, da caixa cranioencefálica como um todo. E descobriu-se o sistema límbico, região do córtex cerebral que se manifestava nos exames de eletroencefalograma sempre que o paciente demonstrava reações emocionais.

Encontrou-se o cerne da emoção humana. Dito foi, inclusive, em trabalhos acadêmicos exageradamente cientifizados que “o amor nada mais era que uma turbação de sinapses nervosas em uma microárea do cérebro”. Mas também obteve vultoso destaque a descoberta de que nos “sociopatas”, esta região do cérebro era não funcional. Sociopatas eram incapazes de amar, de odiar, desconheciam qualquer emoção por causa de uma “anomalia” em seus córtex cerebrais, algo com que nasceram e conviveriam enquanto vivessem.

A evolução da ciência alterava a lógica de John Locke, pois, de fato, o homem nem sempre nascia bom. Digamos que atingíssemos o ideal de perfeição do Estado de Direito, ainda que houvesse as melhores circunstâncias para os cidadãos, que seriam, ainda em hipótese, em número de cem – haveria quatro “diferentes”, potencialmente perigosos, dados da psicóloga Martha Stout, que foi membro do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Harvard.

De qualquer modo, embora correspondam a simplórios quatro por cento de toda a população mundial, o adjetivo de “sociopata” resta inadequado – não exatamente pelo que significa, mas pela razão em que se inspirou, pelo contexto que o originou, de acordo com explanação da Dr.ª Stout, em sua obra “Meu vizinho é um psicopata”. A seara jurídica não deve desconsiderar nenhuma das linhas acima, máxime quando levantadas algumas questões.

A primeira e mais óbvia é sobre as providências do Estado para com o indivíduo criminoso, do qual eventualmente se venha a diagnosticar nas devidas vias processuais um quadro de psicopatia. As leis penais, extrapenais e processuais foram elaboradas com vistas ao “cidadão médio”, com princípios e objetivos voltados à punição e recuperação do infrator.

Para um psicopata, a função da pena jamais alcançaria seu objetivo pleno. A privação de liberdade seria um incômodo, não um castigo; e de um ser que não tem remorso pelos maus atos, nem empatia, não há sequer que se falar em recuperação. Indivíduos assim seriam perigosos mesmo dentro do sistema penitenciário.

Justifica-se que a ausência de respostas jurídicas está na inexpressão do interesse público, ou melhor dizendo, a lei não deveria se eximir do dever proteger e disciplinar o tratamento de uma minoria, tal qual o faz para as comunidades indígenas, quilombolas, etc. E em cima disso, pode se justificar também no fato de os psicopatas não formarem uma comunidade, sendo mais um dificuldade para o legislador estabelecer disposições comuns. Mas, em verdade, o Direito ainda “engatinha” na questão de interdisciplinaridade, isto é, vale-se pouco da assessoria de outras áreas, confiando muitas vezes tão mais na perícia da lei do que nos próprios peritos. Inclusive, há dispositivos nos Codex processuais admitindo que o magistrado não está vinculado ao laudo pericial, tendo autonomia para exercer suas próprias convicções.

Não somente no campo criminal, as Varas de Família e as Varas de Infância e Juventude também percebem precariedades nas interrelações do Ius com outras ciências, as quais são chamadas ingratamente como “assessórias”. O indivíduo menos incauto pode compreender por si mesmo que o Direito só é a ciência principal quando se discutir tão somente matéria jurídica. Somente quando o elemento humano for alheio, quando o estritamente legal estiver em pauta – o que em si já é difícil exemplificar, sem embargos.

Ninguém está acima da lei, mas não se diz que a lei está acima das outras ciências – destarte, sendo também uma. Daí, observamos os procedimentos de adoção, em que o psicólogo é convocado para entrevistar, acompanhar as partes, realizar uma série de diligências importantíssimas para assegurar o bem-estar do mais frágil ente da relação processual, a criança – mas tem prazos apertados para elaborar os laudos, obedecendo a um “princípio da celeridade processual” que, nesses casos, visa mais a atender as necessidades judiciárias.

Não fechando os olhos para o sofrimento da criança, tendo de passar por este longânimo conjunto de procedimentos, desejando ver acabado todos estes trâmites, não se rechaça aqui aquele valoroso princípio, mas questiona sua aplicabilidade tão racionalizada na questão acima estabelecida.

CONCLUSÃO

A lei é uma ciência; é fruto da observação do homem quanto a seus pares, seu meio, é um comando interno e externo, a percepção daquilo que está à sua volta. Sem a força da lei, observaríamos uma série de teratologias sociais, e o convívio estaria conturbado para os indivíduos, à mercê das próprias torpezas humanas, sem qualquer controle, tal qual vivenciou o “Senhor K.”, da obra kafkiana.

O homem não existe sem a lei para disciplinar suas condutas, mas esta lei deveria ser uma “parte” do homem; deveria conhecê-lo e entendê-lo em suas regras – mas não o pode; a lei é dura, fria, conhece apenas do que o homem faz. Aqui o papel fundamental da Psicologia do Direito: conhecer o que o homem sente. Se não conjuntamente, tais ciências, numa sociedade ideal, deverão ser compreendidas como uma só.   

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 4. ed. Washington: American Psychiatric Association, 1994.

ASIMOV, Isaac. Eu, robô. São Paulo: Editora Pocket Ouro, 2009.

KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Editora Europa-América, 1976.

LEHANE, Dennis. Paciente 67. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2005.

STOUT, Martha. Meu vizinho é um psicopata. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2010.


[1] Acadêmicos do curso de Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES).

Artigo completo: