A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA: ENTRE O DIREITO À LIBERDADE, PRIVACIDADE E A OBTENÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS

Por CARTEJANE BOGEA VIEIRA LOPES | 05/12/2017 | Direito

Cartejane Bogea Vieira Lopes

Gabriela Ferreira Sousa

Me. José Cláudio A. L. Cabral

 

  1. DESCRIÇÃO DO CASO

O caso se refere a possibilidade de interceptação telefônica. Segue a narrativa: um marido contrata um detetive particular para descobrir se estar sendo traído. O detetive ilegalmente grampeia o telefone celular da esposa de seu cliente. No intercurso das gravações o marido descobre que, além de o traí-lo, a mulher costuma ministra medicamento pesado (Lexotan) para sua filha, com o intuito desta dormir enquanto ela se diverte com seu amante. O marido fica indignado e apresenta provas ao Ministério Público, o qual denuncia a esposa.

  1. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE

A Constituição da República de 1988 veio afirmar um novo paradigma para construção do Estado Democrático de Direito. Neste novo modelo, ressalta-se a necessidade de fixação de procedimentos capazes solucionar as controvérsias internas à comunidade; a fixação da disciplina de organização e atuação da estatal, tendo por pilar os princípios componentes da ordem jurídica, vinculadas a força normativa e a defesa da Constituição.

Por certo, essa construção perpassa a dimensão da Dignidade Humana, pois o Brasil, vindo de diversas experiências autoritárias mostra-se no patamar da necessidade de refundar as práticas dos poderes públicos, afirmando-se os limites necessários à estabilização da vida social e expurgando-se a imprevisibilidade do poder político, tudo isso através de uma Constituição Deontológica, capaz de vincular poder público e cidadão. Nesse sentido, a dimensão dos direitos humanos na Constituição da República surge como “um construído convencional, no qual a contingência do consenso, cuja autoridade deriva do ato de fundação, é uma virtude, pois a verdade da lei repousa na convenção criadora de uma comunidade política, que enseja a gramática da ação e a sintaxe do poder”. (LAFER,1988, p.26) 

É oportuno para compreensão do case o conceito de direitos fundamentais oferecido por Moraes (2006, p. 21):

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais.

Direitos fundamentais comportam um amplo leque de atributos, daí a necessidade da devida ponderação, pois há colisão, conflitos na busca do reconhecimento material do direito. Neste sentido, afirma-se a relatividade dos direitos fundamentais, pois de acordo com Fernandes (2013, p.333):

Os direitos fundamentais se caracterizam pela relatividade (por serem “direitos relativos”), ou seja, eles não podem ser entendidos como absolutos (ilimitados). Nesses termos, é comum em vários estudos sobre o tema (não sem críticas!) a afirmação de que não podemos nos esconder no véu (ou atrás) de um direito fundamental para a prática de atividades ilícitas. Assim sendo, não haveria possibilidade de absolutização de um direito fundamental (“ilimitação” de seu manuseio), pois encontraria limites em outros direitos tão fundamentais quanto ele.

 

Os direitos fundamentais em colisão para o caso em questão são os direitos à liberdade e privacidade - proteção da família e da criança e do adolescente) e a questão que se coloca é: qual direito deve prevalecer? Inerente ao exposto, coloca-se a inadmissibilidade no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, conforme previsão do art. 5°, LVI, da CR/88.

Nesse contexto, destaca-se que o sistema de liberdade de prova, que se afina com as aspirações do processo penal de busca da verdade real, é limitado, porém, pelo princípio de vedação da prova ilícita. Isso porque, por óbvio, não seria lógico que o Poder Público, com o fundamento de realizar a justiça, aceitasse que seus agentes ou que particulares contrariassem as normas jurídicas para garantir o sucesso do esforço probatório, pois com tal abonação, estaria, contraditoriamente, excitando condutas avessas à ordem jurídica a qual se pretende tutelar com a atividade jurisdicional. O conceito de provas ilícita é fornecido por Gonçalves (2012, p. 256):

a) prova ilícita em sentido estrito — denominação empregada para designar a prova obtida por meio de violação de norma, legal ou constitucional, de direito material. Essa nomenclatura é utilizada, portanto, para adjetivar a prova para cuja obtenção violou-se direito que independe da existência do processo. Ex.: extrato de movimentação bancária obtido por meio de indevida violação de sigilo bancário ou confissão extraída mediante coação moral; b) prova ilegítima — é como se designa a prova obtida ou introduzida na ação por meio de violação de norma de natureza processual. É a prova, portanto, que deriva de comportamento processualmente ilícito. Ex.: exibição, em plenário do Tribunal do Júri, de prova relativa ao fato de que a parte contrária não tenha sido cientificada com a antecedência necessária (art. 479 do CPP). Seja qual for a espécie de prova ilegal (ilícita em sentido estrito ou ilegítima), no entanto, sua utilização será sempre vedada, constituindo o reconhecimento de sua ineficácia importante mecanismo para evitar abusos e arbitrariedades pelos órgãos incumbidos da investigação.

 

Para o case em análise destaca-se igualmente a teoria dos frutos da árvore envenenada, decorrente do direito norte-americano. Essa teoria, também conhecida como prova ilícita por derivação, preconiza a imprestabilidade da prova em si mesma lícita, mas cuja obtenção tenha derivado de ação ilícita. A aplicação dessa teoria foi normatizada pela lei 11.690/2008, que prevê expressamente a inadmissibilidade (art. 157, § 1º, primeira parte, do CPP), em consonância com o então já pacificado entendimento jurisprudencial, de modo a estabelecer que as provas obtidas por meio ilícito contaminam as provas ulteriores que, embora produzidas licitamente, tenham se originado das primeiras. Como exceções à teoria dos frutos da árvore envenenada, são colocadas por Santos (2015) a hipótese da fonte independente, na medida em que a ilicitude remota só contaminará a prova derivada quando houver inequívoca relação de causalidade entre ela e a ação ilegal. Como segunda hipótese de exceção é colocada a descoberta inevitável, àquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto
da prova. No campo das provas se tem igualmente a teoria da prova ilícita por derivação, aplicada por Santos (2015, p. 175) “quando a prova de certa infração penal é obtida em virtude de uma diligência devidamente autorizada judicialmente para outro crime”

Quanto a prova ilícita por derivação em específico às escutas telefônicas a doutrina coloca que tais provas são justificáveis somente em casos excepcionais, ou seja, quando não há outro meio para daquela prova, sendo esta indispensável para a solução do processo, exemplo do indivíduo que consegue comprovar sua inocência a partir de uma prova ilícita. Nessa situação, existe um conflito de direitos, e é nesse momento que deve haver uma ponderação de valores por parte do juiz, tendo que decidir qual é o direito deve predominar. As jurisprudências dos Tribunais Superiores colocam a posição de que as provas ilícitas por derivação restam contaminadas, embora as Cortes do STJ e STF já começam a mudar o ângulo de análise do caso concreto a partir dos parâmetros de proporcionalidade e razoabilidade para aceitar determinadas provas ilícitas nos autos dos processos. Nesse sentido, se coloca a admissibilidade da Prova Ilícita a partir da proporcionalidade pró réu, ou seja, quando o sujeito agir a partir do contexto de estado de necessidade, legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal, assim como no exercício regular do direito, com a finalidade de obtenção de prova de inocência individual ou de terceiros, a ilicitude da ação é deixada de lado e a prova passa a ser valorada no processo penal.

Quanto as provas obtidas a partir da escuta telefônica legalmente autorizadas pela autoridade judicial a prisão somente será lícita se existir um nexo causal entre o crime punido com detenção e o crime punido com reclusão, que fundamentou a intercepção telefônica. Esse é o entendimento de Santos (2015, p.180) e presente no julgado HC 8351, cujo relator foi o Ministro Nelson Jobim.

No que se refere a viabilidade na esfera extrapenal da prova obtida com interceptação telefônica, há um caso julgado em 2011, o Superior Tribunal de Justiça, o qual admitiu a intercepção telefônica no âmbito civil em situação de extrema excepcionalidade, quando não houver outra medida que resguarde direitos ameaçados e o caso envolver indícios de conduta considerada criminosa. Esse posicionamento é presente no Habeas Corpus Nº 203.405 - MS (2011/0082331-3), Terceira Turma do STJ.

 

3. DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS

 

“Na colisão de direitos fundamentais supracitada (direito à liberdade e privacidade - proteção da família e da criança e do adolescente), qual direito deve prevalecer?” Já se afirmou anteriormente que não existem direitos fundamentais absolutos, dado o caráter relativo dos mesmos, sendo assim na ocasião de colisão de direitos fundamentais, surge a pergunta de como solucioná-los. A solução para Fernandes (2013, p.347), “é concebida na tradição alemã do instrumental de ponderação de princípios. Nesse sentido, utilizando-se da regra da proporcionalidade e de suas três sub-regras (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito)”. Desta forma, ao aplicar o direito perante um caso real, o aplicador seria capaz de justificar racionalmente a aplicação de um direito fundamental em precedência a outro do mesmo modo previsto constitucionalmente.

  1. Argumentos para fundamentar cada decisão

Levando em consideração que o juízo de ponderação, vinculado ao princípio da proporcionalidade, que exige, conforme afirma BRANCO (p. 319, 2011):

O sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução.

Sabe-se que Direitos Fundamentais são direitos público-subjetivos de pessoas contidos em dispositivos constitucionais, portanto, encerram caráter normativo supremo dentro do Estado Democrático de Direito, tendo por finalidade limitar ou instrumentalizar o exercício do poder estatal em face do desejo de liberdade entre os indivíduos na esfera social.

Denota-se por conseguinte afirmar que nas decisões jurisdicionais deve-se evitar um decidendum cuja ratio se encontra externa ao ordenamento jurídico. Neste sentido, inadmitisse a utilização das gravações feitas pelo marido de forma ilegal, pois por meio da ponderação entre liberdade e privacidade deve prevalecer para o caso em questão a privacidade.

3.1.2 Argumentos contra:

A prova pode ser utilizada, pois

  1. DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS E VALORES CONTIDOS EM CADA DECISÃO POSSÍVEL
  • Segurança e Ordem Pública; Legalidade; Eticidade; Proteção à infância e adolescência.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros. 2009.

BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Senado Federal, Brasília, 2012.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento e Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais.  São Paulo:  Atlas, 2006.

REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito processual penal esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2012.

SANTOS, Cleópas Isaías; ZANOTTI, Bruno Taufner. Delegado de Polícia em Ação: Teoria e Prática no Estado Democrático de Direito.  Salvador: JusPodivm, 2015.

STF — HC 69.912 (segundo) /RS — Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence — Data do julgamento: 16.12.1993 — Data da publicação/fonte: DJ 25.03.1994 — p. 6.012; HC 93050, relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 10/6/2008.

Aplicada no HC 95009, Rel.: Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2008. No mesmo sentido, a decisão do STJ no HC 151530/PB, Rel.: Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 18/05/2010.

STJ – Resp 204080 – CE – 6ª T. – Rel. Min. Fernando Gonçalves – DJ 01.10.2001 – p. 255.

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